sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O ROLÃO CU DE PAVÃO



Rolão cheira mal que tresanda. Como assim? perguntarão, querendo saber com exactidão o fedor que ele exala. Não é fácil descrevê-lo porque não há palavras que possam igualar a repugnância sentida, com o mesmo grau de intensidade em relação à experiência olfactiva. Direi que, o odor faz lembrar palha velha, embebida em urina e fezes de animais ou seja, o Rolão fede a estrebaria, embora se possa encharcar em jasmim ou outra essência qualquer.

De estrebaria é também o seu comportamento. Rolão pavoneia-se, usa o você em vez do senhor(a), gaba-se, não cessa de gabar-se do que fez com esta e com aquela, dando pormenores sórdidos, sabe-se lá se reais se imaginários, capazes de demolir a reputação mais sólida, sejam elas solteiras, viúvas ou casadas. Todas sem excepção, diz, suspiram por ele, emitem sinais de enorme interesse que ele, tal qual antena de TV, capta antecipadamente e sabe o momento em que elas se entregarão e o modo como o farão.

Rolão é feio como os dias de tempestade, branco que nem uma osga, lanzudo como uma ovelha de pêlo seboso e escorrido. Dotado de umas beiças finas que formam uma espécie de beiral das cloacas, por elas escorrem as aleivosias e a torrente orgásmica e leitosa da maledicência, também em relação a eles, quando jura a pés juntos e divulga, destilando velhacaria, que o gajo é, de fonte segura, um homossexual conhecido de todos, mas só ele tem essa informação: não diga a ninguém…

Rolão agarra-se como as lapas, não desgruda de quem lhe interessa, esfrega o ego a quem pretende sugar alguma coisa, até ao momento em que consegue concretizar a transfusão.

Rolão pavoneia-se, só dá as costas, mostra o rabo que julga ser de pavão mas é, de facto, um cu de pavão sem penas.

Quantos Rolões, cus de pavão, conhece Vª Exª? Está rodeado deles? É natural…é o que mais há!
São de facto muito, mas muito aborrecidos, e acima de tudo, infinitamente repetitivos…e cansativos.

Sacuda-os!


Jorge C. Chora

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

O GALO DESTRAMBELHADO

                 

Suspeito que o meu vizinho capou o galo que tem na capoeira. Este anda furioso com a perda sofrida e há quem diga que o animal até muda de cor pois, umas vezes está vermelho, outras rôxo e ainda, no auge da raiva, negro que nem um tição.

E o estupor do bicho reclama, sem atender nem à hora nem ao dia, seja de trabalho ou de descanso, num estilo roufenho e dolente, numa toada mourisca que ninguém percebe, mas que se sente ser de lamento e revolta,  por lhe terem tirado aquilo que o fazia ser um grande galo.

Canta de manhãzinha, mesmo antes da hora prima, segue-se a cantoria todo o dia, mesmo após as completas, emitindo aquele som desqualificado, de galo capado, de político que ninguém ouve.
Pior, mas muito pior, do que o seu cantar, é o coro de carpideiras que o acompanham. Escutem! Ouçam:

-Estamos fracas…estamos fracas…estamos fracas…

E o galo, convencido  que deve ser ouvido, levanta a crista e canta a propósito de tudo e de nada, aproveitando todas as oportunidades, tornando-se insuportável.

Se alguém tivesse o condão de fazer o destrambelhado retroceder até voltar a estar no ovo, estou certo de que todos os que o ouvem o impediam de ser chocado. Melhor ainda, penso que surgiriam os adeptos dos que o estatelariam no chão e procederiam como Pombal, salgando o solo, garantindo que o malvado galaró não deixaria semente.

Por mim, que não advogo soluções tão radicais, pagar-lhe-ia uma operação estética que lhe reimplantasse os ditos e fizesse com que ele abandonasse o estatuto de “castrati” desafinado.


Jorge C. Chora

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

VÓVÓ

        

A vóvó está na cozinha
a fazer o almoço e a
adiantar o jantar.
Onde está o vôvô?
No quarto a fazer ó ó
e a ressonar.

Na cozinha faz a sopa,
tempera o peixe,
corta a carne,
prepara a fruta e o doce,
 e como tem
o outro braço livre,
segura a neta ao colo.
Onde está o vôvô?
No quarto a fazer ó ó
e a ressonar.

São horas de acordar vôvô,
com amor e suavidade,
atirando beijos para o ar,
como só vóvó sabe,
com sonoros chuac…
chuac…chuac

E quando vôvô acorda
logo pergunta:
O que há para jantar querida vóvó?
Doce de ressono
e bife de ó ó
querido vôvô.
E logo a seguir
serve-lhe um prato
delicioso e a transbordar.

À noite tudo sossega
e vóvó pode finalmente
ter paz para trabalhar
nas suas investigações.
E vôvô?
No quarto a fazer ó ó
e a ressonar.
De vez em quando acorda
e pergunta:
Quando é que vens deitar-te doce vóvó?


Jorge C. Chora

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

E SE LESSE AOS MAIS PEQUENOS?/O LOBO TREME-TREME


Com a sua voz rouca e de fazer arrepiar, mostrava a sua boa disposição, cantarolando esperançado:

- A seguir a uma, irá outra, ovelhas não me faltarão e fartar-me-ei, por mais alambazado que eu possa ser. Elas farão fila para que eu me possa saciar, só temo que me possa fartar…

E o grande lobo Treme-Treme caminhava dançando até ao local onde espreitava o enorme, fértil e verdejante vale, onde nem um rio faltava. Os olhos abriam-se-lhe de cobiça e salivava ao ver as inúmeras ovelhas que lá pastavam.

“Mas eu nunca, mas nunca, me poderei fartar” pensava, tremendo de ansiedade, antecipando o dia em que iria ferrar o dente naquela tenra carne.

Sabia que os rebanhos ali presentes eram constituídos por dez famílias e obedeciam aos dez carneiros mais velhos de cada uma delas.

Raro era o dia em que não pensava no modo de ficar com essas terras e alimentar-se à custa do rebanho.

Decidiu arranjar um modo de fazer amizade com os chefes. A oportunidade surgiu quando um dos cordeirinhos escapou à vigilância dos pais e saiu do vale. Apressou-se a segui-lo e a recuperá-lo. Guardou-o durante dois dias e ao terceiro, apresentou-se no vale.

Os dez chefes, logo que o viram, fizeram um círculo amplo, baixaram as cabeças e apontaram-lhe os grandes cornos, de forma a cercá-lo e a fazer-lhe frente.

- Venho em paz. Trago-vos um membro da vossa família que encontrei perdido na floresta…

Um dos carneiros, o que parecia ter maior ascendente no grupo, aproximou-se, acolheu os recém-chegados e enquanto agradecia ao lobo a sua acção, enviou o pequeno para ao pé da mãe que aliás, já acorria aos balidos da sua cria.

Todas as semanas o visitante trazia uma cria tresmalhada e o rebanho habituou-se a vê-lo como o seu protector.

 O lobo resistia aos seus impulsos. Nesse dia esteve quase a sucumbir-lhes, chegando a abocanhar o tenro cordeiro que ia devolver ao lar. Só conseguiu dominar-se ao pensar que não estava longe o dia em que os poderia comer até saciar-se.

Durante as visitas, ia tomando conhecimento dos pastos mais ricos e perguntando ao carneiro
mais importante:

-É evidente que esses pastos são seus, não é verdade?

E o carneiro respondia-lhe que não e apontava os que pertenciam à família, bem mais pobres do que os outros
.
-Como é que isso é possível coordenador-chefe? Isso revela falta de respeito! Os outros é que têm o que deveria ser seu por direito?

Sempre que estava com o coordenador insinuava a ideia, repetia-a e pedia desculpa de a repetir.

Aos poucos, em relação aos outros nove, foi levantando a suspeita de que o coordenador se achava no direito de ter as melhores terras, porque era, simplesmente, o que mandava.

Em breve reinou a discórdia. Estabeleceram-se alianças com o lobo que as efectuou, em segredo, com todos eles. Foi marcado um dia para que cada um deles se impusesse aos outros, julgando todos poder contar com o lobo Treme-Treme como aliado.

Teve o Treme-Treme o cuidado de os avisar individualmente de que não estaria presente no começo das hostilidades, para que o adversário fosse depois apanhado de surpresa e mais depressa vencido.
À hora certa, desencadeou-se um combate de todos contra todos, que resultou na morte dos dez chefes.

Ainda dois dos chefes se encontravam moribundos, quando o Treme-Treme fez a sua aparição.

Logo ali devorou dois cordeiros, tendo os dez familiares que o acompanhavam comido um cada um. Seguiu-se de imediato a distribuição das terras e do rebanho pelos membros da alcateia. O Treme-Treme enunciou as novas regras para o seu grupo, tendo o cuidado de os avisar de que não deveriam comer as reprodutoras nem todas as crias de cada ninhada, sob pena de matarem a sua fonte de alimentos.

O Treme-Treme deixou de se chamar assim porque daí em diante nunca mais passou fome.
Nem ele nem o resto da alcateia.


Jorge C. Chora

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

O MACÚTI HÁ MAIS DE SESSENTA ANOS/O FIM INGLÓRIO DE UM BACORINHO QUE TINHA A MANIA QUE ERA CÃO



                         

Lembro-me dos meus pais contarem, a mim e ao meu irmão, a história de um porco que vivia no nosso quintal e tinha a mania que era um cão. Éramos muito pequenos e não chegámos a conhecê-lo.

Como todos os animais que existiam lá por casa, o destino do porco era o de viver em paz e em sossego até ao fim dos seus dias. Este era especial. Aproveitava o facto de estar no Macúti, ao pé da praia (e que praia!) e ganhou o hábito de ir tomar banho ao mar. Durante a semana a praia estava deserta. Quando tornava a casa, ia para a zona do tanque onde recebia um banho, dado à mangueira, que o libertava do sal.

Quando os meus pais iam para o serviço, o porco corria atrás da viatura até se cansar. Alguns vizinhos surpreendiam-se com o seu aspecto:

- O Anselmo tem um cão que mais parece um porco!

- Ele não só parece, como é mesmo um porco… -explicava.

Um belo dia o meu pai decidiu que fazia falta uma passadeira que ligasse a garagem à cozinha, pois ainda era necessário atravessar uma distância grande de areia da praia até chegar à habitação.

Com esforço, muita paciência e algum dispêndio monetário a obra foi feita. Quando à tarde regressou a casa, qual não foi o seu espanto ao ver a passadeira destruída.

O porco foi prontamente identificado como o autor da façanha
.
-Matem-me esse porco! -reagiu o meu pai, furioso com o sucedido.

No dia seguinte, à hora do almoço, o cozinheiro fez uma entrada triunfal, com uma enorme travessa de porco assado no forno, recheado de batatas.

 O cozinheiro interpretara à letra o desabafo e tratou da saúde ao banhista de quatro patas, ao companheiro das corridas matinais, ao pacífico habitante do quintal que se achava mais cão do que bacorinho.

Ninguém comeu. A refeição foi distribuída à vizinhança que a elogiou e que algumas vezes,
passados anos, brincava com o assunto:

-Então quando é que temos outro pitéu como aquele?


Jorge C. Chora

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

LISBOA



Miro-a lá do alto,
abro os braços
e abraço-a
inteira e bonita,
a Lisboa que não é
tua nem minha,
pois sendo nossa
é tanto tua como minha,
embora a meu ver,
mesmo sem querer,
a sinta mais minha do que tua,
e afinal vos perdoe
que a considerem
mais vossa do que minha.



Jorge C. Chora

domingo, 4 de setembro de 2016

OS GOLFINHOS DO TEJO E OS SEUS CUMPRIMENTOS MATINAIS NOS ANOS CINQUENTA



Serafim Jorge Milho é, e sempre foi, amigo de praticar desporto. Nos anos cinquenta, era um jovem de vinte e tal anos e dedicava-se ao remo no Clube Naval de Lisboa, que ficava atrás da Estação do Cais do Sodré, junto ao Tejo.

Saía três vezes por semana de Campolide, dirigia-se ao clube e realizava o aquecimento no tanque. Às oito entrava, com os colegas (equipa mista com oito) no Tejo e treinavam.
Durante a sessão, tinham quase sempre, um encontro com três golfinhos, dois grandes e um pequeno. Serafim Milho acredita que se tratavam dos pais e do filho. Em frente ao barco, cruzavam-no na diagonal. Saltavam um a um: primeiro os grandes e só depois o pequeno.

Encolhia-se o Serafim e a tripulação também, sustendo a respiração, até que o mais pequeno passasse. Não descontraiam por completo pois sabiam que ainda faltam os segundos saltos, como que a assegurarem-se de que os bons dias calorosos eram transmitidos.

Os bons dias que Serafim dava e recebia ao entrar no banco onde trabalhava, estavam longe, muito longe de serem os primeiros que recebia.

Ah! Antes que achem que Serafim era useiro e vezeiro em chegar atrasado ao serviço, desiludam-se: ele entrava, na época, às dez.


Jorge C. Chora

sábado, 3 de setembro de 2016

O NOVE DEDOS



O “Nove Dedos” era um homem de baixa estatura, mas encorpado, com cara de limão, de acordo com Luciano Rolão, que o viu inúmeras vezes e lhe conhecia a fama de malquisto.
Trazia sempre uma chibata numa mão e na outra um livro para passar multas. Utilizava-o de modo intenso e diário e não cedia a rogos nem choradeiras: confiscava a mercadoria às vendedeiras e de seguida multava-as sem dó nem piedade, a bem da nação e da ordem pública. Era o terror das vendedeiras clandestinas que exerciam a profissão fora do mercado da 24 de Julho, nomeadamente na Rua da Ribeira Nova ao Cais do Sodré, em Lisboa.

O homem de que Luciano fala era um polícia ou melhor, um comissário, que se deslocava num jipe,  idêntico aos que se utilizavam na 2ª Guerra Mundial, com capota de lona. Para além do condutor, era sempre acompanhado por um guarda.

Um belo dia, no exercício da sua actividade fiscalizadora e confiscadora, uma vendedeira com pêlo na venta, engalfinhou-se com o comissário, deu-lhe uma tal dentada, cuja consequência  foi o homem passar a contar com menos um dedo e daí em diante  ser conhecido como o “Nove Dedos”.

As dentadas e o puxar de cabelos, faziam parte do arsenal de algumas varinas e vendedeiras na década de cinquenta e sessenta. Diz-nos Luciano, que as suspeitas e ciúmes que elas tinham em relação aos maridos e às outras mulheres, eram o rastilho mais habitual das zaragatas.

Seja como for, o ”Nove Dedos” não deixou de continuar a ser uma dor de cabeça para os comerciantes, clandestinos ou não. Serafim Milho também se lembra da fama deste comissário e de na Rua General Taborda, logo que algum comerciante o via, telefonava aos outros para fecharem as portas.


Jorge C. Chora

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O PEIXE FRESCO DO CAIS DA RIBEIRA E A CHICOTADA QUE LUCIANO LEVOU A PROPÓSITO DAS HORTALIÇAS DO MERCADO DA 24 DE JULHO


Nasceu na Madragoa, na Rua das Trinas, na freguesia da Lapa e foi baptizado na Basílica da Estrela com o nome de Luciano. Era neto e sobrinho de residentes locais.

Entre os dez e os treze anos sempre teve acesso gratuito ao peixe fresco de 1ª qualidade (sardinha e carapau…). As cestas de verga redondas, repletas de peixe, eram lançadas das traineiras para o cais da Ribeira que ficava acima do nível a que o barco estava. Havia peixe que caía e o Luciano, o irmão e a rapaziada do bairro eram lestos a apanhá-lo. Isto passava-se da parte da manhã.

À tarde, quando os carroceiros transportavam as hortaliças para o mercado da 24 de Julho, vá de deitar-lhes as mãos entre os tapumes das carroças e conseguir um acompanhamento adequado ao peixe fresco matinal.

Um belo dia o carroceiro foi mais rápido do que o Luciano e ferrou-lhe uma tal chicotada na face que o deixou cheio de dores e sem apetite por verduras, pelo menos por algum tempo…

Em breve as “pescarias” terminaram pois Luciano e os outros tiveram de começar a trabalhar.
Era assim a vida de alguns jovens de Lisboa na década de cinquenta …


Jorge C. Chora