A moeda projectada ao ar, rodopiava e cintilava, açoitada pelos raios solares. Mal tocava a palma da mão era de novo reenviada a cerca de trinta, quarenta centímetros.
Este vai e vem contínuo de arremessos e quedas, era seguido pelo olhar do João, à porta da sua loja. Andava furibundo com o facto de há dois meses não ouvir o tilintar de nenhuma moeda na sua caixa registadora. Maldizia a vida, o negócio, os impostos, a fedorenta crise e as medidas que contra, ou a favor dela, sabia lá ele, se tomavam.
Sentia crescer em si uma raiva ao ver aquele” arrumador”, arrumador uma ova, um”carocho”, um saca - moedas, um perna ágil ao aparecer a voar junto das viaturas já estacionadas sem qualquer intervenção da sua parte “ a brincar com a moeda de dois euros. O lugar da moeda era na sua caixa registadora.
Há dois meses que gastava os seus parcos recursos bancários. As idas ao banco destinavam-se a levantar, levantar e tornar a levantar. Jurara a si próprio abolir este verbo do seu vocabulário. O problema era que mesmo que recusasse conjugá-lo, o modo imperativo se lhe impunha de tal modo que o reduzia à ínfima potência: obedecer sem alternativa.
Estava nesta irritação, o seu olhar acompanhando a trajectória da moeda, alternando com o fuzilamento do “carocho” , quando este deixou escapar a moeda e ela se enfiou entre as grades do esgoto da rua. O homem encolheu os ombros e seguiu o seu caminho.
João, abespinhado, de testa franzida, berrou-lhe:
-Brincar com o dinheiro é o que dá!
-O dinheiro é meu… -replicou um tanto surpreso o arrumador.
-O problema é mesmo esse… é ser seu…
-Ó amigo se tem tanta falta dele, podemos ser sócios…
-Sócios? Em quê? – questionou, com os sentidos alerta.
-Estes lugares à frente da sua loja… podemos reservá-los com uns caixotes seus e depois dividirmos os lucros…
João, em milésimos de segundo, visionou o movimento, fez contas, dividiu e, em simultâneo, falou com sabedoria negocial:
-Sócio, para mostrar a sua boa fé, façamos já a divisão dos lucros apurados nesta manhã. Quanto à moeda caída, não se preocupe … é só menos uma.
Jorge C. Chora
sábado, 16 de outubro de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Em tempos de crise um sócio dá sempre jeito...
ResponderEliminarÈ assim, quando toca a dinheiro...
ResponderEliminar