terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O comprimido


Uma explosão de alegria alastrou pelo laboratório. O comprimido roxo ganhara o prémio do grémio industrial. Naquela semana era a terceira instituição a atribuir-lhe distinções. Os elogios, por parte de alguns empresários, não abrandavam desde que o medicamento fora descoberto. A produção triplicara, os custos tinham sido reduzidos e os lucros tinham aumentado em flecha.

 O medicamento surgira por mero acaso e era um inibidor da produção de urina e de fezes pelo período de oito a dez horas diárias. Alguns empresários tornaram a toma do medicamento obrigatória para os trabalhadores.

Um coro de protestos surgiu por parte do mundo do trabalho. As associações humanitárias juntaram-se às reclamações. As investigações médicas alertaram para o perigo que o medicamento podia representar.
Algumas associações de empresários fizeram orelhas moucas às advertências e teceram considerações elogiosas e apresentavam-no como um avanço para a melhoria da produtividade.

As doenças do foro urológico e intestinal aumentaram de forma aterradora. O coordenador do projecto que estivera na base da descoberta, era convidado para os foros económicos para defender a inexistência de efeitos colaterais. Primeiro recusou-se, mas depois sucumbiu ao peso das compensações monetárias.
No decurso de vários investimentos falhados, o laboratório fechou. O cientista, com o decurso do tempo, foi obrigado a procurar emprego. Contrariamente ao que pensara, não foi fácil consegui-lo. Quando o obteve, no primeiro dia de trabalho, antes de entrar, um segurança, enorme,  chamou-o e apontou-lhe dois comprimidos roxos:

-Faça o favor de tomá-los.

-Dois? -  surpreendeu-se o cientista.

-Ordens da administração… aqui a produtividade é dupla… -alegou, de sobrolho arregalado, o segurança.

Jorge C. Chora

domingo, 9 de dezembro de 2012

A riqueza numa receita


Três amigos discutiam, de modo acalorado, uma forma de enriquecerem. Não conseguiram chegar a nenhuma conclusão. Quando se preparavam para sair, um homem de óculos, de aros redondos, muito magro, calvo, com um sorriso bondoso, disse-lhes:

-Cheguei há bocado e apercebi-me de que discutiam um projecto que vos tornasse ricos…

-Sim…e depois… - repeliram-no, aborrecidos com a intromissão.

Gostaria de vos ajudar. Sei que não pediram conselhos, e se os quisessem tinham-nos pedido…

-E então!? – questionaram, irritados, os três.

-Peço-vos desculpa…têm razão…foi uma interrupção indesculpável… -e retirou-se, saindo da sala.

Pouco depois, os três chegaram à conclusão de que o podiam ouvir e correram atrás dele.

-Quem pede agora desculpa somos nós. Gostávamos de o ouvir, se ainda quiser dar-nos um conselho….

-O que tenho a dizer-vos é muito breve. Vou dar-vos a morada de uma pessoa que vos auxiliará. Foi ela que me ajudou a enriquecer.

No dia seguinte, os três tocaram ao portão da quinta que lhes fora indicada e esperaram algum tempo. Ele abriu-se automaticamente. Um enorme cão estava sentado, muito calmo, no início do caminho. Indecisos, os visitantes ficaram do lado de fora. O cão levantou-se, abanou o rabo e foi ter com eles. Colocou-se-lhes de lado e iniciou, devagar, a marcha para o interior. Seguiram até um casarão onde um ancião, muito pequeno e de cabelos brancos os esperava.

Foram conduzidos à presença de uma senhora ainda mais idosa. Ela sorriu-lhes e ofereceu a face para que eles a beijassem. O visitante mais novo deixou-se ficar para trás e saiu sem a beijar. O cão acompanhou-o até ao portão.

D. Isaura convidou os que ficaram a segui-la até à cozinha. Em cima da mesa estavam três envelopes.

-Escolham dois e abram-nos… -convidou a dona da casa.

Abertos os envelopes, foram autorizados a ler as folhas manuscritas que continham.

-Receitas culinárias? O que é que isto tem a ver com…

-Com o vosso desejo de enriquecer? Tudo! O senhor que vos recomendou, enriqueceu com uma única receita – respondeu a senhora idosa.
Entreolharam-se. A dúvida assaltou-os. Estaria ela boa de cabeça? Estaria a brincar com eles?

-Claro que a receita é só um bom ponto de partida. O resto é trabalho… e mais aquilo que for preciso… - disse, misteriosamente a senhora.

Um dos amigos desatou à gargalhada:

-A riqueza numa receita! Era bom era!

Os dois desistentes partiram sem se despedirem do amigo.
Muitos Verões depois, num dia de muito calor, estes dois homens compareceram a uma entrevista de emprego. Na sala onde estavam, havia um quadro em lugar de destaque. Aproximaram-se, curiosos, para verem mais de perto do que se tratava. O entrevistador ao vê-los à volta do quadro, informou-os:

-Foi essa receita que deu origem à fortuna do dono desta empresa….

Mal o funcionário introduziu os nomes dos dois amigos no computador, surgiu-lhe um aviso que lhe ordenava a entrega de dois envelopes aos entrevistados. Apressou-se a ir buscá-los e a dar-lhes.

Quando os dois amigos as abriram, encontraram duas receitas culinárias e algum dinheiro, juntamente com um pequeno bilhete que dizia:” Nunca é tarde para concretizar o sonho de ser rico. Boa sorte”. Os bilhetes estavam assinados: “O amigo que ficou com a outra receita.”

-E ele a dar-lhe, de novo, com a riqueza numa receita… ! - exclamaram, furiosos, em uníssono.

Jorge C. Chora


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A fada dos pequenos poderes


 Sorriam as fadas com os poderes que a sua rainha lhes atribuíra. Doravante seriam fadas de plenos poderes. A cerimónia fora linda e as varinhas de condão que tinham recebido eram um verdadeiro encanto. Só uma pequena fada permanecia no fundo da sala, muito quieta e calada. Ninguém dera por ela, muito encolhida e quase escondida.

 Quando a rainha se apercebeu que se esquecera de lhe conceder poderes, era tarde: Já distribuíra todos os que eram importantes. Deu voltas e mais voltas à sua imaginação, tentando a todo o custo recordar-se de algum que tivesse sobrado. Foi tanta a aflição que uma dor de barriga muito incómoda, tomou conta de si. Eis senão quando lhe surgiu a ideia de conceder à pequena fada o poder de curar dores de barriga a quem as tivesse, e de as dar a quem as merecesse.

Agradeceu-lhe a pequena fada a preocupação tida e, de imediato, sem pedir licença, usou os poderes concedidos e libertou a rainha das dores de barriga que a afligiam. A acção agradou de sobremaneira à rainha, até porque foi praticada de modo instintivo e sem procurar qualquer retribuição, pois a fadinha não disse ai nem ui, limitando-se a sair da sala aos pulinhos.

Lá fora, enquanto caminhava pelo meio das outras fadas, escutou risinhos insistentes e viu algumas delas agarrarem-se às barrigas enquanto diziam:

-Ó fadinha dos pequenos poderes…tira-nos estas dores horrorosas por favor…

Ela sorriu e continuou o seu caminho, sendo alvo de chacota por parte de mais algumas das colegas, de tal forma que a fadinha decidiu dar-lhes uma lição. Estendeu a sua varinha e concedeu-lhes o desejo contrário ao que tinham expresso: deu-lhes uma dor de barriga tão violenta, que as outras fadas tiveram de apertar o nariz, tal o cheiro pestilento exalado por elas, que nem sequer tiveram tempo de correr para a casa de banho.

-Agora que tiveram umas dores de barriga a sério, é com todo o prazer que vos vou satisfazer o vosso pedido e aliviar-vos do incómodo. Logo a seguir, empunha a sua varinha e faz desaparecer as horrorosas dores.

Malcheirosas e envergonhadas, pediram desculpa à pequena fada e ofereceram-se para lhe atribuírem alguns dos seus excessivos poderes.

-Muito obrigada colegas, os pequenos poderes que tenho bastam-me e sobram-me…

-Ninguém tem dúvidas disso…-concluíram as fadas, ansiosas por um bom banho.

Jorge C. Chora