segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O menino e o vento

                                                           
Era uma vez um menino que queria correr mais do que o vento. Foi falar com ele e desafiou-o:

-Corro mais do que tu. Queres fazer uma corrida comigo?

-Sim, pode ser…

Logo após a competição ter começado, o menino tropeçou e caiu. O vento parou e perguntou-lhe:

-Aleijaste-te?

-Obrigado por teres perguntado. Mas porque não continuaste a correr?

-Porque uma corrida só vale a pena ser corrida se tivermos companhia… -disse-lhe o vento.

-Não compreendo o que dizes! – admirou-se o menino – Numa corrida o que é importante  não é chegar em primeiro lugar?

-Sim e não! - respondeu-lhe, com ar misterioso, o vento.

-Agora é que não percebo mesmo nada! –  declarou um pouco aborrecido o menino.

- Achas que valia a pena correr sozinho? Sem adversário? – perguntou-lhe o vento.

Ele pensou e chegou à conclusão de que era melhor estar acompanhado. Se não tivesse companhia, a competição não tinha a menor graça. Concluiu também que o vento era um bom amigo e pediu-lhe ajuda.
O vento soprou então com toda a força que tinha, mostrando-lhe o que ele tinha de fazer.

-Mas eu nunca conseguirei correr tanto como tu! – exclamou  desanimado o menino.

-Precisas de ganhar asas nos pés e isso não se consegue sem esforço! – explicou-lhe o vento.

-Mas eu não sou um pássaro…

Depois de um ano de esforço, na primeira corrida em que entrou, o jornalista que assistiu à corrida, escreveu: O vencedor da corrida tem asas nos pés.

Jorge C. Chora


domingo, 17 de novembro de 2013

A mulher dos dois chapéus

                                                                                                                                 

A vassoura era o seu instrumento de trabalho .Usava-a com garbo e raramente parava de trabalhar, com excepção dos breves e indispensáveis momentos de descanso. Retomava a sua actividade com a força e a determinação que a caracterizavam. Não ficava uma folha caída no chão por varrer, um simples bilhete de transporte por recolher. Voltava atrás quantas vezes fossem necessárias. Mariana, assim se chamava e chama a trabalhadora, usava dois chapéus de palha ao mesmo tempo. Um inclinado para a frente que lhe tapava a testa e o outro, encaixado no primeiro, voltado para trás, trazendo-lhe protecção para as inclemências do tempo.

Quando lhe atribuíam uma zona de trabalho diferente, mesmo que fosse por pouco tempo, a sujidade acumulava-se no bairro que ela deixara. As folhas dos plátanos, no Inverno, depois de uma ventania ou de uma chuvada mais intensa pejavam as ruas, tornando-as inseguras e feias. A agravar a situação, as folhas dos panfletos publicitários, que as pessoas teimam em deitar para o chão misturavam-se com os jornais que depois de lidos tinham o mesmo destino.

Quando a senhora aparecia, desencadeava uma autêntica guerra às folhas, que esvoaçavam na ponta da sua vassoura, até formarem montes que ela recolhia e ia depositando no lixo, sem tréguas e sem sinais de esmorecimento.

D. Mariana, a mulher dos dois chapéus, era o símbolo da limpeza, do trabalho árduo e de empenho na profissão. Naquele tempo não havia “sopradores”,carros “vassouras” e equipas conjugadas no combate à sujidade que hoje, felizmente, há. Em contrapartida havia a mulher dos dois chapéus, a D. Mariana, que eu vi já há alguns anos, bem perto da porta da Câmara Municipal da Amadora, instituição que ela serviu, com brio, quando estava no activo.

Vivam todas as Marianas deste país!


Jorge C. Chora

sábado, 16 de novembro de 2013

Concorrência desenfreada...

                  
  Os avós passaram o tempo a beberem este mundo e o outro. Os pais arrastaram-se pela vida fora. Os netos, fazendo jus aos antepassados, herdaram-lhes a vagabundagem e a bebida.
Para sustentarem os vícios que lhes foram deixados, especializaram-se em enganar os conterrâneos.
Os olhos dos netos esbugalharam-se, quando viram um casal à sua frente encontrar uma carteira no chão. Depressa gizaram o plano para se apropriarem do seu conteúdo.

-Foi por estas bandas que perdi a carteira… -disse a neta, arregalando os olhos.

O casal abriu a carteira, olhou para uns documentos que ela continha e perguntou:

-Como é que a senhora se chama?

Revirou os olhos e pretendeu evitar a resposta:

-Ainda não fui tratar do cartão de cidadão…

- Mas aqui há um documento de identificação…. -  respondeu-lhes o casal que tinha encontrado a carteira.

-Não me lembro de o ter deixado na carteira… - tentou esquivar-se a candidata à posse.

-Pois assim não é possível devolver-lha… - concluíram os achadores - até porque ela pertence a estrangeiros – e continuaram a caminhar, dirigindo-se a uma esquadra da polícia que se encontrava na esquina.

Antes de conseguirem chegar à delegação policial, os netos interpelaram de novo o casal que encontrara a carteira:

-Somos descendentes de franceses….é muito provável que os documentos estejam em nome dos nosso antepassados…,

-Nem franceses nem ingleses…ela pertence a… - E não tiveram tempo de acabar a frase, pois um sem abrigo apoderou-se dela e enquanto fugia gritou:

-Ela não é vossa nem é minha…ela é de quem a apanhar…

E na correria desenfreada, quando olhou para trás para controlar os seus perseguidores, chocou com um grupo de amigos do alheio que lhe ficou com a carteira e lhe disse:

- Faz de conta que somos a troika…vai-te e não digas a ninguém…

Jorge C. Chora




sábado, 2 de novembro de 2013

Guardado está o pedaço...

Tinha o estômago a dar horas. Os seus olhos fixaram-se na vitrina do restaurante onde se encontravam expostas três enormes postas de peixe. Sentou-se e pediu ao empregado a maior das postas.

-Peço desculpa, mas a maior está reservada para o patrão…

-Então a segunda maior… -tentou o cliente.
-Torno a pedir-lhe desculpa, mas essa é destinada à patroa…

-Mau…não me diga que a terceira também está reservada …

-É verdade..e é para mim, que hoje estou convidado a almoçar com os patrões…

-Ainda pode comer uma bela feijoada… -sugeriu o empregado.

-Venha lá ela… -conformou-se o cliente.

Passado um bocado entraram os donos que disseram ao empregado:

-Daqui a uns minutos vai chegar um amigo que convidámos para almoçar. Mande fazer o peixe.

-Mas só há três postas…

-E depois? Escolha outro prato para si…

-Por acaso não há. A última dose de feijoada acabou de ser servida… -explicou o funcionário.

-Olhe, gordo como o senhor está, bem pode fazer dieta e agradecer-nos o cuidado que estamos a ter consigo. – replicaram os proprietários.

Na mesa, o cliente protegeu com ambos os braços o prato que tinha à sua frente ao ver o funcionário aproximar-se e exclamou:

- Não estou de dieta!

Afastou-se o empregado resmungando entre dentes:

-Não está, mas devia estar…



Jorge C. Chora