Colocou duas meias solas e os segundos pareceram-lhe minutos
e estes assemelharam-se a horas: o tempo demorava a passar. A última hora de
trabalho estava a ser insuportável.
Imaginou os compinchas, abancados na taberna a dessedentarem-se.
Em quantas rodadas já iriam? Pelo menos
quatro, talvez mais, calculou.
A sua agitação ia crescendo. Agora estariam a fazer uma
pausa e a comer uns nacos de pão, com umas lascas de presunto. O sapateiro, sem
querer, babou-se. Maldita hora que não passava!
Pegou no relógio com receio de que ele se tivesse avariado.
Alarme falso. Trabalhava e ouvia-se bem, após o cessar das marteladas nas meias
solas, o tique-taque vagaroso dos segundos.
Mal soou a hora de saída, levantou-se e, numa correria
desenfreada, dirigiu-se ao armário perto da porta e foi buscar um grande copo.
Ao chegar à taberna, gritou logo à entrada:
-Em que rodada vão?
Apurado o número, ordenou ao compadre taberneiro:
-Enche-o de modo a recuperar o atraso que tenho.
Ao acabarem o convívio, o sapateiro pediu ao compadre, que
lhe guardasse o copo recuperador e procedesse, de futuro, como tinha feito, de
modo a que ele não perdesse as rodadas.
A partir deste histórico dia, nunca mais o sapateiro se
preocupou com o ritmo das horas, minutos e segundos do seu vagaroso relógio.
Jorge C. Chora
31/8/19