terça-feira, 24 de dezembro de 2019

DE REI DO TERREIRO A PATO




Luiz Aguiar, é brasileiro, reside na Amadora e recorda um Natal passado em Belém do Pará, com direito à visita de um sobrinho, vindo de propósito de Macapá, um outro estado do Brasil.
Recebeu o telefonema do sobrinho, anunciando a visita natalícia e simultaneamente o desejo de comer, à consoada, um pato no tucupi (uma receita feita com um especial preparo de mandioca).
Luiz Aguiar não podia mostrar fraqueza e nem hesitou:

- Sim meu sobrinho, o pato cá te esperará…

Atravessando uma época de grande aperto, Luiz Carlos deu volta ao miolo. Onde iria arranjar o pato ao preço a que se encontrava?

Andava a matutar na solução quando ela se lhe atravessou no caminho. O enorme e vaidoso galo, rei incontestado lá do terreiro, passou-lhe todo gingão, de crista levantada, à sua frente, quase lhe pisando os pés. Ora nem mais, pensou, olhando de soslaio o grande galo.

O galo embora não tenha gostado daquele olhar de viés, não conseguiu escapar ao facalhão exterminador, e acabou na panela.
À consoada, o sobrinho gabou a qualidade do pato e da cozinheira:

- Nunca comi pato tão saboroso quanto este! Valeu a pena vir de tão longe …

- Ainda bem que gostou, meu sobrinho… – comentou aliviado o tio.

-Se me garantirem um prato com a qualidade deste, virei todos os anos ver os tios e deliciar-me com o pato no tucupi!

E Luiz Aguiar, olhou de soslaio para o terreiro onde havia mais alguns pequenos galos, e respondeu-lhe:

-Para o ano que vem, lá te arranjaremos mais um grande pato à tucupi!

Jorge C. Chora
24/12/19

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

AMOR PRESENTE


Nas palavras por ti ditas,
encontra-lhes o vento
o amor presente.
Ele partilha-as com quem
sente ou quer senti-lo,
de modo suave ou turbulento,
ao jeito de quem ama ou quer amar,
sem se esquecer,
de quem diz o amor renegar.

Jorge C. Chora
22/12/19

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

O VIAJANTE


                                                         
Apressou-se a atender o cliente, mal este transpôs a porta. Alto, grisalho e sorridente, trajando um fato claro, apropriado à temperatura elevada do dia, cumprimentou a vendedora, beijando-lhe delicadamente a mão que ela lhe estendera.

-Em que posso servi-lo?

-Venho pedir-lhe ajuda…desejava ir aos jogos Olímpicos de Verão em Montreal…- disse o cavalheiro.

-Com certeza…

E dedicou largo tempo informando-o dos preços de transportes, de alojamento e de tudo aquilo que implicava uma deslocação aos jogos.

-É muito caro… - disse o senhor- trocando, de seguida, o itinerário desejado para Paris.

E a senhora, feita a consulta, comunicou-lhe o preço e a resposta foi idêntica:

-É muito caro…

O cliente trocou o destino para onde desejava ir, indicando cidades portuguesas e dava sempre a mesma resposta, após ser informado do respectivo preço:

-É muito caro…

Finalmente perguntou:

-Quanto custa uma viagem de autocarro para Badajoz?

E sem ouvir a resposta, levantou-se, tirou do bolso do casaco uma maçã, esfregou-a na camisa e ofereceu-a:

-Quer uma maçã? - e de seguida saiu, roendo o fruto.

A colega ao seu lado, deu uma gargalhada e comentou:

-E eu que tive inveja, de não ter conseguido atender este cliente tão bem parecido!

E a colega replicou:

-Estavas com vontade de comer a maçã?

E no fundo da sala, a chefe, que se gabava de conhecer à distância os malucos confessou:

-Este enganou-me à certa! Um “gentleman”…

E a funcionária comentou:

Lá “gentleman” era …. mas destravado também…

- Ossos do ofício! -exclamaram em uníssono as senhoras.

JORGE C. CHORA
20/12/19

sábado, 14 de dezembro de 2019

A PROPÓSITO DE PALESTRAS OU DOS PRINCÍPIOS DO GOVERNADOR



Há uns anos assisti a uma palestra, na biblioteca Fernando Piteira Santos, na Amadora. O palestrante era o governador em exercício dos Rotários, naquele ano. Recordo-me do facto de  ter iniciado a sessão, citando três princípios a que uma comunicação pública deveria obedecer para ter sucesso, atribuindo a sua paternidade a um amigo ou a alguém de que já não me recordo.
Dizia o governador:

“- Em primeiro lugar, o orador deve estar em local bem visível;

-Em segundo, o discurso deve ser bem claro;

-Em terceiro, o discurso deve ser breve.”

Tinha toda a razão este comunicador. Os discursos de abertura de acontecimentos da mais variada índole, matam muitas vezes o próprio acontecimento que pretendem introduzir. De tal modo isto é assim que, muitas vezes, entre a introdução e a abertura, metade da assistência desaparece, só ficando aqueles que, por motivos vários, são obrigados a permanecer. Os que resistem, ficam de tal modo enjoados que se tornam, com frequência, incapazes de apreciar o que se segue.

Há bem pouco tempo fui vítima de um desses discursos, tendo-me retirado sem ser visto, nem ter visto, o que vinha ver. Espero que a exposição permaneça o tempo suficiente para que me passe o terrível enjoo de que fui acometido, já que em última análise, nem os palestrantes tiveram culpa do facto, que se ficou talvez a dever, ao excesso de empenho por parte dos apresentadores e do desconhecimento dos princípios  do dito governador.

Ah! Se o orador trouxer o discurso escrito, isso pode constituir uma dupla vantagem:

-Não se perde;
-Os ouvintes sabem quando vai acabar.

Estas observações não são da minha lavra. Já muitos as fizeram, na vã esperança de as verem cumpridas.
Um abraço e paciência.

Jorge C. Chora
14/12/19

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

D. ELIAS,O ARQUIDUQUE DA PORCALHOTA


                                           
Teve três donos no mesmo dia. O dono impingiu-o a um vizinho e este passou-mo para a mão, com um baraço ao pescoço. Era pequeno de idade e de tamanho e nada tinha de belo. Cheirava a cão que tresandava e trazia nome de gente: Elias, assim se chamava o cachorrinho.

-Elias? – estranhei eu, tentando recusar o presente.

-Já dá pelo nome…

Nada a fazer, trouxe-o para casa e o pequeno Elias, sem tirar os olhos de mim, lambia-me as mãos, arremelgava-me os olhos e ajeitava-se no meu colo.

Apresentei-o à futura dona e a sua estranheza foi idêntica à minha:

-Elias?
-Já dá pelo nome…

-Quero lá o bichano…

E o Elias, enjoado da viagem de carro, vomitou-lhe o vestido.

Foi remédio santo. Condoeu-se daquela bolinha fedorenta e maldisposta, adoptou-o e tornou-se no quarto habitante do nosso lar.

Elias era vivo e refilão e impunha a sua presença com genica e maus modos. Não tolerava desatenções. Ia aos arames ao ver-me desdobrar o jornal e sentar-me na poltrona: saltava para cima de mim, afastava o jornal e refastelava-se.

Percebia tudo e fazia-se entender de tal modo, que eu passei a dizer que tinha um cão que falava, só não escrevia. Quem o conhecia, esperava a todo o momento receber uma missiva escrita, de protesto ou de louvor, que ele não fazia por menos, quanto a quem com ele privava.

Tornou-se, não diria belo, pois não se transformou num cisne, mas num garboso, embora raquítico, nobre de antanho: empertigado e maniento, um verdadeiro D. Elias, um arquiduque da Porcalhota. Como um grão senhor, recusava-se a subir escadas. Postava-se no rés-do-chão, no início das escadas e obrigava-me a carregá-lo, até ao 3º andar, nada menos nada mais do que 56 íngremes degraus, feitos várias vezes ao dia, um autêntico calvário.

Era também um sedutor de gabarito. Nessas ocasiões tornava-se o D. Elias Casanova, fazendo primeiro a corte às donas, dias antes das suas bichanas entrarem no cio. Poucas lhe escaparam, tal a mestria do Arquiduque nos seus cerimoniais encantatórios. O pior eram os adversários, mas quanto a estes, a receita era infalível: como tinha uns dentes minúsculos, colocava-se de pé e ferrava cabeçadas, acompanhadas de um rosnar medonho, sabe-se lá vindo donde.

Era zeloso quanto à defesa do dono e ao mesmo tempo um sabichão. Não deixava que ninguém se aproximasse de mim, excepto se fossem senhoras e, pasmem, se elas estivessem arranjadas e perfumadas, queria colo. Esta característica comportamental foi inúmeras vezes presenciada pela vizinhança.

Eram tantas as manias do D. Elias que corro o risco de as considerarem meras fantasias, mas asseguro-vos que o arquiduque era mesmo assim.

Detestava a trela e obedecia-me, até ao atravessar a rua, sempre na passadeira. Um dia, sem aviso, atravessou-a a correr, atrás de uma cadela e morreu atropelado. A carrinha nem sequer parou.
Enterrei-o no meu jardim, num local com vista mar, suavizado pela brisa e abrigado do vento agreste da montanha, na companhia de uma bela e frondosa romãzeira, pouso de melros, pardais e pintassilgos. 

Jorge C. Chora
   11/12/19

domingo, 8 de dezembro de 2019

O REINO DOS GATOS




Ouvi ontem, no café, uma declaração de amor aos seus gatos, por parte de uma idosa senhora.  Tem seis, dá-lhes inteira liberdade no interior da sua casa. Louvou-lhes o asseio, a urbanidade, o convívio com os cães que também possui.

Lembrei-me de um amigo, já falecido, que superava em muito a paixão que esta velha senhora demonstra pelos seus animais. Chamava-se Victor este amigo e era professor, historiador, conferencista, escritor, para além de se dedicar a inúmeras outras atividades. Nutria uma profunda paixão por gatos e cães.

A bicharada era tratada com todo o carinho e respeito devido, a começar pelos nomes que lhes atribuía, não tivessem eles, sem excepção, nomes de reis e rainhas de Portugal.

Anexo à casa, havia um enorme gatil, onde os seus trinta e poucos habitantes, circulavam a seu belo prazer entre este espaço e a habitação, podendo optar pelo solário nos dias mais frios.

Cadeiras, sofás e poltronas, eram sítios ocupados, segundo as preferências de cada um.
Havia também uma velha cadela, cuja barriga servia de sofá a uma Dª Mafalda ou a um D. Afonso, já não me recordo bem, em plena harmonia e aconchego.

Naquele tempo já havia reis e rainhas de quatro patas, reinando em espaços proporcionados pelos donos, filhos e esposa do meu saudoso amigo Victor que também partilhavam entre eles um clima de afecto e bem-estar.

Jorge C. Chora
8/11/19

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

RUBOR



Adoro o teu rubor
e o intumescer
dos teus seios,
ao adivinhá-los acariciados
pelo meu olhar,
sem ninguém
se aperceber do nosso sentir.
Seduz-me a tua timidez
e os beijos reenviados,
ao descerrares as tuas pestanas
e nos teus olhos vislumbrar,
um pudico mas decidido sim,
às carícias do meu olhar.

JORGE C. CHORA
     5/12/19

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O DIA DAS BF'S



Deixou cair, sem querer, um pequeno papel, ao circular no meio das colegas da empresa. Uma delas deu com ele, apanhou-o e leu-o. Rezava assim: AMANHÃ É DIA DE BF.

O papel passou de secretária em secretária e a interpretação unânime foi a de que a sigla “bf” trazia água no bico.

Olharam a colega mais velha de viés, e os juízos de valor, tendo em conta a sua idade menos jovem e o facto de nunca terem visto qualquer comportamento menos próprio, materializaram-se numa avaliação condenatória: Qual santa qual carapuça, uma "diaba" de alto lá com ela!

Espevitada a curiosidade, no dia seguinte foi designada uma colega para a seguir. À hora do almoço, cumprindo a missão para que fora nomeada, a senhora foi vigiada de perto e sem levantar suspeitas. Entrou e saiu de vários estabelecimentos e trouxe um pequeno saco, com que entrou num museu e tornou a sair por outra porta.

A detective perdeu-a. À porta de um restaurante, esperava pela velha senhora um amigo de infância que com ela partilhava o gosto pela bf’s. Após os cumprimentos da praxe e da senhora lhe ter dado a encomenda por ele feita, entraram e o amigo perguntou à cozinheira Aurora:

-O almoço está pronto?

-Claro, as batatas acabaram de ser fritas!

-Sabe que adoramos as suas bf’s?

-Claro que sei… respondeu-lhe Aurora.

A seguir ao almoço, a detective de serviço, relatou o fracasso da sua missão, concluindo: ela é sabida de mais para se deixar apanhar!

Jorge C. Chora
     4/12/19

sábado, 30 de novembro de 2019

JUSTIÇA CANINA



O casal sentou-se a ler os jornais do dia, numa confortável sala de uma junta de freguesia. Ela optou pela poltrona e ele sentou-se, a seu lado, mas num sofá de dois lugares.
O sossego e o ambiente de silêncio não opressivo, criavam um bem-estar natural, adverso a snobismos e propício ao que o casal procurava: passar algum tempo de qualidade antes do almoço.
Vozes altas, num diálogo audível em todo o espaço, rasgaram o silêncio e impingiram a todos os presentes, assuntos que, à partida, nada lhes interessavam.
No sofá de dois lugares, atirou-se para o espaço vago, um homem de meia idade, bem vestido e trombudo, sem dizer sequer “ bom dia”. Desfolhou revistas e jornais, afivelando uma máscara seráfica, até que deixou cair uma série de folhas da revista que lia ou fingia ler.
As folhas espalharam-se no chão. A senhora levantou-se, apanhou-as e deu-lhas. O homem continuou a ler, não as recolheu, nem sequer se dignou a agradecer o gesto. A senhora pousou as folhas no sofá, no lugar do seu marido que tinha ido arrumar os jornais.
À saída, quando o homúnculo acabara de transpor as portas, um cão sarnento rosnou-lhe, alçou a perna e urinou-lhe as calças enquanto ele, trémulo, lhe dizia:
-“Tadinho”… “tadinho”…estavas cheio de vontade de fazer chichi…
E o cão sarnento, continuou a sua tarefa, até lhe deixar as calças a pingar.
E a senhora, contendo o riso, consolou-o:
-Não se envergonhe, a incontinência urinária pode atingir qualquer um…

Jorge C. Chora

30/11/19

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

AMIGO VENTO



O vento é meu amigo,
ao ouvido me fez chegar
o amor por ela declarado.
Pedi-lhe o favor,
da declaração lhe retribuir,
e o vento assim fez:
soprou-lhe numa carícia,
todo o meu amor
e a resposta, tornou a dá-la o vento
num pequeno tufão,
trazendo-a para meus braços,
para eu nunca, mas nunca mais
a soltar.
O vento é meu amigo,
pois ao ouvido me fez chegar,
 o amor a meus braços.

Jorge C. Chora
28/11/19

terça-feira, 26 de novembro de 2019

MANEQUIM



Extasio-me ao olhar-te,
derrapam-me os olhos
na curva das tuas ancas,
sinto vertigens
ao ver-te mexer
as tuas longas pernas,
perco-me nas maçãs
do teu rosto,
na sensualidade dos teus gestos.
Imagino-me um Pavarotti cantando,
não a Mannon, mas a ti, deusa intemporal:
“DONNA NON VIDI MAI, SIMILE A QUESTA” e
eis senão quando, já desperto,
caio em mim e reparo,
na ausência de cheiro e sabor
atributos de uma simples manequim.

Jorge C. Chora
26/11/19

sábado, 23 de novembro de 2019

O TEU BEIJAR



O teu beijar é
uma ascensão ao céu,
cada beijo um degrau,
tomara nunca lá chegar,
trepar sem nunca o alcançar,
saborear o teu beijar,
usufruir o céu
ainda sem o alcançar,
trepar, trepar,
gozá-lo mesmo
antes de lá chegar.

Jorge C. Chora
23/11/19

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A ANDORINHA QUE NUNCA QUIS DEIXAR DE VOAR


             
 A andorinha deu por concluído o ninho mas abandonou-o dois dias depois. Perguntaram-lhe porque abandonava a casa, após ter tido tanto trabalho.

-Porque me informaram de que aqui não é permitido voar!

-Mas … e o trabalho que tiveste a construir a tua casa! Aqui não te falta nada, do sol ao alimento…

E a andorinha respondeu:

-Como poderia eu ensinar os meus futuros filhos a voar?

-De nada disso precisas. Dão-te tudo! -exclamaram os pássaros vizinhos.

- E no dia em que te retirarem o que te deram?

-Isso nunca acontecerá… - disseram um pouco agastados os presentes.

-Pois é… se já vos retiraram a liberdade de voar e vocês deixaram, tirar-vos-ão tudo o que quiserem …
-Então voaremos para outro local… - responderam de imediato.

-Como, se ninguém sabe voar?

Jorge C. Chora 

21/11/19

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

D. PRECIOSA E A SUA ETERNA DOR DE DENTES



De boina e bengala, Salvador Ferreira, vai debitando histórias e quadras políticas d’outrora, encostado ao balcão do café de Artur Vaz, na Amadora.
Nasceu numa aldeia, gosta e anseia há muito tornar a viver numa. Recorda figuras de antanho, quando ainda era menino e veio-lhe à memória a veneranda figura de D. Preciosa. Sempre de preto vestida, embrulhada em lenços e xailes, tinha a particularidade de segurar, em permanência, uma ponta do mesmo em frente à boca.
Condoía-se o jovem Salvador, da alegada e eterna dor de dentes apregoada por D. Preciosa.
Cresceu e um dia, seu pai, desvendou o verdadeiro segredo da ponta do xaile:

-Qual dor de dentes! Ela é devota do tinto! Aquilo é para não tresandar a vinho, para ocultar o bafo…

E a desculpa piedosa e conveniente da dor de dentes esfumou-se, não tendo Salvador notícia sobre a estratégias adoptadas pela fã do pipo, para continuar a usufruir do néctar sem alegar a sua eterna dor…

Coisas de terras pequenas…tudo se sabe, mesmo aquilo que não se quer que se saiba! Nem uma dor de dentes se podia alegar em paz e sossego!

Jorge C. Chora
19/11/19

sábado, 16 de novembro de 2019

D'OIRO FEITA


D’oiro são,
tuas mãos e pensar,
ricos tesouros serão,
se d´oiro
for o teu coração;
serás então,
mulher inteira,
ouro de lei,
um ser de excepção.

Jorge C. Chora
16/11/19

terça-feira, 12 de novembro de 2019

DADO E ARREGAÇADO



Por entre mesas e cadeiras, o homem ziguezagueava com uma perícia inigualável ao desviar-se dos obstáculos. O motivo era só um: pedinchar tabaco ou uma moedinha.
Não falhava um dia que fosse e pedia sempre do mesmo modo:

- Dá-me um cigarrinho?

- Mas eu já te dei ontem! E para além disso, raramente te vejo a fumar! -respondiam alguns.
A resposta estava engatilhada:

-Amanhã juro que não lhe peço…  não me vê a fumar porque eu poupo para dar para o dia inteiro.

Caso a lengalenga não pegasse, saltava outro pedido:

-Então vá…uma moedinha para tomar um café…

Feita a colheita, desaparecia e ninguém sabia o rumo que tomava. Um belo dia, uma vítima diária dos seus peditórios, encontrou-o numa cidade próxima, numa rua esconsa e de má fama. Estava sentado num caixote, tendo a seu lado, no chão, cigarros expostos em cima de um pano. Encostado à parede, havia um cartaz de cartão canelado com o seguinte aviso:

                                        CIGARROS AVULSO. 0,40 A UNIDADE

A um cliente que pretendia comprar-lhe um cigarro por 10 cêntimos, a resposta foi imediata:

- Queres dado e arregaçado? Isto não cai do céu!

E quando perguntaram, a quem contou a cena, o que fazia naquela rua mal-afamada, apressou-se a justificar:

-Fui dar-lhe uma moedinha, pois hoje ele não foi ao café!

Jorge C. Chora
12/11/19

sábado, 9 de novembro de 2019

A SENHORA DO Ó



Ó é espanto,
vogal e encanto,
vida renovada,
fruto abençoado do ventre de Maria,
gravidez amada,
por todos testemunhada,
recebida com festejos e ós de alegria.

Jorge C. Chora

      9/11/19

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

À MULHER-SEMPRE-MENINA




Para ti mulher,       
outrora menina,
se não deixaste
de te maravilhar
e escutar o Mundo,
nem perdeste a capacidade
dele te enamorar,
mereces chamar-te
a sempre-mulher-menina
e ser amada tal qual como és.

Jorge C. Chora
     6/11/19

terça-feira, 5 de novembro de 2019

A CAIXA DE PARAFUSOS




Sentava-se todos os dias, à esquina do jardim, num banco de ferro forjado que ali existia. Ninguém sabia ao certo desde quando ele para ali fora. As pessoas tinham a sensação de o terem sempre visto naquele local.
Chegava por volta das oito da manhã e trazia uma caixa de madeira que depositava no chão, à sua frente.
Raro era o transeunte que não conhecesse. Sabia-lhes os nomes, as profissões, a morada e os hábitos.
Após breves diálogos, mantidos com quem passava, abria por vezes a caixa, retirava um parafuso e oferecia-o ao seu interlocutor, utilizando sempre a mesma expressão:
- Desejo-lhe as melhoras…
Neste momento ofertava a prenda ao dono de um café, que se habituara a dar a mesma resposta a quem lhe perguntava se os bolos eram frescos: estão frescos, estão no frigorífico -e impingia-os já com dois e três dias de existência.
Logo a seguir, a um senhor que falava de assuntos que lhe eram desconhecidos, criticando-os como se fosse um entendido, deu-lhe dois parafusos, acrescentando um desejo:
-As duplas melhoras…
Tantas ofertas fez que um dia, alguém que tinha acabado de receber a prenda do costume, se enxofrou:
-E não se oferece a si próprio um parafuso que lhe falta?
-Claro que sim! Para onde julga que vão os parafusos que sobram ao fim do dia?

Jorge C. Chora
5/11/19

sábado, 2 de novembro de 2019

O MARINHEIRO HIRSUTO



 Um velho marinheiro tinha uma barba tão grande que lhe chegava ao peito. Ela estava tão branca que se confundia com um floco de neve.
Estava sempre rodeado de alguns filhos, netos, bisnetos e outros que se diziam pertencentes à família, embora ele achasse que não os conhecia de nenhures. Tratava-os, no entanto, todos bem
Adorava contar histórias, umas verdadeiras e outras nem tanto. Numa manhã nublada, bem rodeado como de costume, um ébrio malcheiroso, cambaleando, aproximou-se do grupo que o rodeava, tendo estes tentado afastá-lo.
O marinheiro pediu-lhes que o deixassem aproximar-se. Mal o intruso deles se acercou, perguntou, de um modo agressivo e insolente:

-Ó pá, porque usas essa barba até ao peito? Ela serve para quê?

De modo paciente, o velho marinheiro retorquiu-lhe:

-Amigo, esta barba que aqui vês, já me salvou a vida e aos meus companheiros também, por diversas vezes. Em dias de temporal, os cabos de atracação do navio ao cais perdiam-se, e eu tinha de lançar as minhas barbas para os substituir…

E o alcoolizado, oscilando, replicou, mastigando as palavras:

-Seu aldrabão das dúzias, como é que as tuas barbas, tão pequenas. substituíam os cabos do cais!?

E a criançada que cercava o velho marinheiro, gritou, abespinhada e em uníssono:

-Não vês que as suas barbas, quando era novo, eram bem maiores e chegavam ao cais com a maior facilidade?

Jorge C. Chora
2/11/19

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

O DESEJO



O desejo é um rodopiar
semelhante ao das abelhas
em torno das flores,
um debicar constante,
uma sofreguidão pelo mel dos lábios
e do perfume do corpo,
um arfar repleto da vontade do outro,
um ansiar incondicional,
uma intolerância à ausência,
um querer sempre mais…
uma eterna lua de mel.

Jorge C. Chora
31/10/19


domingo, 27 de outubro de 2019

AVE DE ARRIBAÇÃO



Mulher desnuda
de lindos pés
e bela figura,
no verão esvoaças
quando na praça
passas.
Quem nos dera
verões eternos
com a tua fugaz
presença,
quando na praça esvoaças
com os teus lindos pés
e bela figura.

Jorge C. Chora
27/10/19

sábado, 26 de outubro de 2019

O SEGREDO DO A.V.S.P.


                                            
Mal acabava os orçamentos discriminados, apressava-se a registar no fim mais um item: A.V.S.P.
Um belo dia, um dos clientes a que se destinava o orçamento, que era seu amigo, intrigado há muito com o significado da sigla, perguntou-lhe:

- Olha lá… estou há muito para te perguntar o que significa a sigla nos orçamentos que me envias….

-O nosso homem, deu uma gargalhada e respondeu-lhe:

-Só te digo se prometeres não te aborrecer…

-Deixa-te disso, somos amigos…

-Então lá vai a explicação. A.V.S.P. significa, muito simplesmente: A ver se pega! – descodificou o orçamentista.

Riu-se o cliente e amigo e passou, nas respostas que enviava ao orçamentista, a assinar com a sigla N.R.P.

Não querendo dar parte de fraco, durante muito tempo o orçamentista refreou a curiosidade, até que lhe perguntou:

- Afinal o que significa a tua sigla?

-Faço-te o mesmo pedido que me fizeste. Não te aborreças comigo…

-Somos amigos…

-Então lá vai. N.R.P. significa, muito simplesmente: Na real peida!

Ambos chegariam longe nas suas carreiras e os seus truques e boa disposição marcavam o seu dia a dia.
O orçamentista chegou a diretor - geral. Recebia clientes estrangeiros e querendo impressioná-los, dava uma volta pelos arredores da cidade e ao cruzar-se com uma grande parte dos condutores, ele retribuía os acenos que eles lhe faziam.

Intrigados com os inúmeros cumprimentos, os visitantes questionavam-no, ao que ele de modo afável e descontraído, respondia:

-São amigos. Muitos deles antigos clientes…

O ratão, fazia sinais de luzes e recebia dos outros condutores, o agradecimento pelo aviso e limitava-se a retribuir o aceno.

No início da década de setenta, este ambiente foi possível.

Jorge C. Chora
26/10/19

sábado, 19 de outubro de 2019

BOM DIA



Ao dizer-te
bom dia,
quero mesmo
desejar-te um dia bom,
muito bom,
um pleno bom dia,
bem à tua medida.
E para eliminar
qualquer ruído na comunicação,
passo a juntar um beijo aos bons dias,
e se me deixares,
a dar-to ao longo do dia,
antes, durante e após os bons dias.

Jorge C. Chora
19/10/19

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

PÉ ANTE PÉ



Quero nada
de tudo o que aí há!
Talvez uma coisinha…
um simples nadinha de nada
e mais nada quero,
senão um nadinha de nada,
umas simples coisinhas,
de tudo o que aí há!

JORGE C. CHORA
16/10/19

domingo, 13 de outubro de 2019

O GATO E O CHARNECO


Surpreende-me o atrevimento de alguns pássaros, nomeadamente dos pardais. Afoitos, surripiam o alimento aos pombos e às gaivotas, infiltrando-se no seio dos bandos, escapulindo ilesos aos bicos dos lesados.

Saltitando às nossas mesas nas esplanadas, fingindo nada querer, ei-los que partem com o nosso pedaço de pão ou com outro acepipe qualquer, sem que tenhamos tempo de reagir.

Embora os pombos e as gaivotas façam o mesmo, a surpresa não é total pois é esperada e estamos de atalaia. Já com os enfezados pardais, pelo menos comigo é assim, o seu descaramento é de tal modo desavergonhado que me apanham desprevenido.

Acho graça aos pardais. Os seus comportamentos associam o descaramento/atrevimento à coragem, porque não são isentos de risco. As suas acções implicam muitas vezes a possibilidade de não serem bem sucedidas,  mas não deixam de ser feitas. Sobrevivência? Sem dúvida! Mas nada me custa a crer que exista uma aliança entre a curiosidade e o gosto pelo perigo, uma coragem à flor das penas.

Vem isto a propósito de uma cena que presenciei, há uns meses, entre um gato e um charneco. Num chão de folhas de eucalipto, estavam dois charnecos e bem próximo um gato preto. Um terceiro charneco, maior dos que estavam no solo, ao ver o gato aproximar-se, atirou-se num voo picado ao felino. O gato desviou-se duas ou três vezes e acabou por se retirar, vigiado de perto pelo charneco. Sobrevivência? De certeza! Coragem? Sem qualquer dúvida!

Acredito que o descaramento/atrevimento/sobrevivência, tenha a coragem como um aliado de peso, pelo menos nos pássaros e na bicharada em geral, e por que não, no “bicho” Homem  também?

JORGE C. CHORA
13/10/19

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

SE EU PUDESSE...



Se pudesse dar-te a lua,
não mais terias noites escuras,
tê-las-ias claras e seguras
e ver-te-ia sempre,
só com o teu trajo de pele e luar
tecido pela amiga lua.
Ah se eu pudesse dar-te a lua
não mais terias noites escuras!
Ver-te-ia todos os dias,
só com o teu trajo de pele e luar.

JORGE C. CHORA
4/10/19

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

SUSSURROS



 Sussurra-me a brisa,
a um ritmo cadenciado,
aconchegos d’alma quer no inverno ou no verão,
tendo-os também na primavera e outono.
Benditos sussurros,
em bailados encantados,
pela brisa embalados,
sussurrando-me a um ritmo cadenciado,
aconchegos d’alma e boas novas,
quer de inverno ou de verão,
sem esquecer
o som da queda das folhas
ou o despontar do riso na primavera.

JORGE C. CHORA
     2/10/19




terça-feira, 24 de setembro de 2019

À MINHA DEUSA



Deusa d’ouro feita,
se deusa não fosses,
quem mais poderia sê-lo,
senão tu,
senhora minha,
de pura alma,
d’ouro feita?

JORGE C. CHORA
24/9/19


domingo, 22 de setembro de 2019

A DONA E OS FÓSFOROS


A dona estremece,
perdeu os fósforos,
tem calafrios,
e ela sem lume
com frio fica.
Busca e rebusca,
mas quanto a fumegar,
nem pensar,
só quando os encontrar.
Ei-la a acalmar,
está a fumegar,
após insana refrega
encontrou os fósforos
na sua carteira,
idêntica a um baú,
semelhante ao
de todas as donas.
Sorri e atira-os
de novo para a confusão
e diz:
- Enquanto te procuro,
evito fumar!

Jorge C. Chora
    18/9/19

sábado, 14 de setembro de 2019

OS DONOS DO BALANÇÉ


Seis jovens surgiram no parque, transportando uma tábua.  Acercaram-se do balancé, encaixaram a tábua no aparelho. Sentaram-se, um em cada topo e deram início ao balancear, para cima e para baixo.

Os dois primeiros foram substituídos pelos dois seguintes e quando se fartaram, deram lugar ao par sobrante. Cansados do usufruto do aparelho, retiraram a tábua, colocaram-na debaixo do braço e, abandonaram o parque sob o olhar espantado dos que tinham formado fila para andar naquele aparelho e ficaram a ver navios.

Tantas vezes viu o velho António suceder o esquema, que à terceira semana, colocou, à porta do parque, uma tábua sua, que encaixava no balancé, com os seguintes dizeres:

        ALUGA-SE UMA TÁBUA DE BALANCÉ PARA ANDAR NESTE PARQUE. SÓ UM EURO.

No dia seguinte, os seis transportadores da tábua, colocaram outro anúncio. que rezava assim:

        A NOSSA TÁBUA PARA ANDAREM NO BANÇÉ. CUSTA SÓ 50 CÊNTIMOS.

Dois dias depois havia um só anúncio:

        O ALUGUER DA TÁBUA PARA ANDAREM NO BALANCÉ CUSTA SÓ UM EURO E CINQUENTA.

Ao fim do dia, os seis larápios originais passavam em casa do velho e sabido trapaceiro e recebiam um euro por cada aluguer, ficando ele com os restantes cinquenta cêntimos.

O negócio é tão lucrativo que António e os seus parceiros, estão a pensar em legalizá-lo no âmbito da complementaridade dos serviços públicos.

Jorge C. Chora
14/9/19

terça-feira, 10 de setembro de 2019

O CALOR DAS SUAS MÃOS




Os afagos
das suas mãos saídos,
não são grandes nem pequenos,
são bênçãos divinas,
prodigalizadas um ao outro,
do tamanho do amor,
por ambos sentido e merecido.

Jorge C. Chora
10/9/19

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

BEIJOS COM REMETENTE




Na palma da minha
mão
está o beijo
por ti enviado,
vou juntar o meu
ao teu,
soprá-lo
e esperar
pela retribuição.
Criarei
um vai e vem
de sopros e beijos
e chegará o dia de,
em vez de o soprar,
poder
dar-to na palma da tua mão.



Jorge C. Chora
       4/9/19

segunda-feira, 2 de setembro de 2019

SINA DE EMIGRANTES



Regressar à terra
onde deles
saudades têm,
tantas quanto
eles sentem,
é sina de emigrantes,
de seres amados e amantes,
das gentes e das terras
onde deles saudades sentem,
tantas quantos eles têm.


Jorge C. Chora
   2/9/19


sábado, 31 de agosto de 2019

O COPO DO SAPATEIRO



Colocou duas meias solas e os segundos pareceram-lhe minutos e estes assemelharam-se a horas: o tempo demorava a passar. A última hora de trabalho estava a ser insuportável.
Imaginou os compinchas, abancados na taberna a dessedentarem-se. Em quantas rodadas já iriam?  Pelo menos quatro, talvez mais, calculou.

A sua agitação ia crescendo. Agora estariam a fazer uma pausa e a comer uns nacos de pão, com umas lascas de presunto. O sapateiro, sem querer, babou-se. Maldita hora que não passava!

Pegou no relógio com receio de que ele se tivesse avariado. Alarme falso. Trabalhava e ouvia-se bem, após o cessar das marteladas nas meias solas, o tique-taque vagaroso dos segundos.

Mal soou a hora de saída, levantou-se e, numa correria desenfreada, dirigiu-se ao armário perto da porta e foi buscar um grande copo.

Ao chegar à taberna, gritou logo à entrada:

-Em que rodada vão?

Apurado o número, ordenou ao compadre taberneiro:

-Enche-o de modo a recuperar o atraso que tenho.

Ao acabarem o convívio, o sapateiro pediu ao compadre, que lhe guardasse o copo recuperador e procedesse, de futuro, como tinha feito, de modo a que ele não perdesse as rodadas.

A partir deste histórico dia, nunca mais o sapateiro se preocupou com o ritmo das horas, minutos e segundos do seu vagaroso relógio.

Jorge C. Chora
31/8/19

domingo, 25 de agosto de 2019

A MINHA VIOLA



Tenho uma viola sem cordas,
e nela toco o que na gana me dá.
As músicas que nela componho,
a todos se destinam,
escutem-nas como entenderem,
recebam-nas como quiserem,
elas viajam à boleia de uma nuvem,
repleta de sorrisos e boa vontade.
Ai quem me dera saber tocar viola,
encantar-vos mesmo contra vontade,
prescindir da boleia de uma nuvem
repleta de sorrisos e boa vontade,
e caminhar ao ritmo de acordes
de uma viola com cordas.
         Jorge C.  Chora
            25/8/19


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O JACUZZI



Durante semanas a cobiça cresceu de um modo inusitado entre os funcionários. Ia ser sorteada uma viagem de sonho, uma única, com tudo incluído.

Idealizaram os itinerários, pesquisaram os locais a visitar e aqueles que há anos desejavam conhecer. Contaram os dias e alimentaram a secreta esperança de serem eles a ganhar.

Foi um habitual felizardo da empresa a beneficiar do sorteio. Sucederam-se manobras várias no sentido de conseguirem trocas por outras férias, empréstimos gratuitos de casas na praia… mas tudo em vão.

Partiu o homem para o ambicionado périplo. Nunca deu qualquer notícia sobre o decurso da aventura enquanto ela decorreu.

No dia em que regressou ao serviço, foi bombardeado:

-Como correu a viagem? 

-De que é que gostaste mais?

-Adoraste ou não … -E enumeravam os monumentos que só conheciam dos filmes e revistas.

Depois de muito rogado, dignou-se responder:

-Adorei o jacuzzi de bordo. Praticamente não saí do navio…

Jorge C. Chora
19/8/19

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

POIS É !


    
Grande é tudo
quando pequeno se é,
ao crescermos tudo se reduz,
excepto a grandeza dos maiores
e a nobreza de alguns pequenos.

    Jorge C. Chora
       16/8/19

terça-feira, 13 de agosto de 2019

BAILARINA



No vai e vem
das tuas ancas,
nasce o mundo e a poesia.
O rodopio é promessa
de descobertas,
desejo a cumprir,
sonho de um devir.
Ó minha bailarina, o teu ondular,
deixa-me de cabeça perdida,
e eu, confesso, adoro perdê-la
no teu serpentear,
pois no vai e vem
das tuas ancas,
nasce o mundo e a poesia.

JORGE C. CHORA
13/8/19

domingo, 11 de agosto de 2019

COIMBRA


Das praças
aos cantos,
abundam recantos,
doces encantos,
belas histórias
pelo Mondego bordadas,
em suaves navegações
rio acima, rio abaixo,
ouvindo fados de antanho
a bordo do Basófias embalados.

    Jorge C. Chora
       11/8/19

sábado, 27 de julho de 2019

AO MEU AMOR


     
 Tens caminhado comigo
e dourado o nosso caminho,
sendo fácil
percorrê-lo contigo.
Mesmo entre ralhos,
percebe-se o cuidado,
um pelo outro sentido
e o amor por nós vivido.

Jorge C. Chora
27/7/19

quarta-feira, 24 de julho de 2019

O BORIS DA ERICEIRA


                                                               
 Boris vivia na Ericeira e atraía a atenção de todos: crianças, adultos, moradores e não residentes, nacionais e estrangeiros.

Tinha um ar divertido, simpático, bolachudo, sociável e abobalhado. Aceitava palavras, festas e louvores, assim como caras feias, com a bonomia de um “entertainer” profissional.

Cumpria a rigor o seu papel de mestre de cerimónias, atraindo ao negócio o maior número de visitantes. Habitava duas casas, sendo uma no exterior e outra no interior da loja. onde se recolhia amiúde quando não havia espectadores: não trabalhava sem eles.

O Boris morreu e não houve quem não desse pelo facto. Rei morto rei posto, sucedeu-lhe o filho, tão preguiçoso e abobalhado quanto o grande Boris seu pai.

O novo Boris aposta na sua aparência excêntrica e no seu feitio camaleónico, de parecer mau sem nunca mostrar os dentes, excepto se for para as fotografias e tiver algo a lucrar com isso.

Jorge C. Chora
24/7/19

terça-feira, 23 de julho de 2019

VILA DE REI




Cai a noite
em pleno dia,
calam-se os cantos
e a alegria dos encantos,
em pleno dia.
Calam-se os cantos
e encantos
dos cantos dos pássaros  
em pleno dia,
sufocados pelo negrume
e fumo da asfixia,
pelo braseiro de inteiros dias,
do desencanto do fim
da magia das florestas
e da impotência das Ave-  Marias.

Jorge C. Chora
23/7/19

terça-feira, 16 de julho de 2019

NOITES DE LUAR



Quando a lua
te confessa os seus
segredos,
e tu lhe contas
os teus,
as noites de luar,
desvendam-lhe a face
e revelam-na enamorada.

JORGE C. CHORA
16/7/19

sexta-feira, 12 de julho de 2019

NEM FEIOS NEM AXINS,OUTRORA ERA ASSIM



A falar axim
e feios assim,
ouviam atchins
em vez de sins.

Disse sim
ou nim?
Se dissesse sim,
e deixasse o axim
podia ser sim.

Aprendeu o sim,
deixou o axim
mas, feio assim?
antes o axim.

Só com padrinhos ricos,
casos assim,
feios e axins
passavam a ouvir sins.

Jorge C. Chora
12/7/19

quinta-feira, 11 de julho de 2019

A LIBERDADE DAS ROSAS



No país das Rosas,
beleza e aromas
elogiadas sempre foram.
É altura de se libertarem
e mostrarem realmente
o muito que valem,
para além da beleza e aromas,
cujo valor lhes quiseram
atribuir como principais,
senão únicos apanágios..

Jorge C. Chora
11/7/19

sexta-feira, 5 de julho de 2019

A MINHA FLOR




No parapeito
da minha janela,
habita uma flor
que me sorri,
como se todos os dias
fossem de primavera.
Duas palavrinhas
e uma gotinha de água,
asseguram-nos,
a mim e a ela,
eternas manhãs primaveris.

Jorge C. Chora
5/7/2019

quarta-feira, 3 de julho de 2019

TRAGO NO PEITO


Trago no peito
a alegria de te amar
e saber-te,
tal como eu,
com o gosto
de a trazer,
pelo teu sentir por mim.

Jorge C. Chora 

3/7/19

terça-feira, 2 de julho de 2019

OS SALTA-POCINHAS DA ESTAÇÃO DA CP NA AMADORA E NÃO SÓ


                      
Presenciei a capacidade atlética de um casal ainda jovem, ao sentarem-se, num só impulso, no topo das barras laterais das cancelas automáticas, de acesso às plataformas da estação. De seguida, colocaram-se em pé e passaram por cima das cancelas, com a maior facilidade. 

Transpostas as barreiras, saltaram para o chão, subiram as escadas no sentido de Sintra, devagar, devagarinho, seguros de si, gozando a gratuitidade da sua viagem.

Já vi noutras estações, muitos” penetras” forçando as entradas, mas nenhum com esta elegância e sem nada estragarem.

Os salta-pocinhas que vi, não pareciam propriamente desfavorecidos, muito menos oriundos de bairros periféricos ou artistas pobres, necessitados de transporte, a caminho do seu ganha-pão. Ainda que assim fosse, não se aceitava este comportamento, embora se percebesse a artimanha e a necessidade de a ela recorrer.

Jorge C. Chora
2/6/19

domingo, 30 de junho de 2019

A MENINA BEATRIZ COSTA E O AMADORENSE ANTÓNIO MIGUEL COSTA DA SILVA




A artista viveu durante décadas no Hotel Tivoli em Lisboa. Conforto e carinho não lhe faltaram. O senhor António Miguel Costa da Silva, nascido em Lisboa, mas residente na Amadora há longa data, trabalhava na manutenção do hotel, nomeadamente como electricista e teve a oportunidade de com ela privar durante dezasseis anos. Miguel Silva recorda-se com saudade da menina Beatriz.

A menina Beatriz Costa, como gostava de ser chamada, contava com as suas atenções profissionais, assim como das de sua esposa, D. Maria do Céu, uma das duas floristas do hotel, durante 40 anos, nesse mesmo local de trabalho.

Quando a menina Beatriz necessitava dos seus serviços, chamava-o. O sr. Miguel Silva recorda-se de uma ocasião, pela duas da manhã, a artista aflita ter recorrido aos seus serviços, em virtude de numa mala ter um casaco que não podia estar mais de duas horas, sem estar no frio. Era preciso abrir a mala, cuja fechadura viera danificada de Espanha. Com toda a boa vontade, Miguel Costa ia resolvendo as situações.

A menina Beatriz não se esqueceu de quem a ajudava e considerava. No seu livro  ”Eles e  Elas…”na página 104 grafou, a propósito das ajudas que recebia, na reparação do que ia necessitando ”… Miguel e Ventura (chefe do sr. Miguel) “ e fica tudo na mesma, como foi inaugurado...” 

Jorge C. Chora 

30/6/19




quinta-feira, 27 de junho de 2019

NUNCA OUVI NA AMADORA RESPOSTAS ASSIM


                       

Há respostas que todos devemos evitar dar a quem de boa fé, nos pergunta alguma coisa, nomeadamente uma simples informação, se as pessoas desconhecem a cidade ou a localidade onde se encontram.

Elas afastam e dão uma péssima impressão, não só da pessoa que responde ou finge responder, como também das pessoas da terra onde estamos pois, embora não devamos generalizar, é quase inevitável fazê-lo.

Vem isto a propósito de algumas experiências desagradáveis que me aconteceram, há dias, numa viagem ao Alentejo.

Em Évora, perguntei a um habitante local, que direcção deveria tomar para ir ao recinto da feira de S. João. Estávamos no dia 20 Junho.

Num tom de voz bem alto e muito aborrecido, respondeu-me que ela se realizava só a 24 de Junho. Disse-lhe que a vira estar a ser montada, ao passar de carro, mas a pé, não sabia qual o caminho a tomar. Afastou-se, não sem que antes tornasse a dizer que era só a 24. Acabei por descobrir que bastava descer uma rua à esquerda do local onde me encontrava. A feira abriu a 21.

Em Arraiolos, perguntei qual o caminho a seguir para ir a duas localidades nos arredores:

-Sempre em frente!

Foi com surpresa que descobri que era ao contrário, ao perguntar a um transeunte bem mais simpático.

Respostas como estas desqualificam quem as dá e o pior, podem dar azo a que se confunda a árvore com a floresta, em terras que afinal estão recheadas de gente boa.

Na nossa cidade da Amadora nunca vi ninguém dar este tipo de respostas ou a mostrar enfado a quem desconhece a cidade e procura algo. Espero sinceramente nunca ver.

Jorge C. Chora

     27/6/19

sábado, 22 de junho de 2019

VALDEVINO



Recebeu bênçãos
e sacramentos,
queriam-no cristão.
Quem o abençoou
nunca sonhou
que se tornasse,
fadista e cortesão,
num senhor
com uma corte pagã,
em suma,
num valdevino.
Assim o classificam
as bruxas e adivinhos
que não tiveram a mínima razão,
porque se tornou fadista e bom cristão.

Jorge C. Chora
22/6/19

terça-feira, 18 de junho de 2019

MORO NO TEU PEITO



Moras no meu peito
tal como eu no teu,
somos cativos um do outro
como se tivéssemos o mesmo coração,
 embora saibamos serem dois
 a bater ao ritmo de um só.

Jorge C. Chora 

  18/6/19

sábado, 15 de junho de 2019


   ALGUNS DESENRASCANÇOS DA BUROCRACIA ECLESIÁSTICA
                                          O EPISÓDIO DA GALINHA  

Profissionais das mais diversas profissões, adoptam estratégias variadas para denunciar algo que se passou e não querem deixar em brancas nuvens, principalmente tratando-se de dívidas.
Chegou-me às mãos um registo paroquial, deveras curioso, cedido por uma historiadora que se dedica às investigações paroquiais.
Este registo de batismo, de Vila Mendo, freguesia de Vila Fernando da Guarda, datado do século XVIII, após registar, de acordo com a época e as fórmulas eclesiásticas em vigor, tudo o que era de lei, faz questão de dar uma informação de que este acto não fora pago. Na margem esquerda do registo paroquial, acrescenta-lhe o padre cura a informação: deve uma galinha.
Ora tomem: se o serviço tem preço, é preciso que seja honrado, independentemente do grau de pobreza de quem o solicitou. Aí está o libelo eterno de quem faltou aos seus deveres, sem apelo nem agravo, aos olhos dos vindouros: DEVE UMA GALINHA. 

                                                    AFINAL RESSUSCITOU

Noutro registo, também do século XVIII, em Mesquitela, Mangualde, foi feito um registo de batismo .
Cerca de dois anos mais tarde, na margem esquerda do documento, acrescenta-se a data do seu falecimento e logo a seguir, a menção: Ainda está vivo, ressuscitou.
Actualização constante, poupança de registos, emendas imediatas, correcção de erros?
Conclui-se ser mais um desenrascanço eclesiástico .Tudo está bem quando acaba bem: afinal  tratou-se de uma ressurreição!

Jorge C. Chora
15/6/19



quarta-feira, 12 de junho de 2019

BEIJOS DE UMA SÓ COR




Os beijos de
uma só cor,
azuis ou amarelos,
não têm sabor,
porque os recheados de amor,
são como o arco-íris:
repletos de cores,
com cheiro a manjerico,
e dados com as bênçãos
de Stº. António.

Jorge C. Chora 

12/6/19

sexta-feira, 7 de junho de 2019

BOM DIA


    
Acordar e ver-te,
ser o primeiro
a desejar-te um bom dia,
sem falhar um único dia,
é saber-me vivo e bem acompanhado,
ter com quem partilhar
e bochechas beijar.
É muito bom acordar
e ser o primeiro a
desejar-te bom dia,
logo ao nascer de um novo e grande dia,
sem falhar um único dia.

Jorge C. Chora
7/6/19


quarta-feira, 5 de junho de 2019

AMÊNDOA DOCE



A tua cara é uma 
amêndoa açucarada,
redonda e doce,
aos amigos ofertada.
Aos antipáticos,
nem sempre lhes
mostras o merecido fel,
o caroço amargo,
continuas a apresentar-lhes
a tua face de amêndoa
doce e redonda,
incapaz de destilar fel,
amiga de amor e mel.

JORGE C. CHORA
5/6/19



sábado, 1 de junho de 2019

O AZUCRINADOR



Nasceu de olhos abertos. Quando a fome apertava, berrava em vez de chorar. À mãe secou-se-lhe o leite, mas isso não o impediu de ter a alimentação de modo atempado.

Aprendeu ou já vinha programado, a apontar o biberão e a emitir sinais sonoros, de tal forma audíveis e irritantes, que primeiro tinha de ser atendido ou o berçário entrava em polvorosa.

Cresceu e alcançou a idade adulta num ápice.

Escolheu a música como meio de sobreviver mas recusou-se a aprendê-la. Não esteve para isso.
Ganha a vida num ponto estratégico da cidade. Toca com tal desafinação que ninguém, em juízo perfeito, deseja escutá-lo. Não há quem recuse dar-lhe uma moeda. Se o seu valor for baixo, ele desafina com toda a gana.

Ao fim do dia tem o saco repleto de moedas. Quem tem o desplante de por ele passar, sem lhe doar o que ele acha merecer para não os azucrinar, é certo e sabido que tem o dia estragado: rebenta-lhes com os ouvidos.

Os mais jovens, mais criativos, acharam uma solução: passam por ele com os auscultadores colocados, não sem que antes lhe desejem um sonoro bom dia.

JORGE C. CHORA
1/6/19

quarta-feira, 29 de maio de 2019

A CANÇÃO DO BANDIDO




De tudo o que aí está,
nada quero,
ou melhor,
só um nadinha de
nada,
de tudo o que aí há,
ou seja, quase nada,
só uma nadinha de nada,
e isso,
é o mesmo que nada.

Jorge C. Chora
29/5/19

quinta-feira, 23 de maio de 2019

OS TEUS LÁBIOS



 Sobem ao céu
as sílabas
e palavras
encantadas,
pelos teus lábios
sussurradas.
Pela maciez
e magia
donde emanam,
aos teus murmúrios
ascendo,
e aprecio o encanto
da morada celestial,
onde residem
e recuso noutra
divina morada habitar.

JORGE C. CHORA
23/5/19

quinta-feira, 16 de maio de 2019

POMBOS,PARDAIS E PARDOCAS


No interior do mercado
de Benfica,
esvoaçam pombos e
pardais,
tendo no solo
como companhia,
pardocas andarilhas,
às cotoveladas e empurrões
como no ninho
ainda estivessem,
sob o olhar de passarões,
rebolando os olhos
e vigiando as suas
queridas pardalocas.

Jorge C. Chora
16/5/19

terça-feira, 14 de maio de 2019

OS FEDORENTOS



Chegaram ambos ao mesmo tempo ao balcão da pastelaria. Um cheiro intenso e nauseabundo a cebola de má qualidade, mesclado de outros odores difíceis de identificar, atingiu-os em cheio.
Entreolharam-se de cenho franzido. Numa fracção de segundos analisaram-se mutuamente.
“ Como é possível, que uma mulher com este aspecto cuidado, descure a sua higiene deste modo? Ela não parece nada ser do género porcalhona…” -pensou ele.

Olhando-o de soslaio, ela deplorou o desconhecido: ”Um homem de quem não se esperaria semelhante descaso…”

E ambos abandonaram, o mais depressa que lhes foi possível, sem se tornarem a olhar, o café
dos encontros malcheirosos.

Já à saída, pararam no primeiro degrau, respiraram fundo e nenhum deles, mesmo tendo os narizes em cima um do outro, se lembraram, de forma subtil, de se cheirarem: definitivamente cheiravam mal, muito mal.

Jorge C. Chora
14/5/19

sexta-feira, 10 de maio de 2019

OS OLHOS DA MARIA



Os olhos da Maria,
não são verdes
nem azuis,
são cristalinos
e profundos como o mar.
São castanhos, da cor da terra,
donde medrou e floriu
o nosso amor,
tão profundo e cristalino,
quanto o mar é verde e azul.

Jorge C. Chora 

10/5/19

quarta-feira, 8 de maio de 2019

O PARAÍSO



Num local
avesso a insossos,
gente chata e boçal,
se lhe juntarmos uma pitada de sal,
já tem algo de paraíso.
Se habitado
por seres belos e imperfeitos,
poesia, música a contento,
vinho perfumado e saboroso,
e acrescentarmos
aos atributos dos ditos seres,
o que mais sonhamos,
para serem quase- perfeitos,
diremos a uma só voz:
Estamos no paraíso!

Jorge C. Chora 

8/5/19

terça-feira, 30 de abril de 2019

ASPECTOS DA SOCIEDADE ACTUAL



Na sociedade actual,
a palavra dada,
vale nada:
dá-se o dito por não dito,
jura-se nada ter acordado,
ter sequer pensado,
 muito menos ter dito,
quanto mais acordado.
Coloca-se por escrito,
vale nada
a palavra dada,
nega-se ter dito,
torna-se a dar o dito
por não dito,
a vírgula serve
para transformar,
de novo, o dito
em não dito.

Jorge C. Chora
30/4/19

quinta-feira, 25 de abril de 2019

O 25

NO FERIADO DE ABRIL


      O 25 

Denegrir o 25,
é moda infeliz,
vício de alguns,
desdiz o passado,
não condiz
com a realidade,
é política
de avestruz.
Se a liberdade fruís
ao fluir do 25 a conseguis,
aproveita-a e diz:
bendito 25

Jorge C. Chora
25/4/2019