terça-feira, 29 de dezembro de 2020

BAILAM NA BOCA

 

Bailam na boca

das gentes,

antes de soltas,

palavras bonitas e outras.

Quaisquer delas,

após proferidas,

não podem ser dadas

como não ditas.

Há palavras de amor,

elogio e agasalho,

de apoio e incentivo

aos necessitados,

e não se recusam a quem as merece.

Já algumas das outras,

usam-se com parcimónia,

talvez um dia se consiga,

utilizar o elogio com quem

só traz encrencas,

e hoje só mereça

ser mimoseado,

com um palavrão cabeludo.

 

    Jorge C. Chora

      29/12/2020

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

MARINELA

Sei eu,

sabemos todos,

quão bela é Marinela:

penteada,

despenteada,

desarranjada,

descalça,

ou

calçada.

Só não sei eu,

nem sabem eles,

quão mais bela

será ela,

se surgir,

tal qual a botou

Deus ou o demo

 ao Mundo;

mas tememos essa

visão paradisíaca,

não vá o demo puxar-nos para o inferno

e Marinela habitar no paraíso.

 

JORGE C. CHORA

   24/12/2020

domingo, 20 de dezembro de 2020

SEMPRE BELA

 

 Todos os dias a vejo,

quando pela sua casa passo.

 Ela à janela está,

sempre bela,

ao sorrir,

alvos dentes me mostra,

minha Bela a chamo.

Quem com ela vive,

traidora a julga,

de soslaio a olha,

graça nenhuma acha.

Ao vermo-nos, as nossas

pupilas dilatam-se.

 Como eu gosto

daquele ser de quatro patas,

quando ela me sorri,

sem qualquer pedigree

e executa uma dança

de pata aqui, pata acolá.

 

    Jorge C. Chora

     20/12/2020

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

BENDITO JARDIM

 

 Gosto dos teus dias,

dedicados ao jardim

e de quando dele regressas,

a cheirar a malva- rosa, funcho e alecrim.

Três orações rezo,

à Santa agradeço,

não cheirares a Jasmim,

mas a malva- rosa, funcho e alecrim.

Também à Virgem peço,

te dê todos os dias,

a vontade

de cuidar do jardim

e dele trazeres o aroma

 de malva-rosa, funcho e alecrim.

 

 Jorge C. Chora

  16/12/20 20

sábado, 5 de dezembro de 2020

ESCONJURO

Esconjuro-te ó maldito,

entraste sem convite,

sorrateiro te instalaste,

contra todos permaneceste,

sem teres sido convidado.

Queremos dar colo aos netos,

presentear os nossos,

dar liberdade aos Pais Natal!

Vai vadiar ó vírus,

deixa-nos em sossego,

infeta-te a ti mesmo,

 vai morrer longe,

suicida-te,

no deserto escaldante,

nos braços do teu amigo demo!

 

     Jorge C. Chora 

        5/11/2020

 

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

NAMORO E AMORAS

 

Namorar e doce de amoras fazer,

tudo tem a ver,

com cuidados a ter:

amoras sãs colher,

sem nas silvas se picar,

com açúcar as misturar,

ao lume as levar,

sem as deixar queimar,

até o doce de amoras obter

e o poder partilhar,

sem nunca se esquecer de namorar.

 

        Jorge C. Chora

          1/12/2020

sábado, 28 de novembro de 2020

O MALVADO PERNILONGO

 

Um malvado de longas pernas,

perseguiu Salomão,

em seu auxílio vieram,

dois gatos e um cão.

O pernilongo malvado,

mordeu o cão, matou um dos gatos

e só por um triz não apanhou Salomão.

Agora, Salomão, ao ser perseguido,

foge ele, o cão e o gato sobrante,

todos eles à sua frente,

aos gritos de” Acudam minha gente”.

Entretanto apareceu outro malvadão

e então, à frente do Salomão,

do gato sobrante e do cão,

foge o malvado pernilongo,

gritando em uníssono “Acudam minha Gente”.

Os sustos e correrias de Salomão

só tiveram um fim,

quando o chefe Bigodão

colocou o pernilongo e o malvadão

trancados numa prisão.

 

   Jorge C. Chora

   28/11/2020

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

O CAMPEÃO

 

Busca bolas no céu,

de cabeça ou a pontapé,

é foguete dirigido às balizas

e toma lá, anicha, já lá está…

Todos sabem quem é,

tem nome de presidente,

de quem ninguém se lembra,

mas do Cristiano Ronaldo,

não há ninguém,

a esquecer-se de quem é!

 

      Jorge C. Chora

       26/11/2020

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

ARDORES

 Aos beijos e abraços,

em promessas d’amor

envoltos,

derretem-se em ardores,

olhares e calores,

grandes e eternos horizontes,

laços de mútuo enlace

e, de repente,

 o espasmo e o até um dia destes,

 ao regresso dos ardores

 e das momentâneas promessas d’amor.

 

            Jorge C. Chora

            25/11/2020

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

O SOL E O GIRASSOL

 

Faça chuva ou faça Sol

o amigo Girassol,

do seu canteiro não sai.

Mas ele e o Sol,

haja o que houver,

todos os dias se cumprimentam:

-Bom dia amigo Sol.

-Bom dia amigo Girassol

Nos dias nublados,

quando não se vislumbra o Sol,

diz o Girassol:

-Olá amigo. Sei que estás aí!

Espero por ti daqui a um bocado.

Entretanto falo com os meus irmãos.

-Obrigado por esperares por mim.

Só não apareço se não puder, amigo Girassol.

Sei que estás a crescer e precisas de mim.

E entre o Sol e o Girassol

criou-se uma amizade de tal forma,

que quando o Sol se vai deitar,

se despedem um do outro

desejando-se boa noite,

e dão os bons dias ao acordar.

 

      Jorge C. Chora

       19/11/2o2o

sábado, 14 de novembro de 2020

CONFUSÕES

 

E foi assim:

- No S. Valentim

deram um beijo,

ouviram o cornetim,

disseram sim,

assinaram o boletim.

Depressa chegou ao fim

o folhetim:

- Ficou o Quim

separado da Jasmim,

sem casa e sem jardim,

trocado pelo Bernardim.

Bernardim trapaceou Jasmim,

esta buscou Quim,

que enganara Carmim

e lhe ficara com a casa e o jardim.

Juntaram-se no fim,

Quim e Jasmim,

na casa e no jardim

pertencente à coitada da Carmim,

no dia de S. Valentim.

 

    Jorge C. Chora

     14/11/2020

 

sábado, 7 de novembro de 2020

DESVARIOS

Para da falta de amor

não morrer,

preciso de cuidados:

muitos beijos

e abraços,

porque, antes morrer

de amores satisfeitos,

do que de insatisfeitos desejos.

E se algo acontecer,

a solução está à mão:

a respiração boca a boca

e a respetiva ressurreição.

 

     Jorge C. Chora

        7/11/2020

 

domingo, 1 de novembro de 2020

MAL FAZER PARA BEM HAVER

Faz-nos bem abraçar.

Não o poder fazer

causa-nos dor,

faz-nos bem-mal.

O descaso do outro,

forçado e defendido,

o abraço proibido,

o único aprovado

e publicitado,

consentido e endeusado,

faz-nos, afinal,

sentirmo-nos bem-mal,

no nosso Portugal,

não habituado

a um mal fazer

para bem haver.

 

Jorge C. Chora

   1/11/2020

domingo, 25 de outubro de 2020

OS VELHOS TAMBÉM AMAM E DE QUE MANEIRA!

Há quem diga que os velhos

não amam!

Como se enganam!

Coitados, pensam

e nem sabem,

até desconhecem,

que eles se mimam

dos pés à cabeça,

e dedicam cuidados

às divinas concavidades

e pequenos promontórios,

presenteando-os com

carinhos e suavidades,

poemas sussurrados

aos orifícios auriculares

e se tratam mutuamente,

como príncipes e princesas.

 

   Jorge C. Chora

    25/10/2020


quarta-feira, 21 de outubro de 2020

O MEU AMIGO MAR

É tão vaidoso

o meu amigo mar,

todos os dias se veste

de diferentes cores:

um dia de azul,

outro de verde,

e no dia seguinte de turquesa

ou de cores matizadas.

Quando está bem disposto ondula,

embalando os namorados que nele se banham.

E quando lhe dá para mostrar

os seus dotes de dançarino?

Baila de modo caprichoso,

ora manso ora agitado,

lançando espuma à toa

ou a conta-gotas, borrifos

de amor, aqui e acolá

e uns chegas-para- lá

aos que dele se aproximam

sem respeito e sem o seu consentimento

e lhe conspurcam a casa.

Mesmo quando se enfurece,

tem vaidade em mostrar

ao mundo a sua fúria,

leva tudo à sua frente,

agita-se de tal modo,

com tal desagrado

que até parece não ser

amigo de toda a gente,

dar de comer a todo o mundo.

É assim o meu amigo mar,

afinal tão vaidoso como todos nós,

embora ele tenha motivos para ser.

e não seja tanto com pode parecer.

     Jorge C. Chora

      21/1O/2020

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

MODA COVID

Para entrar,

vai precisar telefonar,

e marcar.

-Ponha-se a andar,

vá apanhar ar

e aproveitar

para pensar,

se precisa de nos incomodar.

Depois de discar,

tornar a tentar

e muito esperar:

-Está lá…é para marcar…

-Desculpe, neste momento, não estamos a aceitar

marcar…

Louvado seja o Senhor!


Jorge C. Chora

13/10/2020

 

sábado, 10 de outubro de 2020

OUÇAM!

Ouçam os pássaros a cantar,

escutem os seus trinados

em liberdade dados,

o bater de asas

e os voos,

ao ar livre realizados.

Deitem as gaiolas fora,

ou melhor,

aproveitem-nas para

aprisionarem,

não os pássaros,

mas o que de menos bom

há em todos nós.

 

Jorge C. Chora

10/10/2020

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

ROSAS

Dei-lhe umas rosas,

beijei-lhe as mãos,

de seguida o cabelo

e juro, ela própria emanava

o aroma a rosas,

o perfume de que tanto gosto.

 

Hoje, dei-lhe de novo rosas,  

para com ela estar,

e em seu redor pairar,

o perfume que me faz recordá-la

quando o ar a rosas rescende.

 

Dar-lhe-ei rosas todos os dias

para que no ar permaneça

o perfume que lhe faz jus,

o aroma das minhas flores.

 

Jorge C. Chora

5/10/2020

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

A URGÊNCIA

 

A bailar no peito,

um bem querer

sentiu.

Voou contra

e a favor do vento,

enfrentou calores tropicais,

frios glaciais,

com as palavras de bem querer

a fervilharem-lhe no peito,

e a urgência em dizer-lhe

a avolumar-se.

Ao chegar junto dela,

só foi capaz de lhe dizer:

Amo-te….

 

Jorge C. Chora

   1/10/2020

domingo, 27 de setembro de 2020

SAUDADES

 

Há quem negue,

morrer-se de saudades,

mas delas morreu

quem de saudades

não queria morrer

 

Mas quem verdadeiras

saudades tem,

recusa-se a morrer,

sem primeiro matar

as saudades que tem.

 

Jorge C. Chora

27/9/2020

terça-feira, 22 de setembro de 2020

ESTAMOS COVIDADOS

 

Tem-se medo,

de um abraço apertado,

de beijar o ser amado,

de lhe agarrar a mão,

de lhe tocar,

com medo de se ficar contaminado.

As encomendas às cegonhas

voltam a estar na moda

e o trânsito Paris-Lisboa,

completamente saturado!

Estamos covidados!

 

      Jorge C. Chora

      22/9/2020

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

PURO MOSCATEL


Povoaste-me de ternura,

habitaste-me de doçura

com os teus encantos

e modo de ser.

Fizeste crescer

em mim,

o desejo de ti,

dos teus sussurros,

e transformaste-me

num dependente sôfrego,

do teu segredar de puro moscatel.

 

Jorge C. Chora

17/9/2020

 

domingo, 13 de setembro de 2020

 

O ENCONTRO

Entrou afogueada e com cara de poucos amigos. Sentou-se e pediu:

-Uma imperial por favor.

Ainda o empregado não tomara nota do pedido quando ela o alterou:

-Desculpe-me…. imperial pediria a Elisa. Se não se importa, traga-me um Martini.

Após ter dado dois passos para atender o pedido, a senhora chamou-o de novo:

-Perdão, a Elisa também pediria um Martini…traga-me antes um chá gelado…

Filipe olhou-a com mais atenção. A freguesa, embora não fizesse recordar nenhuma artista ou modelo conhecido, era bonita. Rondaria, pelos seus cálculos, os quarenta anos. Uma coisa sabia: ela detestava a dita Elisa.

 Filipe achou-lhe graça, sorriu-lhe e comentou:

-Um dia daqueles…

Dignou-se a freguesa olhá-lo e, num instante, a tirar-lhe um raio X. Filipe sentiu que ela simpatizava consigo.

Nesse momento entrou um motorista fardado que se lhe dirigiu:

- Doutora Elisa, a reunião é daqui a pouco…

A senhora levantou-se, passou pelo Filipe e perguntou-lhe, se daí a duas horas ainda estava no estabelecimento.

Filipe sorriu de modo afável e perguntou:

-E quem quer saber? A senhora doutora Elisa ou a inimiga da doutora?

-Ambas, meu amigo…e a propósito, o que faz aqui a servir às mesas?

A radiografia tinha sido completa. Filipe não era, nem nuca fora empregado de mesa…

 

  Jorge C. Chora

    9/8/2020

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

 

SORRIA

Sorria meu Bem,

far-lhe-á bem,

de bem consigo ficar,

ao conceder o bem

a quem bem a quer.

Bem agradado lhe ficarei

vê-la fazer-me bem,

pelo bem que lhe quero

ao saber que tão bem me quer.

 

Jorge C. Chora

9/8/2020

domingo, 6 de setembro de 2020

 

 O ARTILHEIRO

O Caramba, o Touro, o Vinhaças, o Trombudo, o Dá Cá Isso, e outros nomes como estes, eram alcunhas ostentadas pela rapaziada da localidade.

Um dos jovens vivia apavorado por ainda não ter uma. Leve como uma pena, de figura insignificante, temia ficar alcunhado como “Enfezado” ou “Raquítico”. Pedia a Deus, embora temesse que mais dia menos dia fosse o que lhe estava destinado, que nenhum dos rapazes tivesse semelhante ideia.

A única coisa que o distinguia dos outros jovens, era o facto de acumular uma grande quantidade de gases, porque comia, quase todos os dias, feijão com um pequeno naco de toucinho.

Um dia descuidou-se, forte e feio, junto aos colegas.

-O que é isso… meu Deus…

-Isso o quê…

-Não te faças de parvo… -reclamaram os outros.

-Então dou-vos a oportunidade de o pintarem de amarelo e ainda reclamam?

-Mau…

E o tiroteio continuou e a cada tiro propunha o atirador:

-Agora pintem-no de azul…  - e acabou, tão intenso foi o tiroteio, por esgotar as cores do arco-íris.

E foi assim que conquistou a alcunha de “Artilheiro” junto à comunidade masculina e ficou conhecido, na feminina, como  o “Fedorento”.

Jorge C. Chora

6/9/2020

 

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

A GAIOLA DOURADA

 PARA LEREM AOS NETOS OU AOS FILHOS MAIS PEQUENOS


 À sombra sentada,

uma bela moça

na flauta tocava,

uma linda melodia.

As aves escutavam-na,

e nem piavam, encantadas.

Atraído pelos sons,

um grande falcão,

a música adorou

e uma enorme paixão

nele despertou e logo ordenou:

- Ponham-na numa gaiola

e levem-na para a minha

caverna, no alto da montanha.

Quero ouvi-la sempre que quiser!

Engaiolada no alto da montanha,

as melodias tornaram-se tristes,

cada vez mais tristes,

até que deixaram de se ouvir.

O grande falcão mandou

devolvê-la ao local donde

a tinha capturado

e logo a linda moça tornou

a encantar todos os que ali se encontravam.

Agora podemos encontrar, todos os dias,

o sábio falcão, refastelado

no topo da frondosa árvore

a adorar a linda moça e as suas melodias.

           Jorge C. Chora

             3/9/2020


domingo, 30 de agosto de 2020

APRENDER A VOAR


Deixemos as asas
crescerem-lhes,
sem as tolhermos
com limitações desnecessárias
e pequenas tolices.
Ajudem-nos a fortalecê-las
e um dia maravilhar-se-ão,
ao vê-los voar,
cada um a seu modo:
uns voos serão horizontais,
outros verticais e outros despenhar-se-ão,
mas esses só poderão recuperar,
se tiverem aprendido a voar.

      Jorge C. Chora
         30/8/2020

sábado, 29 de agosto de 2020

O TEU SABOR


Uma compota provei
e de ti me recordei,
quando teus lábios beijei;
doce e requintada,
de sabor incomparável,
delicada e sem rival.
Só a ti se assemelhava,
exceto no aroma,
pois o teu é celestial,
como ele não há igual.

   Jorge C. Chora
     25/8/2020

sábado, 22 de agosto de 2020

"PAPAVIROSE"

Pé ante pé, passa o vento
pelo pomar da Caetana.
Vai coçar-se nos ramos da figueira,
perfumar-se na laranjeira.
Desta vez, veio ver a Cereja,
uma amiga de quatro patas
da sua grande amiga Caetana,
mas esta diz-lhe que ela
foi para o céu.
- Para o Céu? mas eu não a levei!
-Pois não, foi o “papavirose”!
-Ah! Então está num lugar importante, se foi o Papa que a levou!
-Sim, foi o “papavirose” que a levou…
E o vento nunca contou ao Papa,
o papel por ele exercido,
na morte da pequena Cereja.

      JORGE C. CHORA

          20/8/2020

domingo, 16 de agosto de 2020

O TOQUE


Adoro tocar-te
e sentir nos meus dedos
ficar impresso
o aveludado da tua pele,
assim como o deleitoso
calor por ti emanado.
Uma vontade
irrefreável, mágica,
de repetir o gesto,
tantas vezes quantas
as saudades de te tocar sinto
quando ainda te estou a tocar!

Jorge C. Chora
  16/8/2020


sábado, 8 de agosto de 2020

SE AO MAR FOSSES...


Se eu fosse uma onda
e ao mar fosses,
levar-te-ia onde quisesses,
bem devagar, se gostasses,
de modo a que o passeio amasses
e nunca o esquecesses.
Ah! se eu fosse uma onda,
abraçar-te-ia, Inteira,
da cabeça aos pés,
sem deixar de banhar,
sentir e salgar
cada poro teu.
Ah! se eu fosse uma onda…

Jorge C. Chora
   8/8/2020



quarta-feira, 5 de agosto de 2020

O TEU SORRISO



O teu sorriso
é baile de verão,
leve e colorido
sem ser garrido.
É alegre e comedido,
renega a chalaça,
exala o perfume
e o encanto
dos aromas florais.
O teu sorriso
traja elegância
e simplicidade,
não finge ser o que não é,
todos sabem que só pode ser teu!

Jorge C. Chora  
   5/8/2020


sábado, 1 de agosto de 2020

MEU AMOR


      
Teus encantos redobras
quando me amas,
com tuas palavras sussurradas
em ternuras envoltas.
Os meus pensamentos aziagos afastas
e em mim tal magia inspiras,
que incho de amor e fantasias.
Com tuas palavras murmuradas,
em ternuras envoltas,
o meu fado alteras,
e, meu amor,
nos teus encantos
quero mergulhar
e teus encantos colher.

Jorge C. Chora
1/8/2020


quarta-feira, 29 de julho de 2020

OS CIGARROS D'OUTRORA OU O FUMAR DOCE DOS HAVANAS. MEMÓRIAS DE HÁ 60 ANOS.


OS CIGARROS D’OUTRORA OU O FUMAR DOCE DOS HAVANAS. MEMÓRIAS DE HÁ 60 ANOS

Os meus pais nunca fumaram. Eu fumei por eles, por mim e por todos os familiares que nunca tocaram num cigarro. Felizmente, abandonei o fumo há já alguns anos.

Eu e o meu irmão éramos bem novos quando começámos. Se alguma desculpa se pode inventar para justificar ter iniciado este vício, bem podia dizer e até nome lhe posso dar: Havana.

Havana, não sei se ainda existe e se existe se tem as mesmas características de há seis décadas. Os cigarros Havana eram finos e de cor preta, e o papel era doce. Acresce ainda que eram baratos, talvez os mais acessíveis no mercado. Para quem não os conheceu, uma espécie de “Três Vintes” ou “Definitivos” do mercado português da época, mas infinitamente mais doces e saborosos do que eles.

Lembro-me bem quando, num trajecto para casa, vindos de uma praia que não era a nossa, fomos convidados a entrar no carro pelo meu pai. Cheirávamos a tabaco que tresandávamos. Não conseguimos evitar entrar, pese embora as desculpas esfarrapadas inventadas. As consequências não tardaram a surgir, logo que chegámos a casa.

-Ai querem ter vícios de homens?  Então acabaram-se os mimos que damos aos meninos…

De imediato não percebemos o alcance. Ao jantar, quando esperávamos os pãezinhos com “jam” preparados pela mãe, como aperitivo, o pai trovejou:

-Eles fumam. São homens! Não querem esses mimos.

Ao lanche, ao esperarmos os “scones” barrados de manteiga:

-Eles fumam! Eles que façam!

Ao deitar, quando esperávamos a marmelada e o leite com chocolate, vinha o responso:

-São homens! Isso são mimos de meninos!

Doía e de que maneira, mas às escondidas, o fumar doce dos Havanas, tinha um poder de sedução tal, que nem a ameaça do fim dos mimos colocou um fim ao início do vício, que perduraria 44 anos.

E os Havanas eram tão, mas tão doces…

Jorge C. Chora
29/7/2020

domingo, 26 de julho de 2020

AS MESURAS DO PERIQUITO CONTI




Fui hoje cumprimentado por um periquito chamado Conti. Cumprimentado não é força de expressão. O periquito obedeceu ao Filipe, seu dono, que lhe deu a ordem:
-Vai cumprimentar o senhor.
E  Conti, um jovem periquito, alimentado a papa através de uma seringa, obedeceu de imediato. Sobrevoou-me e pousou na minha ampla careca como se de uma pista de aviação se tratasse. Executou uns passinhos à laia de boas-vindas e retornou ao Filipe com a satisfação do dever cumprido.
Conti, não está preso, voa na esplanada e beija os clientes com carinho. Deixa-se agarrar e acariciar e recebe os clientes do café Dumont, de modo afectivo. Pousa o nosso herói, nos ombros ou nas cabeças, para as fotografias, sem queixas nem má vontade.
O café existe, em frente ao “Continente” na localidade da Paz, a caminho da Ericeira. Se quiser beijos alados, já sabe: Conti espera-o.

Jorge C. Chora
26/7/2020

A CARRIÇA,DE RAFEIRA A PRINCESA. MEMÓRIAS DE HÁ 60 ANOS.


                   

Quando eramos miúdos, eu e o meu irmão vivíamos na Beira, cidade onde nascemos. Morávamos no Macúti, perto do Estoril e de uma praia fabulosa a que chamávamos “nossa”.
Um castigo a que sujeitávamos os nossos pais, era o de terem e sustentarem uma infinidade de bichos que só podiam morrer de velhos. O “Perú Velho” que por lá tínhamos, era um acrobata que, a cada passo, tinha de transpor o seu enorme espigão, que lhe crescia na pata à medida que o tempo passava. Galos caducos, porquinhos-da-índia bisavós, quase do tamanho de coelhos, um pouco de tudo lá medrava.
Também tínhamos uma grande cadela, arraçada de perdigueira e leão-da-rodésia, o retrato da meiguice e da doçura, que passava o tempo em aflições. Chamava-se Lady e não ficava a dever nada às de duas pernas. Passava o tempo no mar, a ir buscar-nos e a trazer-nos para a terra. Em seu entender, estávamos sempre tão longe da rebentação que só podíamos necessitar de ajuda. Oferecia-nos a cauda e nós aproveitávamos a boleia para regressar à praia. Era uma nadadora-salvadora de alto lá com ela. De tanto andar no mar, tinha abortos sucessivos que só tiveram fim, quando mudámos para a capital.
Um belo dia, um primo vindo da longínqua Iha de Moçambique, que adorava bicharada, domesticava corvos e conversava com chibos barbudos de cornos afiados, convenceu-nos a comparticipar na compra de um cão, uma boxer, mais precisamente.
- É ao preço da chuva. Tem o focinho preto. É uma boxer!
Contados os centavos, lá juntámos os 15 escudos, que era quanto o dono pedia pela bicharoca.
Boxer? Nem na outra encarnação! Era uma cadelita rafeira a que o primo, que via unicórnios, chamou Carriça. Tornou-se linda. Ao contrário da Lady, brindava-nos com ninhadas de lindos rafeiros. Mimoseava a Lady com valentes sovas e esta deixava-se morder porque queria alimentar-lhe os filhos, já que os seus tinham morrido e ela estava cheia de leite para dar.
Ganhou o hábito de ir à praia com a Lady. Adorava saracotear-se entre os rodesianos, receber afagos e elogios à sua beleza, farejar os seus cremes perfumados, receber guloseimas que lhe faziam mal, mas sabiam bem. Um belo dia desapareceu. Foi vista a entrar num carro com a matrícula da Rodésia. Foi roubada. Também a malta do bairro pouco se importaria de o ser, se fosse pelas belas e torneadas rodesianas.
E foi assim que ficámos sem uma “boxer”, que afinal foi uma bela princesa rafeira, pronta a sucumbir aos encantos e novidades estrangeiras.

Jorge C. Chora
26/7/2020

quarta-feira, 22 de julho de 2020

É URGENTE REVER-TE




Se um dia tiver de me ausentar,
com a minha amada quero estar
e ela não deve estranhar,
termo-nos estado há pouco a beijar
e eu querer de novo tornar a vê-la,
quando no dia seguinte vou regressar!
Se ela acaso se queixar,
dir-lhe-ei que comigo quero levar
o sabor dos seus beijos e o seu olhar,
porque entre hoje e amanhã,
são inúmeras as horas que sem ela estarei!
E mais não a deixarei dizer,
porque com beijos a calarei,
e são inúmeras as horas que sem ela estarei.

        Jorge C. Chora
          22/7/2020

domingo, 19 de julho de 2020

DEUS QUEIRA



Selam teus lábios beijos,
inundando-me de desejos
e da necessidade constante
e urgente de os ter e sentir.
Ouve as minhas preces Senhor!
satisfaz-me a sede e o desejo,
os anseios dos meus lábios
serem selados pelos seus beijos
de forma constante e permanente.
Rogo-te, diz-lhe que não é pecado
passar o dia a beijar loucamente
e prometo-Te rezar todos os dias
um Pai Nosso e uma Avé Maria
se para isso me sobrar tempo.

Jorge C. Chora

         19/7/2020

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Ó MULHER BENDITA


Sem uma palavra dita,
sentes e entendes,
mulher bendita,
o quão querida és,
aos olhos de quem te vê sempre bonita.
Ainda que bonita não sejas,
aos olhos de quem palavras não tem
para te dizer o quanto te quer,
serás sempre bendita.

Jorge C. Chora

 15/7/2020

domingo, 12 de julho de 2020

CHOCOLATE


Tu és chocolate,       
mas dele diferes,
por bem mais doce seres.
No calor do teu abraço
na ternura do teu ser,
dás-me algo de ti,
o afago de quem me conhece,
muito para além
do simples parecer
e do chocolate só diferes,
por bem mais doce seres.

Jorge C. Chora
12/7/2020

sexta-feira, 10 de julho de 2020

OS PRATOS INVISÍVEIS


Ao sair, olhou uma última vez, de relance, para as suas taças, na sala de troféus. Ainda havia lugar para mais algumas. Assinalou, visualmente, o sítio onde à tardinha colocaria a que ia ganhar no torneio desse dia. Não colocou sequer a hipótese de não trazer nenhuma.

Encontrou-se com os compinchas de longa data, companheiros de estúrdia e de competição.
Almoçaram, depois dos respectivos aperitivos e provas de vinhos alentejanos. Comeram bem e beberam melhor, seguindo-se as aguardentes de boas proveniências.

Chegado a hora do torneio, o nosso campeão, ordenou ao homem a cujo cargo estava o lançamento dos pratos:

-Prato!

O atirador ficou à espera que o prato fosse lançado. Esperou e nada. Tornou a ordenar com voz de trovão:

-Prato!

Nada aconteceu. O prato não surgiu e o campeão não atirou. Furioso, ordenou o lançamento mais duas vezes consecutivas:

-Prato!

Não se conteve e berrou:

-Ó homem! Então os pratos? Isso é para hoje ou para amanhã?

E o senhor dos pratos, a medo, gritou:

-Já lancei quatro! Porque não disparou?

E o campeão amador disparou:

-Porque não vi ainda nenhum!

E os compinchas, que em vez de um, já viam dois pratos, confortaram-no:

-Olha, ao menos poupaste uns cartuchos!

Jorge C. Chora
10/7/2020

terça-feira, 7 de julho de 2020

O CORNETEIRO DE QUARTEIRA


Há já muitas luas, tinha o hábito de passar as férias de verão em Quarteira. Vou fala-vos de um tempo onde as gozei no parque de campismo, após as ter tido também em casa de uns grandes amigos nossos, quer em Loulé quer em Quarteira.

O parque rebentava pelas costuras. Eram inúmeros os estrangeiros que o frequentavam, principalmente jovens adultos. O tempo não era de falsos pudores. No redondel ao ar livre, muitos casais tomavam banho como tinham vindo ao mundo e ninguém abria a boca de espanto, embora alguns dos exemplares fossem de truz. Na praia do campismo a moda de Adão e Eva estava em voga.

O convívio com os nacionais e estrangeiros estabelecia-se de um modo instintivo, natural. Pela tardinha, regressados da praia, tomados os banhos e enquanto se preparava a refeição, partilhava-se uma bebida com os vizinhos, muitas vezes casais estrangeiros.

À noite conversava-se ao ar livre, até certa hora, sem incomodar.

Havia também, naquela época, um corneteiro que tocava a alvorada, todas as manhãs, sem falta. Nunca o conheci. O que é certo é que as boas-vindas ao nascer de um novo dia eram dadas com vigor e alegria. Ninguém se queixava daquela forma de acolher o nascer- do -sol ou, levava a mal aquela forma particular de comemorar o despontar do dia.

No sítio onde montava o nosso atrelado tenda, residia um inglês, dono de um barco de pesca de alto mar. Partia todos os dias, com turistas e regressava com enormes peixes azuis que amanhava à machadada. Algumas vezes eram preparados em cima do capôt do velho e ruidoso Ford 17 M, que expelia mais fumo do que uma chaminé a carvão e que só pegava de empurrão. O velho inglês era um ouvinte compulsivo de ópera em altos berros e um apreciador notável de brandis, nomeadamente do “1920”. Recebíamos a sua visita quase todos os dias e só partia quando o combustível se esgotava. Não me recordo do seu nome mas era um patusco que se recusava a viver nas casa que tinha na cidade. Era ali, no parque que adorava viver, tal como muitos outros que lá estavam, por gosto e convívio, acordados pelo corneteiro, que eu nunca conheci.

Outros tempos. Era a década de oitenta, fins da de setenta.

Jorge C. Chora
   7/7/2020

domingo, 5 de julho de 2020

MEMÓRIAS DE HÁ 60 ANOS OU O TEMPO DAS GRANDES FORMIGAS


Já lá vai o tempo de juventude e das idas matinais à” minha” praia, na cidade da Beira, no Macúti -Estoril. Bastava-me saltar o muro da minha casa, atravessar o quintal do vizinho e entrar na praia.

Depois de lautos pequenos almoços obrigatórios, alguns dos quais  verdadeiros suplícios, nomeadamente os que incluíam, após o “porridge”, gigantescas toranjas e copos de sumo, ainda tínhamos o desplante e o vício das coisas doces. Passávamos, eu e o meu irmão, pela despensa e levávamos, cada um, uma lata de leite condensado. Ela era furada em dois sítios e pelos orifícios íamos bebendo o leite.

Hoje, só de me lembrar de tal facto, o enjoo toma conta de mim. Na época, com mais olhos do que barriga, ainda conseguia, com a gula, beber quase um terço do conteúdo daquele autêntico melaço! Acho que nunca consegui chegar à praia com a lata de leite. Num terreno lateral vago, arremessava-a, ainda quase cheia.

Naquele terreno para onde arremessava o leite, abundavam formigas e que grandes elas eram! Pudera! Alimentadas a leite condensado!

Belos tempos esses onde a até as formigas eram alimentadas a leite condensado! e chegávamos à praia enjoados que nem pescadas e isso passava num ápice, com os mergulhos e cabriolices a que nos entregávamos.

As férias grandes eram do tipo “Duracel” e quanto mais duravam, mas queríamos que durassem, à torreira do sol, tostando os miolos, bebendo leite condensado e apurando o ouvido para escutar a sineta do vendedor dos gelados “Esquimó”.

Jorge C. Chora
5/7/2020

quinta-feira, 2 de julho de 2020

FILHOS DE QUEM DEUS SABE


   
Quando vejo a minha mulher sorrir enquanto investiga, fico de atalaia. Não descanso enquanto não me conta o que descobriu. Para se livrar de mim e continuar a trabalhar, apressa-se a contar.
Desta vez a história diz respeito a uma forma eufemística de nomear pais incógnitos. Nos registos de baptismo de Beringel, Beja, do séc. XVII e XVIII, localidade onde existiam, por sinal, inúmeros escravos, havia uma forma curiosa de nomear os pais desconhecidos. Esse modo era extensivo aos registos de baptismo dos escravos ou não escravos e consistia em dizer por exemplo, o nome da mãe e em relação ao pai, em vez de se dizer incógnito, diziam: e filho de quem Deus sabe.
O mais curioso é que foi a primeira vez que durante as suas investigações, a minha mulher encontrou este modo específico de designar os progenitores incógnitos.
Em conclusão, quando se aborrecer seriamente com alguém, em substituição do feio palavrão que eventualmente ele ou ela mereçam, diga: filho ou filha de quem Deus sabe…

Jorge C. Chora
2/7/2020

quarta-feira, 1 de julho de 2020

ASSIM SEJA!


Há palavras que o vento leva,
mas outras,
transporta-as e entrega-as
com agrado e certeza.
Oxalá as de amor,
bem endossadas sejam
e se não percam;
e as outras,
as imprestáveis,
leve-as o demo,
nunca se entreguem
e para sempre se percam!

JORGE C. CHORA

    1/7/2020

segunda-feira, 29 de junho de 2020

PAÍSES CIVILIZADOS?


Carentes de abraços,
mimos e beijinhos,
estamos tristonhos
por falta dos mesmos.
Para nos entristecer
ainda mais,
 estamos o turismo a ver
ruir,
e a acontecer, logo,
pela mão dos ingleses e não só,
a caça aos nossos visitantes,
proibindo-os de nos visitar!
A falta de ética de países ditos
civilizados, mostra-nos como
estamos enganados,
ao achar que é na Europa
que os podemos encontrar!
Mostrando que aqui e agora,
vale tudo,
até tirar olhos.

JORGE C. CHORA
  29/6/2020

sábado, 27 de junho de 2020

O UMBIGO DE VÉNUS


Adoro o perfume
da sua pele aveludada,
quando a abraço pela cintura
e lhe beijo o umbigo.
Sinto-a pulsar,
respirar,
renascer,
ligar-se a mim
e eu a ela,
pelo despertar de uma súbita
prontidão amorosa.

Jorge C. Chora
  27/6/2020

quarta-feira, 24 de junho de 2020

AS JURAS DE JUDAS




Está por vir o dia em que Judas não faça um juramento. A propósito de tudo e de nada, o homem jura, rejura, trejura…

São inúmeras as pessoas que passam a vida a jurar. Não é por aqui que o gato vai às filhós. A particularidade dos juramentos à judas é bem outra e há quem diga, originalíssima. Ele jura pela saúde dos filhos, não dos dele mas à saúde dos filhos dos outros! Dos amigos, dos familiares dos amigos e por aí fora.

Quando se irritam com ele e lhe perguntam a razão porque não jura em seu nome próprio, sorri e diz:

-Comprometer a minha palavra? Nunca!

-Então as tuas juras não valem nada?

-Claro que valem. Valem o que valem! Dependem da palavra das pessoas que eu comprometi nas juras. Se eles querem cumprir cumprem, senão não cumprem!

E conclui com um ar sereno:

-Eu cá não me comprometo…

-Mas Juras!

-Ó, isso sempre!

Jorge C. Chora
24/6/2020

sábado, 20 de junho de 2020

E DESDE QUANDO É QUE OS GALOS PÕEM OVOS?


A galinha não era feia nem bonita. Para além desta característica, pouco ou nada a distinguia das restantes. Havia um pormenor intrigante e esse, sim, diferenciava-a de todas as congéneres: nunca pusera um ovo!

Colocaram-na num galinheiro à parte. De lado ficou também um belo galo, com fama de imprestável: nunca galou e, portanto, nunca procriou.

O destino que lhe deram foi juntá-lo à galinha que nunca pusera um ovo. Passado algum tempo a dona do aviário acudiu aos gritos da filha mais pequena:

-Ó mãe, o galo pôs uma dúzia de ovos!

-O galo, minha filha?

--Sim… não disseste que aquela galinha nunca tinha posto um ovo? Só pode ter sido o galo minha mãe!

E a mãe sorriu, ao pensar no milagre do galo hermafrodita em que a filha acreditava. Nunca mais separou aquele casal, cujo galo tão bons lucros lhe passou a dar, com a quantidade de ovos que punha.

E foi assim que a senhora descobriu que até os galináceos podem ter depressões, quando algo não lhes corre de feição

Jorge C. Chora

20/6/2020

quarta-feira, 17 de junho de 2020

BLACK AND WHITE OU AS CHINELAS DA MODA


Passeava à beira- mar quando teve de fugir a uma onda. Perdeu as chinelas. Ficou a vê-las  serem arrastados para a água. Esperou um bocado, na esperança de as reaver com as ondas seguintes.
As suas não vieram, mas chegaram outras. Apanhou-as. Mais valia um pássaro na mão… Reparou depois, que cada uma tinha uma cor e tamanho diferente: uma era preta e mais pequena e a outra, branca e maior. Afinal, faz de conta, estava criada a moda das chinelas bicolor: tinha, nada mais nada menos do que umas “black and white”.
Observou-as com mais detalhe. A preta já quase não tinha cor, tão velha e maltratada estava, denotando uso intenso. A branca estava quase nova. Bom, o facto é que ambas serviam, mas separadas uma da outra, uma em cada pé, cada uma no seu lugar.
Um mendigo viu-o deixar a beira-mar. Ficou como que hipnotizado a olhar as chinelas e perguntou:

-Onde as achou?

-Na praia. Foram-me oferecidos por uma onda!

-É capaz de ter sido a mesma que mas tirou! - disse o mendigo.

As chinelas foram oferecidos ao mendigo, entretanto, já acompanhado de um segundo sem-abrigo.
O primeiro ofereceu a chinela branca e ficou com a preta, pois tinha o pé mais pequeno do que o outro. Como andavam sempre juntos, adoptaram a moda do” black and white”: um preto de chinela branca e o branco de chinela preta.

Agora, fogem ambos de todo o lado, porque são acusados de subversivos e de não terem tido tempo de roubar, o par das chinelas que lhes faltavam.

Jorge C. Chora
    17/6/2020

domingo, 14 de junho de 2020

A RODA DA BICICLETA QUE NÃO SUMIU


  Passava todos os dias na rua com uma roda de bicicleta na mão. A primeira vez que o viram, julgaram tratar-se de um ciclista, cuja bicicleta se tinha avariado. Com a repetição do episódio, inclinaram-se os moradores para a hipótese dele trabalhar no ramo dos velocípedes.
Um dia perguntaram-lhe se tinha alguma loja ou oficina de bicicletas.

-Tomara eu!

-Então qual a razão de …

Não foi necessário concluir a pergunta, pois o homem completou-a:

-De andar a passear com uma roda de bicicleta?

-Sim…

E o senhor, de modo paciente e educado explicou:

-Um dia o pneu da minha bicicleta furou-se. Desmontei a roda e fui a casa remendá-la. Refiro-me à câmara de ar… claro. Quando voltei, já ela lá não estava…

- Mas anda com a roda?

-Sim, ando. Se conseguir encontrá-la, coloco-lhe a roda e venho nela, porque é minha. Se acaso não for a minha, mas não tiver a roda, passa a ser minha e trago-a na mesma.
Enquanto digeriam a explicação, o homem perguntou-lhes:

-Por acaso viram por aí alguém a circular numa bicicleta sem roda? Algum dos senhores tem em casa alguma assim?

E o senhor continua a passar, todos os dias, com a roda na mão e a perguntar:

-Passou por aqui alguém numa bicicleta sem a roda da frente?

E o dono da tasca, não perde a ocasião de rotular o ex-ciclista:

- É doido varrido! Uma bicicleta, sem a roda, a circular!

Entretanto, sempre que o homem da roda passa, vai à porta e não a perde de vista. Espera, pacientemente, a oportunidade de completar a bicicleta que ele disse ter encontrado abandonada e sem a roda da frente e a levou para a sua aldeia natal.

-É doido varrido! -repete, de olho na roda da bicicleta que levou sumiço e ele diz ter achado.

Jorge C. Chora

14/6/2020



quarta-feira, 10 de junho de 2020

OS ANJOS TAMBÉM DÃO PUNS?


A procissão progredia de modo lento. Os crentes, à torreira do sol, arrastavam-se debitando a custo, os Padre Nossos e as Avé Marias.

A pequena Luísa, na companhia do pai, não perdia pitada da cerimónia. Seguia os anjos com os olhos fixos nas suas asas e auréolas, nos fatos brancos e azuis a roçarem o chão.

Os anjinhos pararam mesmo à sua frente. Luísa deleitou-se com a visão. De súbito tapou o nariz. Cheirou-lhe mal. Puxou o braço ao pai e perguntou-lhe:

-Ó pai, os anjos também dão puns?

-Claro que sim Luísa… só os que estão no céu é que não. Cá na terra todos fazem isso! Há quem diga que não, mas não é verdade! Também há quem culpe os outros daquilo que fazem…

E palavras não eram ditas, quando o anjinho donde provinha o cheiro, tapou o nariz e olhou de soslaio para a Luísa.

A pequena não gostou e em voz alta  disse-lhe:

-Os anjos também dão puns! Não precisas de disfarçar e fingires que eu é que dei! Assim não vais para o céu!

E o anjinho ao seu lado, deu uma gargalhada e disparou:

-Ó Eduardo, desta vez foste apanhado!

  Jorge C. Chora 

   10/6/2020

segunda-feira, 8 de junho de 2020

SANTOS E DEMÓNIOS


Andam beijos no ar,
de mão dada,
com a vontade de te abraçar,
dados de boa vontade
e desejo d´amizade.
Ninguém os quer colher
por serem flores,
com fama de não se cheirarem:
dizem ser todos iguais,
não em direitos,
mas em malvadez,
como se Deus tivesse dito,
que os seus filhos tinham uma só cor
e só os seus beijos podiam
andar no ar,
de mão dada com a vontade
de te abraçar.

   Jorge C. Chora
     8/6/2020

sábado, 6 de junho de 2020

O MAR É UM MENINO MIMADO

Espreguiça-se o mar,
estende-se no areal
em correrias e vai e vens,
nos dias de praia-mar.
Se o dia lhe corre de feição,
nem precisa de falar,
tão calmo se apresenta.
Quando se enfurece,
ai de quem lhe diga algo,
varre tudo o que lhe aparece,
não escuta ninguém,
é um menino mimado,
faz o que quer
e lhe dá na real gana,
tanto dá, como tira
e é tão ou mais caprichoso
do que muitos de nós.

  Jorge C. Chora
        6/6/2020

quinta-feira, 4 de junho de 2020

O FADO DA NELA



 Nascida numa viela,
sem eira nem beira,
ali vai ela, zaragateira,
batendo o pé,
e cantado ao vento
as suas tristezas e alegrias.
Eis a Nela, fadista e arruaceira,
à maneira e ao jeito d'outrora,
a quem não escutam
por andar a chinelar,
pois o fado deixou
de ser coisa de gente
sem eira nem beira,                                                                                                            
para ser de fina gente.


Jorge C. Chora
   4/6/2020

terça-feira, 2 de junho de 2020

OS TROCA-TINTAS



Sentado à mesa do café, deitava contas à vida. O futuro nada de bom agourava. Olhou através da vidraça da loja do chinês e viu quatro indivíduos a pagarem uma série de bonecos e bugigangas.
Ao saírem, os quatro vieram direitos a si e perguntaram-lhe:

-Quer ganhar 100 euros?

-Não digo que não…mas, assim do pé para a mão?

-Estamos a fazer um estudo sobre o modo como as pessoas decidem…

-E…

-Só tem de participar num jogo cujo objectivo é avaliar o seu poder de decisão…terá de pagar inicialmente 20 euros…

-Pagar ou receber?

-É que para além do dinheiro, poderá ganhar vários prémios! Vai entrar numa sala onde existem vários objectos numa mesa e poderá recolher os que quiser, desde que caibam num saco que lhe vamos fornecer. Terá de o fazer em dois minutos. Se conseguir, poderá receber não só o que recolheu, mas também os cem euros.

Renato, assim se chamava o homem, aceitou com a condição de não pagar os 20 euros.

-Mas isso é essencial para o nosso estudo…

Renato deu uma grande gargalhada. Os quatro acharam estranha a reacção e perguntaram-lhe a razão de ser da gargalhada.

-Eu explico, se me pagarem 20 euros… - e continuou a rir-se. Tanto se riu que os quatro lhe deram o dinheiro pedido.

-E agora diz-nos porque se ri com tanto gosto?

Renato cruzou a perna, recostou-se na cadeira e perguntou-lhes:
-Quanto é que pagaram pelo truque?

-O truque?

-Sim, vendi-o ao Filipe do Martim Moniz, por 50 euros já há uns meses! Os bonecos não valem quase nada e jamais se ganha o prémio, porque vocês aparecem antes e eles nunca executam a tarefa a preceito… Ficam sem os 20 euros.

-Quanto é que pagaram ao Filipe?

-A custo confessaram:500 euros!

Renato não se conteve:

-Grande ladrão!

 Jorge C. Chora
     2/6/2020


sábado, 30 de maio de 2020

AS ONDAS DO MAR


Murmuram-me as ondas do mar,
a medo, um pedido,
como se fosse um segredo,
enrolando-se devagar,
a esconderem-se envergonhadas,
com o que me iam dizer:
-Amigo do mar e das ondas,
sabes quão bom é nadar,
sem porcarias encontrar.
Nunca te vimos sujar,
ao mar deitar o que não queres,
exceto daquela vez, faz dez anos.
Foi uma garrafa de plástico
da coca-cola, que ainda aí está,
mesmo ao teu lado,
depois de ter dado a volta
ao mundo e aqui regressar.
Pedi desculpa, apanhei-a
 e fui deitá-la ao sítio certo.
Ao retornar ao mar,
a onda abraçou-me,
espumou de alegria,
banhou-me o corpo,
lavou-me a alma e disse-me:
- Muito obrigada.
E à beira-mar,
um bando de gaivotas,
à volta de uma irmã morta
por ter comido plástico,
também gritou:
- Muito obrigado.
Jorge C. Chora
30/5/2020

quarta-feira, 27 de maio de 2020

O PARAÍSO



Se cada um sonha com o seu,
eu encontrei o meu:
tem pernas, cabeça e corpo,
às vezes é mel e outras fel,
mas tem olhos onde habita a ternura,
lábios onde moram beijos,
apoia-me no que digo e penso,
sem ser uma sim-senhor.
Cada um sonha com o paraíso,
tu com o teu,
ele com o dele.
Eu já encontrei o meu:
tem pernas, cabeça e corpo
Às vezes é mel e outras fel.

Jorge C. Chora
13/5/2020


domingo, 24 de maio de 2020

SOMOS UM SÓ!



Se eu te tenho em mim
e tu a mim me tens,
eu sou tu
e tu és eu.
Falamos a uma só voz,
pois somos um só,
possuímo- nos um ao outro,
estamos ambos,
habitando o outro.
Sem negar o tu e o eu,
embora sejamos as
metades de um só,
eu sou tu
e tu és eu.


Jorge C. Chora

24/5/2020

sexta-feira, 22 de maio de 2020

OS AÇOITES



Raro era o dia em que não ia ver o jaguar ao stand. Mirava-o e remirava-o. Ficava extasiado. Adorava-lhe as linhas, as jantes, a cor…

Um dia conseguiu comprá-lo. Foi passear ao Estoril e a Cascais e até comeu um sorvete na Santini.
Agora, todos os sábados de manhã, bem cedo, Manuel sai de casa, transportando um cordão de seda, com alguns nós. Acerca-se, pé ante pé, da sua luxuosa e potente viatura. Olha em redor e assegura-se de que não há vivalma. Certo de que ninguém o observa, zurze o bólide com toda a gana durante alguns minutos.

Enquanto dura a cena, murmura: toma lambão…nem dinheiro me deixas para andar contigo… ainda mal te paguei e já vales tão pouco…eu digo-te.
Em seguida, lava-o e limpa-o com extremo cuidado, por dentro e por fora. Terminada a limpeza, recolhe-se amaldiçoando o dia em que comprou aquele monstro de milhares de euros.

Um destes dias, um jovem vizinho elogiou-lhe a ”bomba”. Manuel, logo ali propôs vender-lho, em prestações suaves, durante um prazo dilatado. O jovem agradeceu, mas declinou a oferta.

Uma semana após este episódio, Manuel, para além do sábado, passou a açoitar o “malvado” também ao domingo e pensa começar a fazê-lo, dia sim dia não, agora que está confinado.

    Jorge C. Chora
In “JORNAL DA AMADORA”
    DE 27/2/ 1992
Adaptado em 21/5/2020

quarta-feira, 20 de maio de 2020

O MONSTRO VOADOR OU O DIA EM QUE O MAR MUDOU DE COR/MEMÓRIAS DA BEIRA DE HÁ MAIS DE CINQUENTA ANOS




Seriamos uns seis a cavalgar as ondas, montados numa grande câmara de ar de trator. De repente, alguém lançou um grito estridente e aflito:
- Cuidado…saiam depressa…
Só não gelámos por mero acaso. Vindo do fundo do mar, surgiu um enorme monstro cornudo, com asas, que voava e nadava, para logo de seguida voltar a voar. E o estupor vinha ao nosso encontro, na nossa direcção, muito próximo.
Ainda hoje não acredito na velocidade com que saímos do mar.
O monstro só podia ser surdo pois se não fosse, teria sido morto a grito, tantos foram os berros com que o mimoseámos. E ele, moita, continuava a voar, a pousar e a nadar, com um desprezo   olímpico pelos nossos gritos de guerra acagaçados.
Um pai que tinha sido alertado, surgiu munido de artilharia adequada e deu início a uma medonha fuzilaria.  E o monstro continuava a nadar, a voar e a afastar-se aos poucos, para alto mar.
Tenho a impressão, embora não garanta, que no sítio onde tínhamos saído à pressa, o mar se tinha tornado acastanhado. Talvez tal facto, se tivesse ficado a dever, não a descargas intestinais, mas às algas que o monstro tinha para lá deslocado. Decididamente eram algas. Nunca discutimos o acontecimento, portanto, ele pura e simplesmente nunca existiu.
Esgotados pelas emoções, nunca nenhum de nós confessou ter tido pesadelos com o monstro voador. Todos dormimos o sono de heróis, esquecidos do acastanhado do mar.
O monstro era somente uma enorme jamanta, que nenhum de nós tinha jamais visto e veio a aparecer morta, na praia do Régulo Luís.
Isto passou-se há mais de cinquenta anos, na “minha” praia do Macúti, a três ou quatro paredões do farol, na cidade da Beira, em Moçambique, tirando, claro, os exageros da pintura e as descargas intestinais que, para todos os efeitos, nunca existiram.

Jorge C. Chora
20/5/2020

segunda-feira, 18 de maio de 2020

O MELHOR PESCADOR


“Ora Porra” era o dono da taberna onde os pescadores discutiam, quase todos os dias o mesmo assunto, logo após o futebol: quem era o melhor pescador local.
À terceira garrafa de vinho, azedavam as discussões, e antecipando o que ia acontecer, o taberneiro gritava:

-Ora porra…ora porra…acalmem-se…

Não lhe servia de nada. Dos empurrões ao chega-te para lá mais sério, era um instante. Olhos pisados e cocurutos cheios de galos, eram o pão nosso de cada dia. Seguia-se a ida à esquadra.
-O chefe de posto, lançava as mãos à cabeça e descompunha-os:

-Homessa! Pescadores uma fava! Zaragateiros, pugilistas de treta …isso é o que vocês são. Toca a andar! -  e abria-lhes a cela onde todos ficavam a curtir as dores e as bebedeiras.

O “Ora Porra” decidiu acabar de vez com aquela moscambilha. Foi ter com o velho Mestre Zé e pediu-lhe:

- Mestre, vossemecê  é entendido na poda e preciso que anuncie, de uma vez por todas, quem é o melhor marinheiro aqui da póvoa…

O velho marinheiro franziu o sobrolho e disse:

-Nada me custa fazer o que me pede, mas fique a saber que isso nada resolve…

“Ora Porra” deu uma gargalhada e respondeu:

-Não me … bonita maneira de me mandar àquela parte!

Mestre Zé negou estar a fugir ao pedido e prometeu, mesmo nesse dia, dar a sua abalizada opinião sobre o assunto.
À hora marcada, já iniciadas as discussões, apareceu Mestre Zé que falou assim:

-Conheço-vos de ginjeira. Alguns de vocês andaram ao meu colo…

Fez-se silêncio. Pousaram os copos sem ruído, e prepararam-se para escutar o decano dos pescadores.

-O António é o melhor a escolher o isco; o João, não há igual a remendar redes; o Manuel é o melhor a trabalhar com os cabos…

-Sim…sim… mas quem é o melhor pescador?

Mestre Zé pigarreou, esperou um bocado e falou:

-O melhor, o melhor dos melhores, é o jovem Jorge … entrou ontem ao serviço e já pescou uma linda sereia chamada Sara, que é sua mulher…

A risota foi geral. Minutos depois as discussões voltaram. Ora Porra, pressentindo o que lá  vinha gritou:

-Ora porra…ora porra…

Se por acaso for pescador e tiver a pretensão de ser o melhor,já sabe,compareça na tasca do "Ora Porra".

     Jorge C. Chora      

       18/5/2020