sábado, 22 de novembro de 2014

Os teus sorrisos

Os teus sorrisos
são como pérolas,
tão belos,
que não há
quem os distinga das verdadeiras,
 se diferenças houver,
perdem as pérolas, pois,
bem mais sedutores
do que elas, os teus sorrisos são,
tão quentes quanto
os lábios que lhe dão
forma, cor e paixão.


Jorge C. Chora

terça-feira, 18 de novembro de 2014

O filho da Tágide ou a actualização do mito

                                                                                                                          

Um jovem pastor, abrigado numa gruta minúscula, abriu a boca de espanto ao ver um recém-nascido, calçando umas enormes sandálias, a circular em torno dos rebanhos do deus Apolo. O que quereria ele?  interrogou-se o pastor tiritando de frio.

Ainda não tinham passado três nuvens sobre o rebanho quando algo de espantoso aconteceu: o recém-nascido separou as melhores cabeças de gado e iniciou uma marcha às arrecuas, andando ele próprio de marcha atrás.

Surpreso com o que via, jovem pastor escondeu-se aqui e acolá e seguiu o estranho recém-nascido até ao local onde o viu a ocultar o gado. As dúvidas, quando ao acto que estava a ser cometido, dissiparam-se: era um roubo! Fosse quem fosse, o recém-nascido era um ladrão!

Seguiu o pequeno larápio, assegurando-se de que não era visto e verificou que ele se tinha acolhido a um enorme palácio, de todos conhecido como a morada de Zeus. Pelo ambiente festivo que aí reinava, ficou a saber que algo de muito importante se estava a passar. Curioso, perguntou a uma belíssima mulher que acabara de sair, o motivo de tal alegria . Foi informado de que a festa se devia ao nascimento de mais um filho de Zeus. Naquele preciso momento, viu assomar a uma janela do palácio a deusa Hera, furibunda, lançando impropérios cabeludos a Zeus. Aproveitou a presença da mulher para a questionar:

-Não deveria Hera estar contente pelo nascimento de mais um filho?

-Sim,  se fosse dela…

-Não percebo… -confessou o pastor.

-É filho de Zeus e de Maia e deram-lhe o nome de Hermes…

A conversa foi interrompida pela chegada faiscante de Apolo, que viera queixar-se a Zeus do comportamento de Hermes.

-De Hermes? Apolo, meu filho…o teu irmão Hermes é um recém-nascido! Anda vê-lo no berço…

Pé ante pé dirigiram-se à caminha de Hermes. Entraram no quarto. Hermes fingia dormir um sono angelical. Sem que Zeus ou Apolo se apercebessem, abria de forma imperceptível um olho e controlava-os nas suas deambulações ao redor do seu berço.

Zeus abanou-o de modo terno. Hermes fingiu despertar, ensonado, esfregando os olhos:

-O que foi meu pai?

-O teu irmão Apolo, acusa-te de lhe teres ficado com metade do seu rebanho. Tem testemunhas do teu acto. Deves devolvê-las ainda hoje com um pedido de desculpas.

Hermes, apanhado em falta, olhou à sua volta e reparou numa carapaça de tartaruga e logo ali inventou a lira e deu-a a Apolo. Este, comovido, não só lhe perdoou o roubo como lhe deu o rebanho que Hermes lhe tirara, e ainda lhe ofereceu o seu bordão alado, o caduceu.

Hermes agradeceu e dirigiu-se o mais depressa possível ao esconderijo. Ao chegar verificou que metade do rebanho desaparecera. Gritou furioso:

-Quem ousou roubar o filho de Zeus e irmão de Apolo?

De um canto da gruta, ouviu-se uma voz:

-Fui eu Hermes…vi-te tirar o rebanho a Apolo …

-E depois? Isso deu-te o direito de o tirares de mim?

-Claro que sim!- respondeu-lhe o pastor de modo agressivo.

-Como assim!

-Peço-te desculpa…sei que és um deus mas ainda não sabes tudo. Ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão.

-Mas quem és tu, descarado, que me vens dar lições…

-Eu não sei bem quem sou,  mas já me disseram que também sou filho de Zeus…

-Filho de meu pai? E quem é a tua mãe?

-Disseram-me que Zeus soube de uma bela Tágide que habitava na Ibéria. Apaixonou-se quando a viu. Desses amores nasci eu…

-Mau, por Zeus, tenho outro irmão tão ladrão como eu…

E foi aqui que duas serpentes saltaram do fundo da gruta, cada uma do seu canto e Hermes lançou o bordão que Apolo lhe dera para as separar. Elas enrolaram-se de forma pacífica à volta do bordão, que se tornou o símbolo de Hermes.

Hermes, voltou-se para o filho da Tágide, seu irmão, e disse-lhe:

-A partir de agora vais transportar o meu caduceu. Serás o meu representante, o meu ajudante, quando eu não tiver possibilidades de transportar uma mensagem, proteger os ladrões, os comerciantes e outros quejandos…

E foi assim que os países ibéricos se tornaram um paraíso para os discípulos de Hermes, com direito a um embaixador permanente.Era filho de Zeus e de uma Tágide, irmão dilecto de Hermes, venerado por uma corte enorme de discípulos, que foi crescendo ao longo dos séculos.

Jorge C. Chora




sábado, 8 de novembro de 2014

A melhor maneira de todos ficarem a saber o que não quer que se saiba


Se o mundo acabasse aos gritos, a senhora sobreviveria. Saiu da viatura a falar tão alto e com uma voz tão estridente que não houve, num raio de muitas centenas de metros, quem não ouvisse o que dizia ao telemóvel:

-A casa fica em frente? Ah! é à direita de quem entra na praceta. E qual é o número… espera, tenho aqui um degrau…é a descer e a letra é a F ? Só um bocadinho…já encontrei. Existe uma espécie de aparelho. É para marcar o código? Vai dizendo …o seis…o dois…o cinco e o vinte e cinco…Já está, abriu.

A velha D. Antónia, foi a única residente que não ouviu ou melhor, não percebeu bem o que se estava a passar:

- A quem é que ela está a dizer o número de telefone?

Após se ter instalado na casa de férias que alugara, a senhora teve de sair. Voltou duas horas depois. Encontrou a porta aberta e a casa sem nada. Saiu espavorida, agarrou-se ao telemóvel e desabafou:

-Amiga, não fazes ideia do que aconteceu! A tua casa foi assaltada. Não sei como aconteceu! Espera, tenho aqui um papel escrito, colado à porta…deixa-me lê-lo…”Para a próxima fale mais baixo. Agradeço as facilidades. Cumprimentos.”

Calou-se durante uns momentos e numa lamúria que quase ensurdeceu o bairro:

-E logo hoje que falei tão baixinho…

V.Exª é como ela e ficou agora a saber como é que todos sabem os seus segredos?

Jorge C. Chora