segunda-feira, 30 de março de 2020

ORA ESSA!


    
Agora compreendemos,
desde que de casa não saímos,
a razão das donas de casa
nos quererem sentados, a fazer xixi.
Se ajudar a limpar aprendemos,
algumas asneiras desaprendemos,
e as cozinhas invadimos.
Entre aprender e desaprender,
o que será feito de nós,
se isto é assim,
e ainda não se sabe o fim?
Ó que desgraça, sentados a fazer xixi!

Jorge C. Chora
30/3/2020

domingo, 29 de março de 2020

O NOVELO EMBARAÇADO



Todos os dias os vejo crescer!
Chega-me a apetecer
uma tarefa lhes dar,
uma guita aos bigodes amarrar
e em vez das escadas descer,
uma cesta lhes pendurar
para o merceeiro, de víveres a encher.
Falo da barba, do cabelo e do bigode,
cujo crescimento é tamanho
que se chega mesmo a ouvi-los
dos poros a sair, schiuu…
não ouvem o barulho?
É o bigode do vizinho a crescer!
Quando de casa se puder sair,
ao barbeiro, à vez, temos de ir,
pois se na rua a vizinhança se encontrar,
antes da pelaria rapar,
imaginem o novelo a ensarilhar
e o trabalho para o desembaraçar!

Jorge C. Chora
29/3/2020

sábado, 28 de março de 2020

TUTEAR




Quem os outros por tu trata
e por senhor quer ser tratado,
seja pobre, rico ou instruído,
é pouco ou nada educado,
os outros destrata
e uma coisa, certa é:
senhor, temos a certeza que não é!
É alguém que não sabe o que é,
pois mostrar quer, ser quem não é
e assim uma certeza nos dá:
senhor, de certeza não é,
embora recorra ao você,
“um tu rasgado” como se diz, não é?

Jorge C. Chora
27/3/2020

quinta-feira, 26 de março de 2020

ARREPENDIMENTO



 Havia outrora queixas
dos abraços apertados,
da humidade dos beijos,
das marcas de batons nas faces,
do pó de arroz nos óculos.
Ah! Se o arrependimento matasse!
Quando a quarentena acabar,
não fujam uns dos outros,
apertem-se, beijem-se, salivem-se,
besuntem-se de cremes,
tanto quando tenham na vontade,
se vontade recíproca houver!

Jorge C. Chora
  26/3/2020

terça-feira, 24 de março de 2020

O JOSÉ


         
Pé ante pé anda José,
batendo pé
por essa Lisboa fora,
não passeia, trabalha,
agarrado à vassoura
e não vê vivalma,
estão todos em casa,
e ninguém dele fala,
ele nem doutor é,
não é assim senhor José?

Jorge C. Chora
24/3/2020

segunda-feira, 23 de março de 2020

A QUARENTENA DA ENGORDA




Ligo a torradeira,
busco a manteigueira,
preparo a torrada
com marmelada,
e bebo uma limonada,
depois regresso ao jornal na bancada.
Daí a pouco,
no intervalo, bebo leite
 e também chocolate.
Abro um livro,
dá-me a fome,
como uma fatia de carne assada,
bem passada,
acompanhada
d’uma laranjada.
Ao almoço, uma feijoada,
quiçá uma dobrada.
Ao lanche,
uma sanduiche´
e um pequeno brioche.
À noite,
uma fatia dourada,
bem regada,
à espera da consoada.
Quando a quarentena acabar,
não me consigo levantar,
logo, em casa vou ficar.

Jorge C. Chora
23/3/2020

sexta-feira, 20 de março de 2020

QUARENTENA



Colhi flores no meu jardim,
para à minha amada oferecer,
dei-lhas com um sorriso,
com outro me agradeceu
mas logo me respondeu:
-Meu querido, não te escapas assim,
quem belas ofertas faz,
o melhor guarda para o fim:
- O que será que me dás?

Jorge C. Chora

20/3/2020

quinta-feira, 19 de março de 2020

NÃO É ASSIM?




É certo e sabido:
à noite, segue-se o dia,
ou não é assim?
claro que sim!
Se assim é,
abre as janelas,
e à luz do dia grita:
    - Bom dia!
Não é proibido:
- Respirar;
- Amar;
- Ter esperança;
- Ser alegre e criativo;
- Saber que há coisas
que não mudam,
tal como a noite e o dia.
Bom dia!

Jorge C. Chora
19/3/2020

quarta-feira, 18 de março de 2020

MALDITO COVID-19


Que triste não poder
o meu amor beijar,
vê-la de longe
e não a abraçar;
desejá-la
e não a ter,
é bem pior que tê-la e não a querer.
Em breve tudo passará,
e então, meu amor,
os nossos beijos serão
um eterno verão,
e as palavras ao ouvido
murmuradas revelarão,
a doçura de ansiados preliminares,
e a almejada concretização.

Jorge C. Chora
18/3/2020

segunda-feira, 16 de março de 2020

A SEREIA



Anselmo era um pescador sui generis. Há anos que ia à pesca e nunca trouxera sequer uma simples dourada.
Antes de partir preparava o seu pequeno barco com cuidado, dir-se-ia mesmo, com carinho. Tratava o frágil motor da embarcação como um amigo do peito: nunca lhe exigia um esforço em demasia, tinha-o sempre bem limpo e oleado.
Antes de partir para o mar, abastecia-se de água e alimentos para o dia e muito pão.
O destino de Anselmo era uma enseada rochosa, onde encontrara sítio para atracar e desembarcar. Era recebido à chegada por uma velha amiga: uma gaivota rezingona e com um certo mau feitio.
Grasnava como um violino desafinado e caduco, nervosa e receosa de que Anselmo se tivesse esquecido daquilo que ela achava ter direito: pão, muito pão. Saciada, deixava-o em paz.
Anselmo estendia-se numa laje plana e abria o saco onde trazia o seu tesouro: livros. Ao pôr-do-sol regressava a casa.
José, um conhecido seu para quem a galinha da vizinha era sempre melhor do que a dele, roía-se de curiosidade com o facto de Anselmo nunca ter trazido peixe algum. Mas que raio ia Anselmo fazer? interrogava-se amiúde.
Soube um dia, através de um pescador, para onde ia Anselmo. O que mais lhe interessou na informação, foi o facto dele lhe ter dito que Anselmo estava acompanhado por um vulto que ele não conseguira distinguir.
“Um vulto”? ora, só podia ser uma mulher ou talvez, quem sabe, devido à misteriosa conduta do amigo, uma sereia, pensou.
Alugou um barco e partiu rumo à enseada. Foi recebido à bicada pela velha gaivota, mal ela se apercebeu de que o intruso nem pão lhe trazia.
Regressou cabisbaixo a sua casa. Horas depois, ao jantar, admirou-se do requintado jantar com que a mulher o obsequiou e do pedido que ela lhe fez:
-Ó José, não sei onde foste, mas peço-te que lá vás, pelo menos uma vez por mês!
E José, calado que nem um rato, abençoou o comprimido de viagra que tomara, para o caso de ter encontrado a sereia dos rochedos.

Jorge C. Chora
16/3/2020

quinta-feira, 12 de março de 2020

O VOO DO ALBATROZ




No voo do albatroz,
elogiam-lhe a elegância,
o suave deslizar das asas,
a habilidade de nem
sequer as bater durante horas;
ao aterrar, muda-se a opinião:
torna-se feio e alvo de chacota,
causador das maiores risotas,
um terrível desajeitado.
E o que lhe interessa isso se,
ele voa, vai onde quer e precisa,
pesca e nada pede,
até porque é uma ave marinha,
e se está nas tintas para qualquer risota?
Jorge C. Chora
12/3/2020

terça-feira, 10 de março de 2020

AS PEDRAS E O AMOR



Se uma simples pedra,
em forma de coração,
pode exprimir amor,
uma só palavra sentida
e dita, claro está,
reforçá-lo -á.

A mesma pedra,
se arremessada,
transformará o amor em ódio
e o namoro acabará.

Mas se a lançares,
só por milagre,
se Deus estiver disposto
a intervir,
 a fará cair
como uma pluma,
no colo da tua amada,
e evitará que ela dê o namoro por terminado.
Pensa bem antes de a lançares…

Jorge C. Chora
10/3/2020

sexta-feira, 6 de março de 2020

UM SANTO DISTRAÍDO


 Mal abriu a porta de casa sentiu que algo não estava bem. Olhou em redor e os seus olhos chocaram com as fotografias caídas em cima da sapateira, ao lado da porta do quarto.

Agarrou, de modo instintivo, o braço da amiga que convidara para sua casa. Tremendo entraram no quarto. A colcha estava remexida e havia um alto do lado direito da cama.

Puxaram a colcha e ambas gritaram de susto e pavor: uma cobra enorme repousava,impávida, na sua cama. Nem os gritos a incomodaram. Como estava, assim se deixou estar.
Aos gritos de aflição, acorreu o vizinho do andar de baixo.

-O que se passa vizinhas? Precisam de ajuda?

-Tenho uma cobra monstra na minha cama…. -  balbuciou, a custo, a dona da casa, num estado de nervos de meter dó.

-Não me diga que é a minha Marlene Dietrich…. – e dirigiu-se ao quarto da vizinha.

Agarrou na cobra, aconchegou-a a si, beijou-a de modo carinhoso e disse:

-Vizinha, peço-lhe mil perdões. A minha Marlene não faz mal a ninguém. Deve ter apanhado as portas abertas e foi refastelar-se, como é seu hábito.

A acompanhante da dona da casa, refeita do susto, brincou com a amiga que, aliás, conhecia de ginjeira:

-O teu santo é muito distraído! Passas a vida a pedir-lhe uma “cobrinha” e ele ofereceu-te uma cobra de todo o tamanho…

-E ainda por cima, em vez de um Leonardo di Caprio, trouxe-me uma Marlene Dietrich! É mesmo muito, mas muito distraído!

Jorge C. Chora
6/3/2020
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segunda-feira, 2 de março de 2020

FIEL ATÉ CERTO PONTO!


Ensinou o seu cão a tossir. Quando lhe tocavam à porta e não queria atender, fingia-se doente. Fazia um sinal ao Fiel e ele tossia sem parar, bastando-lhe anunciar, em voz alta: hoje não posso.
Outras vezes, a um sinal diferente, o Fiel não ladrava, não tossia e não dava qualquer sinal de que estivesse alguém em casa.

A parceria intrujona manteve-se de pedra e cal até que António se começou a esquecer amiúde, de lhe dar comida com regularidade.

Ao fim de umas semanas neste ritmo, come hoje e jejua amanhã, tocaram à porta. O dono espreitou pelo óculo e fez o sinal ao Fiel para não tossir nem dar um pio.
Fiel franziu o grande nariz de perdigueiro, esticou o pescoço e emitiu o som bem audível, imitando a frase:

-Estou cá…estou cá….

-Schiu …. Schiu Fiel…  - ordenou-lhe inquieto o dono.

E o Fiel, tossindo à maneira do dono, continuava:

-Estou cá…estou cá….

Fiel só parou quando o dono lhe foi buscar, a correr, o prato cheio de comida.

Hoje em dia, o dono olha-o de soslaio e murmura:

-Interesseiro…

Fiel responde-lhe, com uma tossezinha velhaca, idêntica à que o dono lhe pede para enganar papalvos.

Jorge C. Chora

2/2/20