Anselmo era um pescador sui generis. Há anos que ia à pesca
e nunca trouxera sequer uma simples dourada.
Antes de partir preparava o seu pequeno barco com cuidado,
dir-se-ia mesmo, com carinho. Tratava o frágil motor da embarcação como um amigo
do peito: nunca lhe exigia um esforço em demasia, tinha-o sempre bem limpo e
oleado.
Antes de partir para o mar, abastecia-se de água e alimentos
para o dia e muito pão.
O destino de Anselmo era uma enseada rochosa, onde
encontrara sítio para atracar e desembarcar. Era recebido à chegada por uma
velha amiga: uma gaivota rezingona e com um certo mau feitio.
Grasnava como um violino desafinado e caduco, nervosa e
receosa de que Anselmo se tivesse esquecido daquilo que ela achava ter direito:
pão, muito pão. Saciada, deixava-o em paz.
Anselmo estendia-se numa laje plana e abria o saco onde
trazia o seu tesouro: livros. Ao pôr-do-sol regressava a casa.
José, um conhecido seu para quem a galinha da vizinha era
sempre melhor do que a dele, roía-se de curiosidade com o facto de Anselmo
nunca ter trazido peixe algum. Mas que raio ia Anselmo fazer? interrogava-se
amiúde.
Soube um dia, através de um pescador, para onde ia Anselmo.
O que mais lhe interessou na informação, foi o facto dele lhe ter dito que Anselmo
estava acompanhado por um vulto que ele não conseguira distinguir.
“Um vulto”? ora, só podia ser uma mulher ou talvez, quem
sabe, devido à misteriosa conduta do amigo, uma sereia, pensou.
Alugou um barco e partiu rumo à enseada. Foi recebido à
bicada pela velha gaivota, mal ela se apercebeu de que o intruso nem pão lhe
trazia.
Regressou cabisbaixo a sua casa. Horas depois, ao jantar,
admirou-se do requintado jantar com que a mulher o obsequiou e do pedido que
ela lhe fez:
-Ó José, não sei onde foste, mas peço-te que lá vás, pelo
menos uma vez por mês!
E José, calado que nem um rato, abençoou o comprimido de viagra
que tomara, para o caso de ter encontrado a sereia dos rochedos.
Jorge C. Chora
16/3/2020