quinta-feira, 29 de setembro de 2022

A GAIVOTA E A MARINHEIRA

.Sentado à beira Tejo

 uma gaivota via e seguia,

sempre que podia,

quando do emprego saía.

 

Amiga de longa data,

com ela conversava,

a desabafar chegava,

e sabia que ela o ouvia.

 

Como ninguém o escutava,

falava alto, pois de nada servia,

falar e não ser escutado,

murmurar e não ser entendido.

 

Uma exceção abria,

quando ela se encostava

e a seu lado se ajeitava,

e aí, só murmurava.

 

Uma jovem marinheira

ao ver o que se passava,

pela curiosidade movida

às vezes, parava e escutava.

 

 

 À terceira, aproximou-se,

de seguida sentou-se,

ninguém a afastou

e por lá, quieta se deixou.

 

Quando o homem se levantou,

a marinheira a mão lhe deu,

ele não se importou e com ela ficou,

e a gaivota para o seu ombro saltou.

 

Todos os dias, à mesma hora,

o homem, a marinheira e a gaivota,

atravessam o Terreiro do Paço

e sentam à beira-rio a conversar.

 

     JORGE C. CHORA

 

         29/8/2022

terça-feira, 27 de setembro de 2022

A OFERTA DA LILI


Na varanda de ferro forjado

só caibo eu e três vasos:

um é de hortelã-pimenta,

o outro é de lúcia-lima,

e o terceiro de alfazema.

Em dias ensolarados,

no meio delas me deito,

a olhar o Tejo e os cacilheiros,

para o Seixal, Almada e lá mais ao fundo,

a terra onde como bacalhau.

Só paro de observar quando

a Lili se levanta, se aproxima,

e oferece a sua deliciosa conchinha,

a cheirar, levemente a alecrim.

 

       JORGE C. CHORA

           27/8/2022

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

BAIRRO ALTO D'OUTRAS ÉPOCAS

Nas vielas havia pielas,

abraços e amassos,

mulheres seminuas,

enchendo bolsos aos

chulos de brilhantina,

à luz da lua puxando,

clientes quase sem cheta.

Noutra esquina, oposta:

jogava-se à vermelhinha,

do bar chovia uma cadeira

e de repente, um grito,

do compincha da batota:

-Olha a bófia!

Desaparecia o dinheiro,

da vermelhinha nada sobrava,

nem pano nem copos

e muito menos o dinheiro.

Vinha arfando o anafado guarda,

brandindo o chanfalho,

com os larápios escapulindo,

mas por vezes apanhados

e então, merecidas chanfalhadas.

No meio da algazarra, das janelas

as moradoras despejam penicos,

fartas das poucas vergonhas.

Entretanto, das portas entreabertas

soavam fados e alguns miados,

conforme as posses dos donos

e a valia dos artistas, enquanto

continuavam as correrias, as escondidas

e nas esquinas se pintavam de vinhos,

as paredes já borradas de vómitos

e outras porcarias, lançadas,

por pessoas dobradas, em vielas

mais esconsas e fora de vistas!

Era assim o bairro, em princípios

de setenta e fins de sessenta,

enquanto em alguns andares

se ouviam palmas e os chamados:

-Meninas à sala!

E os jovens militares, saiam satisfeitos,

a caminho dos quartéis e da guerra,

com os bolsos vazios, a cabeça cheia,

transportando doenças venéreas,

como medalhas das gloriosas estreias!

     Jorge C. Chora

       26/8/2022

 

domingo, 25 de setembro de 2022

O SUCESSO DE ANTÓNIO


Calcorreava montes e vales, por estradas poeirentas, às vezes lamacentas, em dias chuvosos, para ir aos bailes.

Sabia de cor e salteado onde se realizavam festas e bailaricos, desde as aldeias mais próximas às mais longínquas.

Ainda era adolescente, mas todos o conheciam. Quando chegava aos locais festivos,

perfilava-se, colocava o braço direito atrás das costas, fazia uma pequena vénia em frente da eleita para dançar e formulava o pedido:

-A menina dança?

Só pedia para dançar às meninas de cabelo comprido, a darem-lhes pela cintura.

Diziam que adorava os cabelos sedosos, rescendendo a jasmim e extremamente cuidados, uma vez que a sua mão permanecia no interior da cabeleira todo o tempo.

À medida que a sua fama crescia, tornou-se moda nas aldeias onde ia, as raparigas deixarem crescer o cabelo até à cintura.

Um belo dia demorou-se um pouco mais a introduzir a mão, no interior da cabeleira do par. Todas as meninas viram que tinha quatro dedos da mão direita, parcialmente cortados e a terminarem em forma de batata.

Um dos amigos que sabia que ele cortara os dedos numa máquina de cortar madeira, salvou a situação:

-Elas dizem que é um dos melhores encantos dele! Uma garantia de sucesso!

E foi a partir daí que eram elas e não ele, a perfilarem-se na sua frente e a fazerem-lhe o pedido:

- O menino dança?

 

 

P.S- História recriada a partir da vida de António Cargaleiro, um dos doentes também internado comigo na cardiologia do H. Stº Maria, em setembro de 2022.

 

       Jorge C. Chora


sábado, 24 de setembro de 2022

NOVOS TEMPOS

Seios simétricos,

grandes ou pequenos,

são divinas bênçãos,

mas os desiguais

são também:

deles dependem

as novas gerações

e ai de quem,

num mundo de mamões,

não aprenda a ser mamão!

 

JORGE C. CHORA

24/8/2022

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

A NOSSSA MENINA


Da sobrancelha à narina,

tudo dela parte faz,

incluindo o mau- humor,

também o sorriso,

a alegria, a lágrima sentida,

o beijo participado,

e, por vezes, o “chega-te para lá”.

A nossa menina, quando de nós discorda,

barafusta, esperneia e faz cara feia,

continua a ser nossa e nós dela,

pois não constituindo um só,

são dois em um,

as dores um do outro,

sentem-nas como se fossem suas.

      Jorge C. Chora

          23/8/2022

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

SÓ NÃO TEM O NOME DE FLOR


Ao meu amor

chamo-lhe Flor,

para o ser, tudo tem,

por favor, anotem:

Rescende a flor,

dá-me tanta sorte

como um trevo

de quatro folhas,

e, tal como o girassol,

adora o meu calor;

vira-se para mim

 como se eu fosse o sol

e eu vivo para a aquecer,

não fosse ela,

a minha arrebatadora Flor

e dela depender para respirar.

Só não tem o nome de flor

porque não há nenhuma como ela!

 

        Jorge C. Chora

          15/09/2022

terça-feira, 13 de setembro de 2022

RANCHOS FOLCLÓRICOS

Ressoam no palco os passos,

os pulos e os saltos,

dos membros dos grupos

de dança nos espetáculos.

Rodopiam as saias das bailarinas

em volteios estonteantes,

apoiados em ágeis pernas,

em rendas envoltas,

ao ritmo de vozes bem agudas

capazes da estratosfera ultrapassar

e de águias em pleno voo paralisar.

Soam acordeões, violas e cavaquinhos,

por tambores auxiliados, em ritmos

graciosos, ao som de palmas incentivados,

por uma assistência entusiasmada

que no solo também bate a compasso os passos.

 

      Jorge C. Chora

      13/09/2022

  

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

AMA-TEPOR INTEIRO

Olha-te e envaidece-te,

mas nem tudo o que vês

é obra tua:

- Agradece à cabeleireira,

à massagista e à manicure

e a todos por terem contribuído,

mas não te menosprezes,

pois foste tu a escolhê-los!

Trata-te por dentro,

como te cuidas por fora

e ama-te por inteiro!

 

     Jorge C. Chora

      12/09/2022

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

AMAR SIMPLESMENTE!


O amor cria a vida

na sua vertente carnal,

transforma os amantes

em pais,

concede-lhes o amor paternal,

e aos filhos, o amor filial;

aos irmãos e outros seres

o dever de ser fraternal.

Amar não é pecar,

é aceitar e degustar

a maçã de Eva com prazer

e perceber:

NÃO AMAR É PECADO!

E AMAR, SEM PROCRIAR TAMBÉM NÃO É!

Os seres do mesmo sexo também se amam,

mas não procriam:

- Amam-se simplesmente!

 

    JORGE C. CHORA

       9/09/2022

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

PROMESSA COM FIGAS?

Sê minha,

serei sempre teu,

enquanto minha quiseres ser

outra não quererei ter;

e se deixares de me querer,

talvez não te consiga esquecer,

mas prometo não te prender,

embora figas me apeteça fazer!

       Jorge C. Chora

        7/9/2022 

domingo, 4 de setembro de 2022

OS BUDAS

Se havia algo que Anselmo detestava ver, era a estatueta do Buda, colocada na estante da sala.

Um dia resolveu tirá-la do sítio e escondê-la na despensa, dentro de uma lata.

Pela tarde, um dos netos, apareceu-lhe com o Buda na mão e perguntou-lhe:

-Este não é o Buda da estante? Estava numa lata …

E Anselmo, fazendo-se surpreendido, voltou a colocá-lo no local do costume.

Não desistiu de o ver dali para fora. Um dia lembrou-se de o dar a uma quermesse, em que se tiravam rifas e se ganhavam prémios.

Quis a família ir à feira e a esposa, decidiu comprar uma rifa, tal como fazia quando era miúda.

Qual o espanto de Anselmo, ao ver a sua mulher ganhar o Buda lá de casa.

A esposa mirou e remirou o Buda e concluiu que era a sua estátua. Olhou o marido de soslaio e percebeu a marosca. Ele detestava a imagem e desfizera-se dela!

Desde esse dia, Anselmo nunca mais tocou no Buda, mas ao passar por ele evita olhá-lo, não vá o diabo tecê-las e dar-lhe de novo sumiço, para o ver, milagrosamente, regressar a casa.

Para cúmulo do azar, as amigas e amigos da família, sabendo do afeto da sua esposa pelos Budas, sempre que se lembram, oferecem-lhe diferentes Budas: uns mais pequenos, outros magros e uma coleção de anafados.

Agora a estante está toda dedicada à exposição dos Budas e o Anselmo, ao referir-se ao facto chama-lhe de modo desanimado o “ Budário”.

 

Jorge C. Chora

4/9/2022