domingo, 23 de dezembro de 2018

DOCE PECADO



 Ela é toda
um doce pecado,
dos carnudos
e belos lábios,
às longilíneas
pernas,
até ao sonho
de tê-las
entrelaçadas à cintura.
Ela é um doce pecado,
um desejo de Ano Novo,
uma prenda de Natal
que fica na mente
e nunca se recebe
para quem tem,
mais olhos do que barriga.
HELÁS!

Jorge C. Chora
23/12/18



sábado, 22 de dezembro de 2018

O NAMORO DA LUA A LISBOA


Baila a lua entre as ameias
do Castelo de S. Jorge,
espreitando a Lisboa natalícia,
desnudada à luz das ornamentações,
deixando ver e ouvir,
as gentes poliglotas que a usufruem,
gingando ao ritmo dos seus diferentes linguajares
reagindo às manifestações musicais
que se ouvem e apreciam,
nas artérias da Baixa Pombalina,
enquanto para as bandas
do Cristo Rei o sol se põe,
permitindo à lua que namore Lisboa
de um modo assaz descarado.

Jorge C. Chora

22/12/18

domingo, 16 de dezembro de 2018

SINTRA DOS AMORES




Entre o céu e a terra,
onde, outrora no seu
vasto território, residiram
tritões e sereias sem cauda,
Sintra embeveceu Strauss e Lord Byron,
acolheu o sacrifício dos frades Capuchos
que, hoje só fariam sentido,
se estes fossem dedicados à magia do amor.

Jorge C. Chora
  16/12/18

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

SINTRA



Aos ais de quem
nela se ama,
acrescem os
de quem a ama.
Ouvem-se ais
oriundos da Pena,
da parte de quem
a seus pés Sintra vê.
De Seteais, ecoam sete,
enquanto só um de dor
se faz ouvir,
no Palácio que na Vila fica,
de um Afonso encarcerado,
que não apaga os de prazer
e encanto, dos que nela se amam
e a amam também.

Jorge C. Chora
13/12/18

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

A LIBERDADE ENGRIPADA




Bateram à porta
e ninguém respondeu.
Tornaram a fazê-lo,
e de novo,
nada se ouviu.
Naquela casa
residira outrora
a liberdade,
dali expulsa pelos donos
do pedaço,
cansados da paz que ali se vivia,
desconhecendo-se agora
quando e onde ela terá nova morada,
para gáudio dos amantes da liberdade engripada.

Jorge C. Chora 

  11/12/18

domingo, 9 de dezembro de 2018

FESTAS FELIZES


AMIGAS(OS)

DESEJO-VOS UM NATAL ACONCHEGADO E UM ANO NOVO CONFORME AOS VOSSOS QUERERES.

JORGE C. CHORA
   9/12/18

A TENTAÇÃO DOS UÍSQUES À BORLA NA QUADRA NATALÍCIA




Nesta quadra são muitos os convívios que se realizam, nomeadamente entre colegas, ex-colegas, amigos, membros de clubes…

Estes convívios acontecem um pouco por todo o lado, da Amadora até aos lugares mais recônditos do país. Convive -se, bebe-se, trocam-se conversas e matam-se saudades.

No final dos festins, há quem peça uns digestivos que vão do uísque à amêndoa amarga, passando pelos licores mais variados. Geralmente estes digestivos são à parte, não estão contratualizados e dependem dos pedidos e vontades de cada um.

No fim, quando se pede a conta, ela é dividida por todos, incluindo os ditos digestivos que só alguns usufruíram.

Não fica bem a quem não os consumiu fazer algum reparo à situação. As pessoas inibem-se e pagam montantes, por vezes elevados, à conta de useiros e vezeiros na estratégia de consumir à conta de outrem.

Se os digestivos são à parte, quem os consome, deve fazer questão em pagá-los. Essa conta nem sequer deve vir mencionada na conta geral, destinada a ser dividida por todos.

Não deixar que outros paguem por aquilo que só nós consumimos, deve ser uma questão de honra e ponto final. Deixe de ser somítico, pague o que tiver a pagar e recuse-se a endossar a sua conta a quem não tem obrigação de o sustentar.

Jorge C. Chora
9/12/18



terça-feira, 4 de dezembro de 2018


A SABEDORIA DO PASTOR ARMANDO AO SERVIÇO DE UM ENGENHEIRO BENEMÉRITO

Armando apascentava um rebanho, em Canhestros, na herdade do Monte Outeiro, Ferreira do Alentejo, pertencente a um famoso engenheiro.

Conta-me o sr. António Camacho, na altura ainda um jovem, que este engenheiro, um dia, foi conversar com o pastor do seu rebanho. Após espetar a sua bengala-banco no solo, sentou-se, pois sofria bastante da coluna. Esteve entretido a conversar até que, ao ver os carneiros a pastarem separados das ovelhas, propôs ao Armando que os juntasse. Assim aconteceu.

Tempos depois, ao visitar o rebanho, verificou que as ovelhas estavam prenhes e exclamou, contente e admirado:

-Não há nenhuma que não esteja! bonito serviço!

O pastor sorriu e sentenciou:

- “Macho com fêmea, só não dá, se for burro com galinha, com uma ribeira a separá-los…”

O eng. Mariano Feio, assim se chamava o senhor, era um benfeitor, de acordo com o meu interlocutor. Resolveu apoiar a Câmara a dotar Ferreira do Alentejo de um crematório e ajudou a pagá-lo também.

O que não se esperava, era que o engenheiro, velho professor universitário, pouco tempo depois de o ver construído, o estreasse também, mas foi o que aconteceu: morreu e inaugurou o crematório, pelo qual se tinha batido e ajudado a financiar.

Jorge C. Chora
    4/11/18


  


domingo, 2 de dezembro de 2018

ARRULHAR



Arrulham os pombos
e os que se amam
como eles,
aninhados nas asas
de quem lhes aquece a alma,
quando murmuram:
- Deixa-me sentir o teu calor…


Os namorados
também arrulham,
quando se aninham
 nos braços
de quem os ama e murmuram:
-Deixa-me sentir o teu calor…

Jorge C. Chora
    2/12/18





sábado, 1 de dezembro de 2018

O GALO CHAMADO MONTÊS E A GALINHA PEDRÊS



O galo chamado Maltês
e a galinha pedrês,
tanto passearam
que se perderam
no Gerês.
Assustados,
o galo chamado Maltês
e a galinha pedrês,
as asas abraçaram,
até que um menino
os encontrou
e com eles ficou.
Agora andam os três,
a brincar no Gerês,
à vez, de mãos, patas
e asas entrelaçadas,
o menino, o galo
e a galinha pedrês.

Jorge C. Chora

   1/12/18




quinta-feira, 29 de novembro de 2018

MANUEL ARAME AO VOLANTE E DE ESFREGÃO NA MÃO



Na década de setenta, Manuel Arame, alentejano natural da Amareleja e residente na Amadora, comprou uma Renault 4L. Comprou-a em 2ª mão, na rua José Franco desta cidade.

Resolveu ir à Amareleja. A partida coincidiu com um dia de chuva intensa.  Como ainda não conhecia a viatura, desconhecia como se ligava o limpa-brisas, ou mesmo se ele se encontrava avariado, decidiu não adiar a viagem e resolver o problema da melhor maneira possível. Comprou uma esfregona e serviu-se dela para ir limpando o vidro: de braço de fora, de esfregona na mão, ia-se livrando do incómodo causado pela chuva, à medida que ia conduzindo.

O dono do café, onde eu ouvi esta história do próprio Manuel Arame, concluiu a narrativa dizendo:

-E levou quatro dias a chegar à Amareleja…

Manuel Arame sorri e não diz que sim ou que não, talvez ocultando o ainda maior número de dias que o trajeto levou a realizar, de braço fora e esfregona na mão.
E à laia de conclusão, Manuel Arame diz:

-E a 4L serviu-me durante seis anos, vendia-a por 140 mil escudos, e ela tinha-me custado 120!

Embalado na conversa, contou o amarelejense, episódios de um conterrâneo que dava pelo nome de “Travessa”. Perguntei-lhe se a alcunha se devia ao facto de ser travesso mas o meu interlocutor desconhecia o motivo pelo qual o tinham chamado assim. Adiante.

Um dia, um guarda abordou o “Travessa” porque o seu cão não tinha licença.

-O cão não é meu! - respondeu o “Travessa”.

-Então ele está debaixo da sua carroça e não é seu?

-O sr. Guarda também está ao pé de mim e não é meu! -respondeu-lhe de imediato o “Travessa”
.
No dia em que morreu, a viúva contratou homens para transportarem, a pé, o seu caixão, prometendo-lhes cem escudos. Como o cemitério ainda era longe, eles foram auxiliados por uns amigos.
Na altura de receberem, a viúva reduziu para cinquenta escudos o pagamento, alegando que eles tinham sido auxiliados.

-Ah é? Então vamos tornar a colocar o “Travessa” à sua porta…

E antes que o “Travessa” regressasse, foi-lhes pago o devido.

Jorge C. Chora
29/11/18

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A MINHA BALANÇA BIPOLAR




Tenho uma balança que ora é amiga e logo a seguir inimiga. É dotada, ou pelo menos parece, de vontade própria: nem sempre é fiel e constante, pois muda num ápice do oito para o oitenta, da noite para o dia. Se ela fosse humana, às vezes julgo que é, esta oscilação de humor classificá-la-ia como uma doente bipolar.

Vem isto a propósito de uma balança que habita em minha casa, tão linda quanto imprestável, uma verdadeira doninha fedorenta. Tanto marca 90 quilos como segundos depois, menos trinta ou quarenta. Quando ela regista um peso pluma, tudo certo, é aceitável; ao registar pesos de hipopótamo, não consigo tolerar semelhante comportamento.

O pior é que deitei fora a balança que tinha antes, por não ser nova, moderna e apresentável, cuja fealdade era insuportável, quando comparada à mais recente, transparente e electrónica! Mal sonhava eu, que adquiria uma balança bipolar!

Só não a deito fora por motivos diplomáticos: quando as visitas se pesam e ela decide retirar-lhes vários quilos, dá-me a oportunidade de elogiar as dietas de sucesso. Se ela lhes atribui maior peso, digo-lhes que ela está avariada, o que não deixa de ser verdade.

E é deste modo, que a minha balança bipolar, sobrevive à expulsão, que a acontecer seria mais do que justa, e só peca por tardia.

Jorge C. Chora
26/11/18


sábado, 24 de novembro de 2018

VERSOS SÃO CAMINHOS



Versos são caminhos
por onde circulam,
num vai e vem ininterrupto,
sentimentos que oscilam entre
 a doçura e o ódio,
a indiferença ou a ternura,
 ou tudo de que nos esquecemos,
quando nos fixamos,
 no amor e na namorada.

Jorge C. Chora
24/11/18

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O ENGANO DAS CUSCAS




Joana foi agraciada pelo seu bom feitio, com uma benesse invulgar: subir ao céu, sempre que ela e o seu marido se amavam.
Como pessoa crente e educada, Joana nunca deixou de expressar o seu agradecimento pelo benefício recebido: todos os dias ia à igreja.
Sendo Joana uma mulher de belo íntimo, mas não tão bela de aspecto, as más-línguas do bairro comentavam:

-Coitada …tão feia que ela é! Vai pedir ao Senhor, qualquer coisa que Ele se esqueceu de lhe conceder…

E Joana, tão educada e agradecida, raro era o dia em que não subia o céu e tinha motivos para agradecer, a benesse que recebera.

Jorge C. Chora

21/11/18

terça-feira, 20 de novembro de 2018

O SEGREDO DA CAIXA DOS AVÓS


                                         
 Após a morte da mãe, o irmão mais velho convocou os mais novos para uma reunião, referindo tratar-se de um assunto da máxima importância.
À hora aprazada, com todos presentes, iniciou a reunião:

-A mãe pediu-me, antes de falecer, que vos comunicasse e mostrasse algo de suma importância para a família.

Os irmãos entreolharam-se e pediram-lhe:

-Diz-nos, sem demora, do que se trata. Não nos mates de curiosidade.

-Vou ser breve - e logo a seguir, mostrou um cofre de couro, informando que pertencia à família há várias gerações  - ele contém a riqueza suficiente para resolver, em caso de urgência e só mesmo nessa situação, uma aflição familiar. Nenhum dos antepassados nem a mãe precisaram. Ela encarregou-me de vos pedir que só se servissem dela, sublinho, em último recurso e com o consentimento de todos.

Sessenta anos depois, por ocasião de uma festa familiar, um dos bisnetos, na brincadeira, deitou a mão à prateleira e deitou o cofre de couro ao chão.
Pararam as conversas e um silêncio pesado impôs-se.
A família aproximou-se, curiosa. Olharam surpresos para a caixa que se tinha aberto: estava vazia. Não continha absolutamente nada.
Desconfiados, olharam para o irmão mais velho e ele esclareceu:

-Este cofre, é mais do que certo, nunca conteve nenhuma riqueza. Nem os avós, nem os pais, e muito menos nós, precisámos dela. Serviu só de segurança hipotética.

-E tu sabias?

-Claro que não! Duvido que algum dos nossos antepassados, incluindo a mãe soubessem!

Os  que viveram antes de nós, legaram-nos uma visão de família…

-Que visão mano velho?

E o mano velho questionou-os:

- Acham que a riqueza da nossa família, alguma vez cabia neste pobre cofre? A riqueza são vocês, somos nós meus irmãos, e a nossa união.

-Ai da família cuja riqueza cabe num cofre… - acabaram por concordar os irmãos.

E a festa continuou, tão alegre como dantes.

Jorge C. Chora
20/11/2018


sexta-feira, 16 de novembro de 2018

O TRIPLO PRAZER



Dar a quem amamos
é garantir um triplo prazer:
o prazer de oferecer,
acrescido do gosto de a ver
prazer ter,
e o prazer que ela tem.
Dar é tão bom como receber,
é garantir um triplo prazer.

Jorge C. Chora
16/!1/2018

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

A MODA DO BAILE MANDADO




Os poetas e outros que tais,
não entendem,
sabe-se lá porquê,
que a liberdade só atrapalha a governação
de quem a quer fazer sem oposição.
Qualquer murmúrio é um grito,
um chiar alto,
uma ofensa ao direito de ser intolerante,
uma condenação a ter de conviver em liberdade.
Vá lá saber-se porquê,
os poetas e outros que tais,
não entendem,
que a liberdade só atrapalha a governação
de quem a quer fazer sem oposição.

Jorge C. Chora
14/11/2018


segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O FRANCISCO CHORA A JOGAR/DO PONTAPÉ AO GOLO


O FRANCISCO É O MEU NETO DE OITO ANOS

Quer é jogar,
a bola é companheira,
os colegas são amigos,
passem-lhe o esférico,
ele dá-lhe o pontapé,
direcionado e certeiro,
aconchega-o nas redes
do adversário:
toma lá, vai buscar!
É o Francisco Chora a jogar,
o Francisco, o amigo
do amigo, o lutador
que só pára,
quando a equipa recebe,
com esforço e prazer,
 o resultado da jogada:
Golo!

Jorge C. Chora
11/10/2018




PRINCESA DOURADA


À MINHA NETA CAETANA DE DOIS ANOS E MEIO


Minha princesa dourada,
alva como uma amendoeira em flor,
tens o condão de um velho mouro derreter,
com a tua perspicácia e saber.
És uma ternura agridoce,
oscilas entre o querer e não querer,
envolta na nuvem
do bem- te- quero,
e exiges-me que não te lambuze,
que isso de beijinhos a toda a hora,
dizes tu:
tem dó, só me tiram o pó-de-arroz!
Sim, minha princesa, respondo-lhe eu,
beijando-lhe as bochechas
e tirando o pó-de-arroz
à princesa dourada,
alva como uma amendoeira em flor,
 nas nuvens levitando,
de forma cúmplice e sorrateira.

Jorge C. Chora
11/10/2018

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O JOGO DO DÁ E TIRA




Pedi-lhe um beijo
mas dei-lhe dois,
um em cada mão.
Queixou-se de ter
recebido mais do
que tinha pedido,
dois em vez de um!
Tomei-lhe as mãos
entre as minhas,
voltei a beijá-las
à conta de uma reparação,
dizendo que retirava
os que lhe tinha dado,
ao que ela respondeu:
agora quero-os de novo!
E neste jogo do dá e tira,
tornei a repô-los,
tantas quantas ela
os quis de novo.

Jorge C. Chora

9/10/2018


terça-feira, 6 de novembro de 2018

A VERDADEIRA JÚLIA ROBERTS



Interessa-me
o teu sentir,
a beleza do teu querer,
o doares-te em abraços
sinceros e nunca regateados,
aos que amas
e precisam
da tua atenção,
és um hino à alegria,
eclipsaste a Julia Roberts ,
varreste-a da minha imaginação.


Jorge C. Chora
6/11/2018

domingo, 4 de novembro de 2018

A DEMOCRACIA É COMO UM CANTEIRO


A democracia é como um canteiro de amores-perfeitos:  murcha quando se insiste em pisá-lo, ainda que “jardineiros” por esse mundo fora, nos digam que isso revigora as flores.

Jorge C. Chora
3/11/2018

ABAIXO AS VILANIAS



A poesia alimenta e
perfuma o espírito,
tece e reforça
laços de amor
e amizade,
divulga a beleza
ou a fealdade,
promove ideias,
sentimentos
erotismo
e diversidade,
abre os olhos de
quem a lê,
embora feda quando
nega a liberdade,
esmague direitos,
despreze a igualdade
e se comprometa com vilanias.

Jorge C. Chora
4/11/2018


quinta-feira, 1 de novembro de 2018

A DECLARAÇÃO DE AMOR




A declarar-me,
fá-lo-ia de novo
a ti;
e de nada vale
fingires-te surpreendida
por gostar de ti,
pois sei e sinto
ser a mim,
a quem de novo
te declararias.

Jorge C. Chora
1/11/2018

domingo, 28 de outubro de 2018

O SEGREDO DA MULHER-MENINA




A mulher-menina
tem segredos
por desvendar,
ninguém sabe,
ou quer revelar,
o quanto tem
a ocultar,
só na fase da
lua cheia,
ela tem algo a revelar.

Jorge C. Chora
28/10/2018

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O AMOR É ASSIM



Sei o que
gosto em ti,
desconheço
o que viste em mim,
para além de saberes
de quem gosto,
embora sinta
e saiba
por ti,
que o amor é mesmo assim.

Jorge C.  Chora
24/10/2018

domingo, 21 de outubro de 2018

OS ACTORES



Casam-se, divorciam-se,
morrem e ressuscitam,
choram e riem-se,
padecem de amores e desamores,
e tudo isto no mesmo dia!
À noite, ao deitarem-se,
não sabem se o fazem sendo
Manéis, Alfredos ou Tobias,
se todos eles e ele próprio
ou ainda a Sofia, de braço
dado à Madalena, todos
personagens do seu dia a dia.

Jorge C. Chora
21/10/2018

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

BOLSONARO E O CARANGUEJO




Grita e afiança
a quem o ouve
que, só anda em
marcha-atrás.
O seu bicho
mais amado
é, fiquem sabendo,
o caranguejo e a
música da marcha-atrás,
acompanhada da banda
do retrocesso do meio século
e dirigida pelo maestro Bolsonaro,
músico da velha escola:
“QUAL DEMOCRACIA QUAL CARAPUÇA,
QUEM MANDA AQUI SOU EU”

Jorge C. Chora
19/!0/2018

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

ACHAR



Diz-se que quem
procura acha,
mas há quem ache
existir um conluio, entre
procurar e achar,
de modo a dar sempre
os mesmos resultados:
uns acham sempre um lugar ao sol,
enquanto outros,
nem cheiro desse lugar acham.
Eu, que não sou tido nem achado,
confesso que adoro achar,
seja de manga, de limão
ou outro qualquer.

Jorge C. Chora
15/10/2018


domingo, 14 de outubro de 2018

MARIA BARROSO/A PEQUENA GRANDE MULHER


   

Embora os passos
fossem pequenos,
a determinação com
que os dava era
grande, muito grande.
Sorriso nos lábios e
e um à vontade
aveludado, envolviam
 a decisão,
sempre embalada
por pequenos passos
seguros,
ritmados pelo seu querer
inquebrantável,
afastado de indecisões
e recuos,
suportado pela sua frágil
mas firme figura,
de antes quebrar do que torcer.

Jorge C. Chora
14/10/2018



sábado, 13 de outubro de 2018

O QUE FAÇO AQUI?



Primeiro fechou a escola:
havia poucos pimpolhos;
hoje não há nenhum.
O posto médico foi a seguir
e uma técnica de boa vontade,
prometeu continuar a vir, em meses alternados,
todas as quintas, até
que deixou de ir.
Morreu o taberneiro
e aí sim, o abalo foi
muito sentido: fechou a taberna,
a mercearia e o arremedo de papelaria.
O taxista deu à sola para poder sobreviver.
Agora nem rezar se pode,
a capela encerrou,
pois quem tinha a chave,
 era a mulher do “táxista”.
Tónio está hoje à porta
 do cabo-da -guarda,
cheio de saudades,
quem diria! do
“sábio do chanfalho”.
porque ele também se vai embora,
para um local mais importante do que aquele.
Num momento tresloucado,
pensou em pendurar-se
e só não o fez porque não tinha,
quem lhe vendesse a corda
ou quem anunciasse o seu fim.
Foi ao edifício da Guarda e urinou
na escada. Foi à escola
e escreveu no muro,
em letras garrafais:
TENHO SAUDADES DO MESTRE - ESCOLA!

Jorge C. Chora
13/10/2018


quinta-feira, 11 de outubro de 2018

PAÍSES SEM RUMO



Em países
sem alma
nem rumo,
ninguém fala
ou ri,
e se sorri,
é expulso dali,
por ousar,
imaginem!
querer ter nome
e dizer:
presente, estou aqui!

Jorge C. Chora

11/10/2018

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

NO CALCINHA DE LOULÉ




No Calcinha
sabe bem,
saborear um poema
do Aleixo,
beber um chá ou um café,
enquanto se aprecia
o serpentear das Louletanas
e tudo isto,
 com a barriga cheia de pitéus e poesia.

Jorge C. Chora
9/10/2018

terça-feira, 9 de outubro de 2018

MALDITO FIO DENTAL



Três mulheres-tesouro
na praia da Oura vi,
de jóias no umbigo,
salientando as meias luas
que as encimavam
e mal as costas mostraram,
ai Jesus!
revelaram as duas metades
do paraíso terreal,
visão só toldada
por um maldito fio dental.

Jorge C. Chora

9/10/2018

terça-feira, 25 de setembro de 2018

O CHEIRO A PAPEL RASGADO


                                               
Numa localidade da Beira Baixa, há mais de sessenta anos, num barracão de quintal, apresentavam-se peças de teatro amador. Os artistas eram habitantes locais, com jeito e amor à ”coisa”.

Num desses espectáculos, existia uma cena em que se deveriam queimar umas folhas de papel e o personagem diria, de modo enfático:

-Cheira-me aqui a papel queimado!

Por esquecimento ou sabe-se lá porque outro motivo, ninguém deitou fogo ao que devia e o artista em cena, não esteve com meias medidas e berrou:

-Cheira-me aqui a papel rasgado!

Encolhido a um canto, o encenador, lívido, invocava Thalia, a musa da comédia, e pedia mentalmente respeito pelos papéis que cada um deveria desempenhar e murmurava, tristonho:

-Cheira mesmo a papel rasgado…

A plateia, uns de pé e outros sentados em bancos levados de casa, de narinas bem abertas, cheirando o ar do barracão, em busca do cheiro a papel rasgado, bateu palmas à ousadia e criatividade do actor.

Pois é, aquilo eram tempos onde imperava a imaginação, em que até se botava cheiro ao papel rasgado, se desculpavam e apreciavam os devotos de Thalia.

Jorge C. Chora
25/9/2018


domingo, 23 de setembro de 2018

A VIZINHA DO SEXTO ANDAR




No fundo do estendal da casa de seu pai, caiam as peças de vestuário de todos os vizinhos, incluindo as da vizinha do 6º.

Todos os dias ou quase todos, vinha alguém buscar as peças de roupa caídas.: calças, camisas, roupa interior…

Uma terça-feira, o jovem ouviu no átrio de saída do seu prédio, os condóminos a recriminarem a conduta da vizinha do 6º andar:

-É tão porcalhona que se esqueceu das cuecas sujas no elevador…

Bento, assim se chamava o jovem adolescente, revoltou-se ao ouvir acusar deste modo a sua simpática, bela e extravagante amiga do 6º.

-As cuecas não são dela… e disse só para si - ela nem sequer as usa…

-Como assim? - surpreenderam-se os vizinhos-Como é que sabes?

 E Bento explicou que ela deixava cair quase tudo no chão do seu estendal e nunca deixara cair
uma peça de vestuário que se parecesse com aquela de que falavam.

Ele bem sabia de quem elas eram, de uma vizinha insuspeita, mas nada disse. A vizinha do 6º, sempre que atravessava o átrio de entrada do prédio, tinha de se baixar porque alguém perdia, de modo sistemático, uma moedinha.

Bento, todas as segundas-feiras, trocava 25 cêntimos que lhe sobravam do lanche, por moedas de cinco cêntimos, com excepção dos sábados e domingos em que saia acompanhado dos pais.

Às segundas, sem falta, ao cair da noite, uma pequena caixa de papel aguardava-o à sua porta: continha todos os cêntimos que deixava no átrio da entrada, para ver a sua amiga do 6º apanhá-los.

Jorge C. Chora
23/9/2018


terça-feira, 11 de setembro de 2018

OS TEUS BEIJOS



Os teus beijos
são joias,
recebo-os
e quero mais.
Entendo agora
que me encanta
ser joalheiro,
mas de beijos
de quem gosto,
que são os teus
e, esses sim,
que verdadeiras joias são.

Jorge C. Chora
11/9/2018

domingo, 9 de setembro de 2018

O AMANTE SECRETO




Adora carícias
e pede ao vento
que lhas faça.
Este sopra devagar, devagarinho,
e ela sente num doce arrepio,
a penugem a eriçar-se
e o vento a soprar-lhe o pescoço,
devagar, devagarinho,
 murmurar-lhe:
-Está bem assim?
 Ela diz-lhe que sim,
 despe-se e entrega-se
ao seu suave e secreto amante,
que a envolve num abraço
quente e voluptuoso,
que a faz elevar as mãos ao céu
e exclamar, sem rebuço nem
falso pudor:
-Meu Deus. como isto é bom!

Jorge C. Chora
    9/9/2018

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

O SEIXO BRANCO



Na areia da praia
apanha a lua,
aperta-a contra o peito
e diz:
-És minha!
É o dono da lua,
sempre que
vai ao areal,
e repete com todo
o seu amor,
à pedra- lua que colheu:
-És minha!
E aconchega – a,
junto ao peito,
e só a larga
ao pé das outras luas,
que guarda na sua mais
bela caixa de latão
 e que oferece aos amigos:
-Queres um pedaço de Lua?


Jorge C. Chora
7/9/2018


quarta-feira, 5 de setembro de 2018

SAUDADES DE TI




Tenho tantas saudades tuas,
como acho que tens de mim,
mas não faz mal
que as não tenhas,
tão fortes como as minhas,
porque eu de ti tenho tantas,
que olvidam
as que eventualmente
de mim não tenhas.

Jorge C. Chora
5/9/2018

terça-feira, 4 de setembro de 2018

ARROZ DE QUÊ ?


                                                          

Entrou no autocarro, viu uma senhora conhecida e sentou-se ao seu lado. Conversador nato, falaram a propósito de tudo e de nada.

A viagem era longa e tiveram tempo de sobra, para trocarem impressões. Quando o diálogo já esmorecia, ele lembrou-se de que ela fazia um petisco para o irmão, que ele também conhecia. Numa conversa gastronómica que tinham tido, gabara um arroz muito especial que a mana lhe fazia, sempre que tinha a oportunidade de estar com ela.

- Falei com o seu irmão e ele tem uma verdadeira adoração por um petisco seu …

-Qual deles?

- Adora o seu arroz de corno…

-Arroz de quê?

-De corno… - repetiu, de modo inocente, o conversador nato.

- De forno e não de corno, senhor!

-Mil perdões…também achei estranho… mas foi isso que percebi…

E a senhora olhou-o de soslaio, tentando descortinar se o conversador sabia da fama de confessor do mano ou de algum desaguisado em que ele se envolvera, com o marido da sua mais recente conquista.

-Já agora, se não fosse muito incómodo… ensinava-me a fazer o arroz de corno…perdão de forno…

-Ora anote… o arroz de corno…mau, de forno, leva…- explicou a senhora, que ocupou o resto da viagem com a receita e os segredos do famoso arroz de corno…perdão, de forno.

Jorge C. Chora
  4/9/2018

sábado, 1 de setembro de 2018

A LÁBIA DE TI PATRÍCIO


                                              
Na aldeia de Santa Vitória, em Beja, ti Patrício ferrou um calote à ti Mariana, dona de uma taberna ali existente.

Um dia, pelo carnaval, o caloteiro armou-se em veterinário e foi perguntar à taberneira se por acaso não teria um cão que necessitasse de tratamento.

Mariana não esteve com meias medidas:

-Por acaso Caetano Patrício, tenho cá um “cão” teu, tão velho que até barbas brancas tem…

-Ó ti Mariana, esse pode matá-lo que não tem cura… -respondeu-lhe ti Patrício.

E o sr. António Camacho, do alto dos seus bem dispostos 75 anos, que foi quem me contou esta história, passada na sua terra, quando tinha doze ou treze anos, remata:

-E ti Mariana não teve outro remédio, senão arcar com o velho “cão” do sabido Caetano Patrício.
Embalado com as vivências de Caetano Patrício, conta-me outra história., passada com a mesma personagem e o seu amigo Domingos, também residentes na aldeia.

Um dia, roídos de fome, com o estômago a roncar de apetite, narinas dilatadas em busca de aromas confortáveis, sentiu o cheiro de pão a cozer.

Ao cheiro do que era bom, foi ter com o amigo e disse-lhe: 

- Companheiro Domingos, a partir de agora sou mudo. Vou indicar-te, por gestos, a origem do belo cheiro a pão a cozer. Vou dizer-te o que quero: um bocado de pão do que está a cozer.

Rendida à fome de Patrício e de Domingos, a dona do forno, condoída com a mudez de Patrício perguntou:

-Desde quando ele é mudo?

Cedendo à inocência da dona, diz Patrício, num assomo de honestidade e compreensão:
-Desde o poço até aqui minha senhora!

Comeram o pão que lhes apeteceu, com a bênção da compreensiva senhora, vencida com a lábia e simpatia de Caetano Patrício e do companheiro Domingos.


Jorge C. Chora
    1/9/2018





quarta-feira, 29 de agosto de 2018

UM MARÇANO NA AMADORA DE HÁ CINQUENTA ANOS/ MEMÓRIAS DO TOMÉ




Há cinquenta anos, Tomé era um adolescente. Como todos os jovens, queria ter um dinheirinho de bolso para as suas pequenas despesas. Em férias, foi trabalhar como marçano para uma mercearia na Falagueira.

Numa cesta com a pega ao meio, levava a casa dos clientes o que eles tinham comprado. Subia e descia escadas, tantas quantas fossem necessárias. Às vezes, bem carregado, tinha de voltar à loja, quando as donas de casa recusavam este ou aquele produto e voltava a entregá-los nas residências, após a respectiva troca.

Pelas entregas era recompensado, embora nem sempre, com uma moedinha que entregava religiosamente ao seu patrão, que lhe dizia:

-Quando te fores embora dou-ta…

Arrumar as prateleiras, varrer o chão e outras tarefas semelhantes, faziam parte das suas obrigações, quando não estava a entregar os cestos.

O patrão era desconfiado e controlador. Todos os dias, à saída, tinha de descalçar os chanatos e mostrar os pés e os sapatos. A revista não se ficava por ali. Tinha de baixar as calças não fosse dar-se o caso de transportar algo, ou aproveitar para trazer um pepino nas cuecas. Tomé não sabe se algum marçano lhe dera motivos para ser assim.

Ali nada se perdia e havia truques usados pelo patrão para engrossar o seu próprio pecúlio. Quando cortava o bacalhau havia sempre umas lascas que chutava para debaixo do balcão. O bacalhau já tinha sido pesado, juntamente com uma grossa folha que o havia de embrulhar. Os restos acumulados, eram vendidos aos pobres.

Tomé observava e via que nada, mas nada se perdia. A fruta tocada ou recusada pelos clientes, era guardada num cabaz e dada a um criador de gado, que em troca lhe dava o leite matinal, onde a nata e a frescura não faltavam.

De tantas vezes ter de baixar as calças e mostrar os pedúnculos, Tomé vingou-se num pequeno cacho de bananas, que o dono pendurava fora da loja: comeu-o à socapa. Desde esse dia, para evitar os roubos de um desnaturado que lhe tinha pifado as bananas, nunca mais nenhum cacho foi pendurado no exterior do estabelecimento.

No dia em que se foi embora, o patrão deu-lhe o dinheirinho que ele recebera das donas a quem ele transportava os cestos.

Era assim naqueles tempos e Tomé recorda-os, hoje, com saudade.

Jorge C. Chora
Amadora
27/8/2018

domingo, 26 de agosto de 2018

O QUE SE VÊ DE CIMA




Arregalou os olhos quando lhe colocaram a taça de vinho branco à sua frente. Vinha servida a metade.

O jovem empregado, ao ver o que acontecera, atuou de imediato:

-Perdão. Coloquei a taça muito em baixo e ao servi-la de uma posição cimeira julgava que ela estava cheia.

O cliente sorriu e disse-lhe:

-Não se preocupe. No seu caso foi sem querer, mas é um erro muito comum de quem vê a situação dos que estão em baixo: julgam sempre que as suas necessidades tiveram satisfação plena.

-E como não descem ou evitam descer… não corrigem a situação… -completou o jovem de um modo delicado.

-Muito bem. Agora, se não se importa, quero uma segunda taça, mas esta servida de cima…-brincou o senhor.

E em cima do balcão, surgiu quase de imediato, uma taça só com metade do líquido.

Jorge C. Chora
   26/8/2018

sábado, 25 de agosto de 2018

O AMECE DA TIA NAZARÉ/ RECORDAÇÕES DE INFÂNCIA


                                                  
Os lábios de Adelaide adoçam-se ainda hoje ao recordarem o almece feito pela sua tia-avó Nazaré. A sua tia fazia queijos de cabra para consumo caseiro.

Adelaide pelava-se pelo almece. Farta de queijos e presuntos estava ela pois o seu pai negociava estes produtos, entre outros.

Do soro do leite de cabra e de pedaços de coalhada a que se juntavam pedacinhos de pão de milho e açúcar, tudo morno, e estava pronto o almece.

As recordações são assim mesmo: trazem associadas, sentimentos, sabores, cheiros e momentos inesquecíveis. Tantas décadas passadas e a memória de Adelaide, recorda como se tivesse comido ainda ontem, o fabuloso almece da sua tia-avó Nazaré, irmã da sua avó materna, uma vilarregense de gema.

Jorge C. Chora

 25/8/2018


quarta-feira, 22 de agosto de 2018

TELEPATIA



Ao meu amor
envio beijos,
ela recebe,
e logo reenvia,
por simples telepatia,
o dobro dos que
lhe dei, a contar
com os que lhe
darei.

Jorge C. Chora

22/8/2018

domingo, 19 de agosto de 2018

A AVÓ E O DOCE DE AMORAS SILVESTRES




Um calor avelhacado reinou no princípio de agosto e infernizou a vida de toda a gente.
Até a fruta se queimou. As amoras silvestres, indispensáveis para fazer o doce aos netos, foram atingidas em cheio. Calcorreou, seca e meca, para as colher, mas elas estavam mirradas. Picou as mãos e os braços e só colheu amoras enfezadas, que só a muito custo serviriam para alguma coisa.
Para os compensar pensou em comprar um frasco num supermercado, mas desistiu da ideia. Imaginou-os, de mãos juntas postas em oração, suplicando: do supermercado não vale! Esse não é da minha avó.
De coração apertado, voltou às silvas e lá conseguiu obter uma pequena quantidade para não desiludir os pequenos e adorados lambões.
E, como por milagre, a neurose do cão do meu vizinho, que ladra por ouvir ladrar e redobra por não ouvir, acalmou-se, talvez por se aperceber que a avó tinha levado avante o que queria.

Jorge C. Chora
17.08.2018

segunda-feira, 13 de agosto de 2018


                         A PROPÓSITO DE UM PRATO DE LOUÇA DE ALCOBAÇA

Num prato de louça de Alcobaça vi escrito o poema que se segue:

Quando eu morrer
Não quero choros nem gritos
Quero uma galinha assada
E um garrafão de cinco litros

Achei graça à brejeirice e resolvi escrever algo na mesma linha, embora de cariz um tudo nada diferente:

Quando eu morrer,
acabadinho de falecer,
dêem-me champanhe a beber
para que eu possa renascer.

Se zurrapa me quiserem dar,
deixem-me ficar,
morrer duas vezes é azar,
uma fatalidade a dobrar!

Jorge C. Chora
13/8/18


TÃO INVEROSSÍMIL QUANTO UM INSECTO DE BENGALA


              


Adoro cozido à portuguesa. No distrito de Lisboa são muitos os restaurantes que fazem este prato. Havia um que era exímio na sua confecção e que, para mim, se não era o melhor, estava entre os melhores.
Há anos que que não ia lá comer e neste agosto tive a oportunidade de o fazer. Antes não o tivesse feito. O arroz estava deslavado, a couve mal cozida, o feijão branco tal e qual tinha saído da lata e a carne estava salgada. Um horror!
Sinto-me traído e também de consciência pesada:  aconselhei durante anos algo que deixara de corresponder, não só aos padrões de excelência, como também aos mínimos de qualidade.
Desconheço desde quando a confecção deste prato, neste restaurante, decaiu até este ponto, mas acredito que quem é capaz de apresentar uma refeição assim, só pode ter perdido o brio.
Penitencio-me dos meus conselhos e faço mea culpa por tê-los dado. Em minha defesa, se é que ela é possível, só posso dizer que esta situação se me afigurava tão inverossímil quanto a possibilidade de ver um tubarão de boina ou um insecto de bengala.

Jorge C. Chora
   13/8/2018

terça-feira, 7 de agosto de 2018

O PSICHÉ DE D. CREMILDE


                                                 
Cremilde destinava a quarta-feira, como o dia em que decidira abrir as portas de sua casa às vizinhas.
Herdara da Srª D. Virgínia um psiché, coisa rara por aquelas bandas. Servira em casa desta senhora abastada e ela deixou-lho em testamento.
No dia em que ele chegou a sua casa, gerou-se um charivari à sua porta, que impediu a apreciação cabal e a satisfação da curiosidade da preciosidade, por parte da vizinhança.
Cremilde, de modo magnânimo, decretou a terceira quarta-feira de cada mês, para visitas ao psiché, em sua casa. Só dez pessoas de cada vez eram admitidas à visita mensal.
-Para que queres um espelho tão grande ?- questionavam as amigas.
Cremilde explicava que se sentava à sua frente e se arranjava, penteava e colocava o pó-de-arroz, tal como vira a Srª D. Virgínia fazer todos os dias durante anos.
-Mas há três espelhos!
-Claro e isso é a melhor coisa deste psiché…
-Como assim?
 E D. Cremilde afivelava um sorriso maroto e convidava:
-Sentem-se e vejam que no espelho da direita é possível ver a minha cama… O meu Joaquim, como sabem, é um republicano dos quatro costados. Depois do 5 de Outubro, enche-se de certas vontades e eu daqui observo-o, vejo o que se passa, e não deixo que elas lhe desapareçam…
E na vila, sempre que alguém enriquecia, as esposas pediam que lhes comprassem um psiché.

Jorge C. Chora
7/8/2018

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

ARREDA


Nos olhos de outro 
posso ver-me,
mas não
rever-me.
Ele vê-me como quer
que eu fosse,
um simples reflexo
daquilo que ele deseja,
mas não de alguém
que se
está nas tintas,
para aquilo que ele julga ver.

Jorge C. Chora
   2/8/18



sexta-feira, 27 de julho de 2018

A MINHA AVÓ ELEONORA



A minha avó Eleonora, de seu nome completo Eleonora D ’Abreu Ramos da Silva, viveu a maior parte da sua vida na Ilha de Moçambique. Era casada com um militar, o meu avô, e tiveram seis filhos, um dos quais, era a minha saudosa e falecida mãe Regina.

Ontem,26/7/18, faleceu a sua irmã mais velha, Branca Ramos da Silva Pereira e agora só me sobeja a minha tia Odete, a quem desejo mais saúde e força .

A minha avó Eleonora era um espanto. Ficou surda muito nova, após ter contraído uma constipação de alto lá com ela. Adorava conversar e tinha imensa pena de não conseguir ouvir. Lia os lábios dos interlocutores.

Na sua ânsia de escutar, nunca recusou testar aparelhos auditivos. Quando lhe perguntavam se já estava a ouvir com o novo aparelho que estava a testar, dizia logo que sim. Os médicos, alertados para as suas competências de leitura labial, colocavam-se nas suas costas e falavam-lhe. Era o mesmo que nada. Nunca conseguiu ouvir bem. Com muita pena sua, teve sempre de ler os lábios.

Ria com facilidade e o seu humor era contagiante e notável. Um dia, em Lourenço Marques, resolvemos, eu e o meu irmão, dizer-lhe que havia um cavalheiro de idade que rondava a casa e nós julgávamos que ele estivesse interessado em conhecê-la. Acrescentámos que o senhor era um militar e suspeitávamos que fosse um general…

- Oh! Um general? Coitadinho…ainda se fosse um tenente! - e ria-se a pensar no seu falecido marido, meu avô, um tenente coronel de antanho, que a encheu de filhos e morreu cedo.

Quando lhe nascia um bisneto(a) exclamava:

-Linda(o)! Também não tinha a quem sair feio!

Eleonora era muito meiga e beijoqueira. Adorava os netos e extasiava-se com os bisnetos, embora não os visitasse com a frequência desejada, pois mal conseguia andar. Morreu como viveu: com um sorriso nos lábios, enfrentando todas as adversidades.

Jorge C. Chora

27/7/18





terça-feira, 24 de julho de 2018

O MENINO E O CARANGUEJO


Com a cacimba
por agasalho
e o luar como companhia,
uma criança
à beira-mar viu
e sorriu a um caranguejo,
que fugia de uma onda do mar
e convidou-o:
--Anda para ao pé de mim,
que não te faço mal,
tomara eu que não me façam
 o que julgas
que te farei a ti.
E ao luar ficaram,
lado a lado,
como velhos amigos,
o menino e o caranguejo,
 até ao nascer do sol.

Jorge C. Chora
     24/7/18

segunda-feira, 23 de julho de 2018

LOUISE E IVANA


                                                 

Ivana e Louise eram irmãs, sendo Louise, a minha avó e Ivana a minha tia-avó. Estavam juntas todos os dias. À hora do lanche, pelas quatro da tarde, mais pontual do que o Big-Ben, Ivana aparecia. Morava talvez a uns duzentos metros.

Nos dias de muito vento, a deslocação era problemática. A minha tia-avó era muito pequena e leve como uma pena. Cosia-se de modo estratégico aos muros existentes entre a sua vivenda e a da sua irmã. Parava quando a ventania era mais forte e avançava com precaução quando ela abrandava. O certo é que chegava sempre, sem delongas nem desculpas, às quatro em ponto.

A minha avó era mais alta do que a irmã, mas tão magra como ela, embora um tudo nada, menos leve.

Tia Ivana era um doce. Tudo estava bem para ela. Nunca me lembro de a ter visto zangada ou dizer algo mais ríspido. Contou-me o meu falecido pai, que ele e os(as) primos(as), quando eram muito jovens, adoravam estar com a tia e almoçar em sua casa.

Enquanto ela cozinhava, iam passando pela cozinha e tirando batatas fritas ou que lhes apetecia, a seu belo- prazer, sem que ela os repreendesse uma vez que fosse. À hora da refeição, vinha para a mesa exactamente o que tinha sobrado. Disciplinaram-se num ápice. Não ralhou, ameaçou ou gritou. Era assim a minha tia-avó.

A minha avó era diferente. Para ela existiam regras e irritava-se, se algo acontecia fora delas. Não havia mas nem meio mas. Ela mandava e estava tudo dito. Havia horas para tudo. O meu avô era militar e ela habituara-se a governar a casa desse modo, mesmo após o seu falecimento.

O seu ritual nocturno, antes de dormir, impressionava-me. Arranjava as suas longas tranças com todo o cuidado, como se tivesse de ir a qualquer lado. Colocava o pó de arroz e fazia o resto da toillete. A primeira vez que a vi a preparar-se assim, perguntei-lhe porque o fazia e ela respondeu-me:

-Se eu morrer, não dou trabalho a ninguém, para além de saber como vou!

Na cozinha mandava ela e muito bem. Só de pensar nos seus pitéus, cresce-me a água na boca. Havia um senão: sopapos para quem deixasse comida no prato, principalmente para quem tinha tido mais olhos do que barriga ou falasse sem autorização. Havia também, verdade se diga, distribuição de belos chocolates pelos netos, com conta peso e medida. Descobrimos o esconderijo e havia aquilo que designávamos com o assalto ao comboio: comíamos muitos mais do que aqueles que ela tencionava dar-nos. Hoje suspeito que ela sabia perfeitamente das nossas tropelias, mas fazia vista grossa.

Tempos que já lá vão, numa cidade onde a terra e as acácias eram vermelhas!

Jorge C. Chora
23/7/18




sexta-feira, 20 de julho de 2018

A MULHER QUE REBUSNAVA


                                               
 Rebusnava e banhava de perdigotos os comensais: ora era o calor, ora era o aperto ou ainda a qualidade dos que tinham a infelicidade de a suportar. Queixava-se de tudo.

Produzia esgares à mesma velocidade com que estalava a língua e “tocava a burros”. De início, os que a rodeavam, fingiram não perceber, não ouvir e nada diziam.
Com a continuação do estranho concerto, o senhor que a acompanhava, o irmão, aconselhou-a:

-Se já almoçaste, aproveita e vai cumprimentar a família real…

-E onde é que ela está?

-Na tua barriguinha, querida mana… e não lambuzes a mão à princesa que é de mau tom.

Levantou-se, fez algo que ainda hoje se está para se saber se era uma vénia ou um trejeito e recuou até à mesa seguinte, onde quase derrubou a terrina da sopa.

-Oh! obstáculos no meio do salão….

E a criadagem da taberna apressara-se a trazer uma esfregona e um balde para que ela minimizasse os danos que eventualmente provocara.

Perdeu a oportunidade de cumprimentar a família real que saiu sem dar por ela, mas não se deu por achada: no dia seguinte, à mesma hora, entrou na refrega para apanhar um lugar nas longas mesas da tasca, onde a refeição completa era a seis euros.

Jorge C. Chora
   20/12/18



domingo, 8 de julho de 2018

A OFERTA



Fazia inveja ao mais pontual dos ingleses. À mesma hora, passava à porta da loja, com o seu cão e deixava que ele fizesse as suas necessidades, num pequeno montinho de ervas. Ia-se depois embora, sem limpar o local, como se nada fosse com ele.

Naquele dia, como sempre, quando se preparava para deixar o cão aliviar o intestino, a simpática dona da loja chamou-o:

-Se não se importa, entre…deixaram aqui um presente para o senhor…

-Para mim !? -surpreendeu-se o dono do cão- Quem deixou?

-Olhe, para lhe dizer a verdade, a senhora limitou-se a entregar-me a encomenda com a especial menção de lha entregar em mão…

O senhor recebeu a encomenda, um enorme embrulho, com um laço azul Desembaraçou-se do cordel que a envolvia e abriu-a. Um cheiro nauseabundo empestou o ar.

-O que vem a ser isto?-questionou com um ar enojado o dono do cão.

-São os presentes do seu cão. São só os desta semana! Não me diga que não gosta? São do seu cão…pode levá-los à confiança…

Agora, sempre que o homem finge esquecer-se de apanhar os cócós, há sempre quem o recorde:

-Olhe a prenda…

Jorge C. Chora
   8/7/18