sábado, 25 de junho de 2016

O "JÁ LÁ VAI" UMA FIGURA TÍPICA DA BEIRA DE OUTRORA

                                                                                                                      
                                         

Em gaiato vivi na Beira, Moçambique, cidade onde nasci. Sempre que ia ao centro da cidade, via o “Já LÁ VAI”. Quem era este personagem? Era um cauteleiro corcunda, de voz cavernosa e de baixa estatura, que circulava nos cafés e nas ruas do centro da cidade.

O cauteleiro assinalava a sua presença com um grito, tivesse ou não sido chamado por um comprador dos bilhetes de lotaria:

-Já lá vai!

Mesmo quando estava a vender uma cautela, apressava-se a levantar o braço na direcção de um interessado imaginário e berrava:

-Já lá vai!

Circulava a cem à hora e o seu grito, que acabava por ser um pregão de marca, era escutado
no meio da multidão, por quem passasse na praça do Município ou arredores:

-Já lá vai!

Nunca soube o seu verdadeiro nome e suspeito de que ninguém o soubesse: era simplesmente  “O JÁ LÁ VAI”, o cauteleiro que todos conheciam e de que ninguém sabia o nome.

Jorge C. Chora

           

quarta-feira, 22 de junho de 2016

O BAMBOLEAR DA URSULINA


Ursulina subia a rua do Carmo a passo lento, lentíssimo, bamboleando as ancas com malícia e saber de experiência feita. Atrás de si, um homem maduro, de olhos postos nas nádegas da caminhante, fingia-se incomodado com a visão paradisíaca, fazendo lembrar Pina Manique, sempre à cata de mulheres licenciosas que não estivessem matriculadas.

Tão embrenhado na sua tarefa se encontrava que não deu conta de que a sua cabeça assumira o balancear da bela Ursulina.

O”Tainha”, assim se chamava o homem, conhecia o marido da senhora. Era dono de barcos de pesca, afamado gabiru das noites de estúrdia lisboeta, amante de mulheres de má fama e gastador inveterado. Fora seu empregado e andara à pesca nos seus barcos. Todos sabiam, através dos seus pescadores, que o patrão possuía um apêndice corporal de alto lá com ele, pois estavam fartos de o ver, a bordo das embarcações, urinar para o Tejo e para o mar. 
“Tainha” seguia agora quase colado a Ursulina e ninguém lhe tirava da cabeça que o seu avantajado marido deveria ser o responsável pela lentidão da sua marcha. Suspirava o pescador pelos tempos da inquisição em que a relação contranatura seria objecto de sevícias e até conseguia ouvir os gritos do empresário.
Prosseguia Ursulina com muita dificuldade a sua ascensão, após uma lauta feijoada, esforçando-se para reter os gases quando, sem conseguir conter-se, explodiu. “Tainha”, quase colado, foi apanhado pela explosão gasosa. Desmaiou e só acordou no hospital, ligado a uma máquina de oxigénio. Ainda hoje não sabe o que lhe aconteceu.

Jorge C. Chora

quinta-feira, 9 de junho de 2016

A MINHA SALADA DE FRUTA

  
Olhe para onde olhar
tudo me lembra
a presença
da minha amada:
A cor e a doçura
dos seus lábios, no vermelho
das cerejas;
A sua fragrância,
no perfume
das maçãs camoesas;
Nos pêssegos,
a suavidade do seu toque;
O seu espírito refinado
no sumo das uvas moscatel.
Não há fruta que não ma recorde,
mesmo aquela que é espinhosa
me evoca as suas deliciosas
defesas  perante
os meus sôfregos
e desajeitados ataques
de amor!


Jorge C. Chora

quinta-feira, 2 de junho de 2016

A MARIA DAS ASINHAS

    
Quem entrava na taberna, via duas pernas a mexerem-se, no buraco que dava para a sobreloja. O dono tinha subido à pequena arrecadação para ir buscar tabaco.

Sentados nos bancos, os clientes faziam comentários:

-Estás aí há tanto tempo que daqui a um bocado adormeces…

-Nunca mais desces porque estás no céu…

-Tens aí a escada e podes subi-la se quiseres vir…-dizia-lhe o dono.

-Se tivesse asas subia …- respondia-lhe o velho cliente, agarrado a um copo de tinto.

Maria, a funcionária, não se conteve:

-Asas no pífaro queria vossemecê…levantava-o até ao céu e ia ver as cabrinhas. Matava as saudades, não é assim?

O cliente, com tantos mas tantos anos que ninguém corria o risco de lhe adivinhar a idade, eriçou o farto bigode, e disse:

-Ah! Que bela ideia essa do pífaro ter a ajuda de umas asinhas…

Maria deixou de o ouvir e arrependeu-se:

- Mas que ideia mais estapafúrdia lhe havia de ter sugerido!

À saída, o velhinho, com um ar sonhador, apoiado no seu velho cajado, sussurrou ao ouvido de Maria:

-Queres ser as minhas asinhas, querida Maria?

Ela sorriu-lhe e disse-lhe:

-Um dia destes… quem sabe ! - E pensou que o diacho do velhinho, devia ser a reincarnação do demo.

Jorge C. Chora



quarta-feira, 1 de junho de 2016

O SABICHÃO


Ser criança
e ser sabichão,
é coisa sem perdão,
chatice sem fim,
aborrecimento interminável,
bocejo medonho,
comida insossa,
menino sem sal
com a bola guardada
no armário,
prenúncio de
um adulto,
que será sempre criança e sabichão.

Jorge  C.  Chora