terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

UMA CRÍTICA FEDORENTA


Na taberna de ti’ Joaquim, seis homens contavam alto as suas proezas. Um gabava-se de ter conquistado todas as mulheres da sua aldeia: nem uma lhe escapara, segundo dizia, mas na verdade, não quisera nenhuma.

Outro ufanava-se de ter bebido numa festa da sua rua, nada mais nada menos, do que vinte garrafas de vinho.

Os outros quatro, eram caçadores e pescadores e as petas sucediam-se, em catadupa, a começar por um deles que com um tiro matara seis patos, em pleno voo, quando voavam alinhados.

De repente, da mesa ao lado, ouve-se um estrondo semelhante a um trovão.

De olhos arregalados, os seis pantomineiros, olham para o homenzarrão,

com um gorro enfiado até às orelhas e com cara de poucos amigos e interrogaram-no:

-O que se passa consigo?

Ainda o homem não abrira a boca, quando um cheiro fedorento alastrou pelo espaço e não deixou qualquer dúvida sobre o que se passara.

E foi só então que o gigante falou:

- Desculpem-se o desabafo intestinal, mas engoli tanta, mas tanta patranha, que fiquei cheio de gases e explodi!

- Nós julgávamos ter ouvido um tiro de canhão!

- Ora aí está a única verdade que até agora ouvi! -completou o enorme vizinho.

Tenham os meus amigos, o máximo cuidado, ao contarem as vossas façanhas, não vá estar ao vosso lado o dito homenzarrão.

 

Jorge C. Chora

28/2/2023

sábado, 25 de fevereiro de 2023

A MINHA DEUSA

 

Sentaram-te no chão,

dei-te um almofadão,

a seda bordado

e a gorgorão rematado.

Só te ofereceram água,

quiseram-te à míngua

e ofereci-te um lírio branco.

Não te deixam falar,

querem calar-te a boca à bomba

ou com um farrapo sujo,

mas há sempre quem ao ouvido te diga:

A liberdade é uma deusa,

que ninguém silencia,

mesmo quando a querem espezinhada!

É muito fácil tentar humilhá-la,

mas, impossível fazer esquecê-la,

por quaisquer tiranias ou outras porcarias.

 

        Jorge C. Chora

          25/1/2023

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

O MUDO QUE AFINAL FALAVA


 Quase todos que o conheciam o achavam mudo. Sentava-se à mesa do café e ali permanecia durante longas horas, na companhia da esposa e das suas amigas. Limitava-se a cumprimentar com um aceno de cabeça, ao chegar e quando partia.

Um dia um amigo de infância viu-o, veio ter com ele e falaram durante cerca de quinze minutos, perante o espanto dos que o consideravam mudo.

-Afinal fala! - espantaram-se os que nunca o tinham ouvido falar.

-Falo e muito! – respondeu o falso mudo.

- Com quem?

- Com os meus botões. Já repararam que as minhas camisas, embora novas, têm os botões todos gastos?

E quando não fala com os seus botões com quem fala?

-Também falo, mas, por escrito! escrevo cartas mentalmente e em casa passo-as ao computador!

Ninguém mais disse nada. Para ouvirem mais um a falar e a azucrinar-lhes a cabeça, como muitos o faziam minuto a minuto, preferiam mil vezes o silêncio do falso mudo e as patranhas dos botões gastos.

Jorge C. Chora

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

ALDRABÃO

Quem para o céu urina

e diz vinho engarrafar,

e com feitiços não atina,

até trapalhão é a roubar.

     Jorge C. Chora

       22/1/2023

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

O BENEMÉRITO QUE ESTREOU A SUA OFERTA SEM QUERER

 

 Contou-me o meu vizinho e amigo alentejano, o sr. Camacho, uma história passada em Ferreira do Alentejo, já após o 25 da Abril, que vos vou transmitir. Ouvi-a encostado a um balcão de um café na Amadora, onde ambos residimos, a um ror de anos.

Havia em Ferreira do Alentejo, um engenheiro chamado Mariano Feio, proprietário do Monte do Outeiro, localizado entre Ferreira e Canhestros, que era um benemérito.

Propôs-se oferecer à terra, um crematório totalmente financiado por si.

Planos para aqui e para acolá, autorizações e delongas próprias e o tempo a passar. O eng. não desistiu do projeto e até conseguiu ver o crematório pronto.

O que o benemérito não esperava, era ser o primeiro a estrear a obra, já que, provavelmente, dispensaria de bom grado essa distinção, mas foi ele de facto o primeiro a ser lá cremado.

- Aproveitou a obra! – concluiu, filosoficamente, o meu amigo alentejano.

 

Jorge C. Chora

22/1/2023

 

domingo, 19 de fevereiro de 2023

O AMOR NAS DUNAS DA BEIRA E DO ÌNDICO

 

Nas dunas das praias,

à sombra de casuarinas

e coqueiros, há encontros

quase diários entre a brisa

marítima e a terrestre,

que cochicham, quiçá,

palavras de amor, envoltas

em maresia e aromas

de goiabas, cajus e mangas.

E quando o calor aperta,

ei-las estendidas,

recebendo as dádivas

dos coqueiros e da sua

miraculosa água, permitindo,

 entre as brisas, já deitadas,

 promissoras festas que

culminam em suaves ais.

Após a sua mútua entrega,

seguem-se retemperadores banhos

de espuma, com golfinhos e sereias

sulcando as ondas do mar

e murmurando promessas de acasalar.

Jorge C. Chora

19/1/2023

sábado, 18 de fevereiro de 2023

O TESOURO ESCONDIDO

 Já bem bebido e muito alegre com a sorte que lhe coubera na lotaria, numa taberna repleta de gente conhecida, comentou bem alto:

- Este vai direitinho para a lata que tenho enterrada no jardim, em baixo da figueira! Nunca acreditei nos bancos, ainda por cima nos tempos que correm!

Dito e feito. Chegou a casa e juntou, ao dinheiro que tinha na lata, o do prémio já levantado e tornou a enterrá-la, no sítio do costume.

Um belo dia precisou do dinheiro. Pegou na pá, foi direito à figueira e escavou, escavou, até ele próprio caber na cova e não encontrou a lata, mas um artefacto gigante das Caldas.

Coçou a cabeça e disse para os seus botões: esqueci-me foi onde enterrei a porcaria da lata!

Passados uns anos, quem passa pelo seu jardim, observa, de dez em dez centímetros, uma cova. O homem ainda não perdeu a esperança de encontrar a lata, onde tinha todo o seu pecúlio!

E na taberna, perguntam-lhe amiúde, misturado com sorrisos de hiena:

-Então já encontraste a tua lata?

 

Jorge C. Chora

18/1/2023

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

A PRENDA AVÓ XAXÃO

 

A PRENDA DA AVÓ XAXÃO

 

Arregalou os olhos quando a avó Xaxão lhe deu um sobre colchão.

Mal chegou a casa, a mãe colocou-o na sua cama. Nessa mesma noite foi estreado.

No dia seguinte, perguntou-lhe a mãe:

- Então Caetana, como é que dormiste esta noite?

-Olha mãe, se queres que te diga, adorei! Foi como dormir numa nuvem relaxante de algodão doce…

A oferta da avó Xaxão, foi aprovada com distinção e louvor! - comentou a mãe.

- Claro que sim! - concordou a Caetana, do alto dos seus sete anos feitos recentemente no Dia de Reis, numa pose de Rainha.

 

Jorge C. Chora

16/1/2023

 

 

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

TRÊS PALAVRAS

 

Entre seres apaixonados

há palavras temidas,

quando são proferidas,

tão pouco são asneiras,

nem mesmo ameaças,

doem como bofetadas

e só são três palavras:

-Olha, hoje não!

 

Jorge C. Chora

15/1/2023

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

NO DIA DE S. VALENTIM

No Dia dos Namorados

há beijos repenicados,

nádegas beijadas,

apertos delicados.

Oxalá durem ou

pelo menos perdurem,

até amanhã,

porque os lábios,

continuam entreabertos,

esperando beijos e não dentadas.

Jorge C. Chora

   14/2/2023

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

OS CÉUS DA UCRÃNIA

 

Nos Céus da Ucrânia

não se vêm anjos nem estrelas,

escondem-se à noite,

com receio de irem fazer companhia

às milhares d’almas de crianças, mulheres

e jovens que já lá se encontram,

mortas quando em sua casa dormiam,

às ordens, de quem o Mundo quer destruir!

 

          Jorge C. Chora

            13/1/2023

sábado, 11 de fevereiro de 2023

DEVIA SER ASSIM!

Se há algo proibido,

como é conhecido,

é pretender saber

os anos de uma mulher.

Uma mulher faz anos

de dez em dez anos

e, depois dos cinquenta,

regressa aos quarenta!

E a estas deusas terrenas,

quanto mais bonitas

fossem por dentro,

ser-lhes-ia concedido,

após os quarenta,

ter de novo vinte

e tornar verdadeira,

a afirmação lisonjeira:

a mulher não tem idade!

     Jorge C. Chora

       11/1/2023

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

AQUILES.

 

Aquiles era um homem inflexível e muito impaciente. Belicoso, assertivo em demasia, senhor de modos bruscos e pouco dado a conversas.

Não morria de amores nem por animais nem pelas pessoas, mas a sua esposa tinha-lhe uma verdadeira adoração e, curiosamente, também ele lhe retribuía o amor que ela lhe tinha.

Conheceram-se na primária, quando ela estava a ser alvo de um ataque à saída da escola. Aquiles atirou-se como gato a bofe, aos quatro, suportando pontapés, murros e cabeçadas. Concentrou-se num de cada vez. Ao primeiro, partiu-lhe um braço, ao segundo o nariz, tendo o facínora guinchado como um porco e fugido rua fora, acompanhado do amigo com a asa partida. Os dois restantes fugiram, mas Aquiles apanhou-os, e partiu-lhes a cabeça.

Desde esse dia, Aquiles e a colega não se largaram. Namoraram durante toda a escolaridade, inclusive na faculdade, e terminados os cursos casaram-se.

Um dia, quando atravessava a rua numa passadeira, foi atropelado e morreu.

Foi cremado e a esposa decidiu perpetuar a sua memória. Trouxe um pequeno arbusto que encontrou num terreno abandonado e deitou uma parte das cinzas de Aquiles, no canteiro onde o plantou.

No dia seguinte, qual não foi o seu espanto, ao ver o arbusto seco e todo encarquilhado.

A jardineira que trabalhava para o casal, ao ver a tristeza da viúva explicou-lhe:

- Minha senhora isso era uma lantana. É altamente tóxica e se as bagas forem ingeridas são altamente perigosas, principalmente para quem tem crianças.

E nesse momento, a inconsolável viúva que estava grávida, percebeu que o seu Aquiles continuava a cuidar dela e dos seus.

JORGE C. CHORA

    7/1/2023

sábado, 4 de fevereiro de 2023

IRENE E IVONE

Eram amigas de peito, antigas companheiras de escola e chegaram a compartilhar o mesmo quarto, no internato do colégio onde tinham estado a estudar. A amizade ficou para toda a vida.

No verão, Irene visitou a sua amiga e à despedida, na estação da CP, ao verem um cauteleiro, decidiram comprar-lhe um vigésimo de um bilhete de lotaria.

Ao pagarem, Ivone verificou faltarem-lhe 50 cêntimos, para pagar a sua parte, na metade da cautela.

- Por amor de Deus Ivone, até parece que não somos as melhores amigas, deixa-te lá disso!

Despediram-se com um grande abraço e um beijo na face e a promessa de se voltarem a ver e a terem férias conjuntas no ano seguinte.

A sorte bafejou-as. A sorte grande saiu naquele bilhete e ao vigésimo, coube uma quantia bem razoável.

Irene telefonou de imediato à Ivone a participar-lhe a sorte que tinham tido. No final da conversa, Irene relembrou à sua amiga Ivone:

-Ah! Não te esqueças de que eu tenho mais cinquenta cêntimos no bilhete

 e a divisão deve ser proporcional e ter em conta esse facto, na respetiva divisão!

Jorge C. Chora

  4/2/23