Uma cobra gigante, escapou por um triz à morte por
atropelamento, porque foi puxada, uma fracção de segundo antes, para fora da
estrada.
Profundamente agradecida ao seu salvador, não descansou
enquanto não o recompensou.
Ofereceu-lhe, ainda que aquele que a socorreu tivesse
recusado com todas as suas forças, uma bela casa, perto da sua.
Um dia, quando já o Inverno se aproximava, ao passar em
frente à residência que oferecera, decidiu entrar. Bateu à porta e como ninguém
respondeu, foi penetrando sem ruído e perguntou:
-Ó da casa, pode-se entrar ou já ninguém mora aqui?
Respondeu-lhe o silêncio. Serpenteando pelo lar fora foi dar
a uma sala, em que o proprietário, refastelado num sofá, dormia a sono solto.
Aproximou-se sem produzir o mínimo ruído, deu um salto,
enroscou-se-lhe ao pescoço e estrangulou-o.
Verificou e reverificou se a sua presa estava morta.”Morta e
bem morta”, concluiu.
Circulou pela habitação, certificando-se de que não havia
mais ninguém.
Ao regressar à sala e ao rever a sua obra, bateu com a ponta
da sua cauda no chão e consolou-se:”Por que hei-de ir tão longe à procura de alimento,
quando o tenho aqui, à mão de semear?”
Saiu cheia de alegria, antecipando os lautos repastos que
passaria a ter, sem despender qualquer esforço.”Que parte comerei em primeiro? Não
posso engordar muito, senão os meus amigos suspeitarão e ainda terei de
repartir as refeições…”
E mais uma vez, atravessou a rua, a pensar no seu auspicioso
futuro alimentar, quando o autocarro de que a tinham salvado meses antes, lhe
passou por cima, desta vez, sem qualquer falha.
Jorge C. Chora