sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A EMIGRANTE


Arregalou os olhos ao ver entrar-lhe em casa, por debaixo da porta, um líquido estranho que se espalhou pela passadeira. Espreitou pelo óculo da porta e deparou com o velho e corpulento vizinho alemão, com o seu doberman à trela, parado à sua entrada.

Esfregou os olhos, duvidando do que observava. Abriu devagar a porta e mesmo assim não acreditou no que lá estava: um charco de urina e um grande cócó.

Uma enorme fúria começou a apossar-se de si. Abeirou-se do corrimão, espreitou para os andares que lhe ficavam em baixo e ouviu, alto e em bom som o vizinho comentar com os outros inquilinos, que a emigrante fazia as necessidades no patamar.

Falando alemão tão bem ou melhor do que o porcalhão, desceu a correr as escadas até ao andar onde estavam, pôs-se em bicos dos pés e gritou-lhe bem alto:

-Acha que a minha porta é a sua casa de banho para ir lá fazer cócó e chichi?-E estendeu-lhe um pano, enquanto ordenava – Vá imediatamente limpar o que sujou.

Apanhado em flagrante, gagejou:

-Não fui eu…foi o meu cão…

- Vou fingir que acredito…rápido …rápido -ordenou-lhe a pequena portuguesa, apontando-lhe com o dedo a direcção da sua casa.

No dia seguinte, aqueles que até aí nem sequer a cumprimentavam, à sua passagem, inclinavam a cabeça e saudavam-na:

- Guten morgen meine dame…

Claro que o desfecho desta situação não correspondeu à realidade. A educadíssima portuguesa, teve não só de suportar a imundície avelhacada deste vizinho pouco civilizado, como também limpar diariamente o produto das suas investidas selvagens.

Casada com um cavalheiro alemão, tiveram de suportar esta situação até que  a vivenda de ambos estivesse terminada.

Decorriam os anos 60, a portuguesa era professora do liceu e adquirira a nacionalidade alemã.


Jorge C. Chora

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

ORFÃOS OUTRA VEZ


A minha avó foi
ao mercado e ainda
não voltou.
Há três dias que eu e
a minha irmã esperamos
pelas batatas que foi buscar. 
Tenho medo,
mais pela minha irmã
do que por mim,
que já tenho quatro
anos e ela só tem um.
Ela ainda não voltou,
sei que regressará,
pois desde que
levaram os pais para o céu,
que a avó nos abriga das bombas,
e consegue comida para
nos dar.
Ouço tiros e vejo uma sombra
à entrada do abrigo onde estamos.
O meu coração bate depressa,
só pode ser a minha avó.
É de facto ela, estendida no chão,
 ensanguentada,
que estica o braço e tem
na mão um tomate semi-podre
e diz:
-Desculpem meus filhos, foi
a única coisa que consegui…


Jorge C. Chora

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

O BEM-ME QUER


Um bem-me-quer
é um sentimento
feito flor,
tecido por dois seres
que se sentem bem,
a pensar e a cuidar
um do outro,
gritando em uníssono,
quando, por acaso,
 se distanciam:
- Anda para ao pé de mim!


Jorge C. Chora

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

OPINIÕES


Banalidades são
o que achamos,
em geral,
das opiniões
que os outros dão.
Muitas serão,
algumas não.
As suas,
quem sabe,
que peso terão.
As opiniões,
no entanto,
têm diferentes pesos
e valores:
recuse as daqueles
 que nunca as mudam,
porque as não têm,
como diz o poeta,
assim como a dos
que as alteram,
constantemente,
de acordo com as
modas e as ocasiões,
esperando aplausos
pelas suas exibições.

Jorge C. Chora

domingo, 4 de dezembro de 2016

A MAGIA DO CHOCOLATE


Chocolate e amor
são o verso e reverso
da mesma moeda,
em tudo semelhante
a um casal
que se enlaçou
e nunca mais
se separou.
Quem aceite e aprecie
 um chocolate,
mesmo que não seja linda,
torna-se bela aos olhos
de quem lho deu:
tão bela que pode
ascender à categoria
de divina e surpreender-se-á,
se os seus braços
forem substituídos por asas,
aos olhos do seu amado.


Jorge C. Chora

sábado, 3 de dezembro de 2016

É A VIDA!



Lancei uma semente
ninguém a apanhou,
semeei-a e ninguém me ajudou.
Na hora de a colher,
ninguém trabalhou,
na hora de a comer,
toda a gente a provou.


Jorge C. Chora

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

O PINGA-AMOR


Que bem me sabem
as palavras de amor
que me murmuras ao ouvido,
conluiadas ao vento
suave que se faz sentir,
inundando-me a alma
que, de pronto se acolhe
ao teu sentir e to devolve,
em tons de rosa,
 tal e qual um pinga-amor.


Jorge c. Chora