sábado, 26 de agosto de 2017

O PEIXE JOE



O velho pescador olhou-o e disse-lhe:

-Tu és bom rapaz. Está na altura de conheceres o Joe…

Morava nas margens do lago desde que nascera e fazia anos. A sua prenda de anos, pelo visto, era conhecer Joe.

-Mas quem é o Joe?

-Entra no bote e verás… - convidou-o o pescador.

Entrou e avançaram, em silêncio e a remos, para a margem oposta do lago. Ao aproximarem-se de terra, pararam. O marinheiro colocou as duas mãos em forma de concha e soprou. Ouviu-se uma suave e bela melodia.

As águas do lago agitaram-se e surgiu um peixe com uma enorme cabeça. O rapaz tremeu de medo.

-Nada receies. Joe reconhece os amigos. É o mais antigo habitante do lago. Não há nenhum dos actuais pescadores que seja mais velho do que ele. Quando aqui chegaram já Joe cá estava.

-Mas Joe é um nome…

-Sim, é um nome estrangeiro….foi-lhe dado por um americano há muitos, muitos anos….que tinha esse nome e um dia caiu ao lago e foi salvo, dizia ele, por um grande peixe dotado de uma enorme cabeçorra…

-E essa história é verdadeira?

-Mas não estás a vê-lo?

E nesse momento Joe, lançou-lhe um esguicho de água certeiro que o deixou encharcado.

-Joe sabe que és como S. Tomé… está a dar-te o certificado da sua existência embora o estivesses a ver…

Todos os dias, pela tardinha, Joe aparecia e esguichava-o, deixando-o encharcado e pronto para o banho antes do jantar.

Nunca houve naquele lago quem morresse afogado: todos disseram que o seu salvador tinha sido um peixe com uma enorme cabeçorra.

O sítio tornou-se famoso, atraiu investimentos de vulto e construíram um enorme empreendimento turístico, tendo os primitivos habitantes sido afastados do local.

No dia da sua inauguração, serviram um peixe muito grande, com uma enorme cabeçorra que já ninguém sabia ter-se chamado Joe e ter sido a alma desse lugar.


Jorge C. Chora

terça-feira, 22 de agosto de 2017

A SEMENTE DA "MAIS VELHA"


“A Mais Velha”, assim era conhecida pela miudagem do bairro, parecia não conseguir andar, mas o certo é que colocava um pé a seguir ao outro. Quem estivesse atento e tivesse algum tempo, percebia que ela, embora lentamente, progredia.

Houve quem reparasse, que para além da peculiar marcha da” Mais Velha”, que ela transportava, todos os dias, uma pequena jarra de plástico, com água.

Demorava uma eternidade a atravessar a rua. Impacientes com a demora, os condutores buzinavam. Ela levantava a mão e pedia desculpa. Quando repetiam as buzinadelas, ela sorria e murmurava: oxalá chegues à minha idade …

Chegada ao passeio que dividia a faixa de rodagem, deitava os pingos de água que tinham sobejado após a atribulada travessia, numa pequena clareira onde nem sequer havia uma flor.

Curiosos com a persistente acção da “Mais Velha”, resolveram um dia ver o que ela tanto regava e a surpresa estampou-se-lhes no rosto: a senhora não estava boa da cabeça!

No dia seguinte, ela fez-lhes sinal para que se aproximassem. Receosos, acabaram por aceder ao pedido.

- Estão surpresos por eu estar a regar um local sem nada? Se me ajudarem acabarão por ver ali nascer uma árvore que dará frutos. De que frutos gostam mais?

E fartaram-se de discutir e concluíram que a maior parte gostava de pêssegos.

-Pois meus amigos, nem é tarde nem é cedo, basta que me ajudem a regar e ali nascerá um pessegueiro, pois os vossos desejos são ordens para mim -e sorriu, porque lá tinha semeado caroços de uns belos pêssegos que comera.

E quando o pessegueiro nasceu e surgiram os primeiros pêssegos, a “Mais Velha” foi considerada um prodígio da natureza.


Jorge C. Chora

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O BALOIÇO



Pé ante pé a septuagenária aproximou-se do parque infantil situado no jardim. Perscrutou as proximidades com o seu olhar arguto. Só após ter obtido a confirmação de que não se via ninguém, entrou. Descalçou os sapatos altos, soltou os cabelos que lhe caíram em cachos, levantou ligeiramente as saias e sentou-se no baloiço.
Baloiçou-se devagar, de início, e depois de forma cada vez mais enérgica, cantando a plenos
pulmões:

_” Fui ao jardim da Celeste, girofflé  girofflá…”

De súbito vê, ao fundo, alguém a entrar no parque. Salta do baloiço, calça-se, apanha o cabelo e sai, queixo levantado e mala no braço. Cruzou-se com quem tinha entrado e cumprimentou-a:

-Muito bom dia.

-Para si também minha senhora.

Jorge C. Chora



terça-feira, 15 de agosto de 2017

A MINHA ADUFEIRA/ FEITICEIRA



Gosto d’uma adufeira,
autêntica feiticeira,
senhora de palavras e ritmos,
que tem o poder de despertar,
o melhor que há em mim.
Oh, como é bom gostar
desta adufeira, que é feiticeira,
e me dá o melhor de si,
e acorda o que há de melhor em mim.


Jorge C. Chora