Carlota sacode-se e bamboleia-se ao ritmo do fado. Reside na
estação fluvial do Terreiro do Paço e debica aqui e acolá o alimento de que
necessita. Tem, no entanto, um canto certo onde José, vindo há um ror de anos
de S. Antão, a acolhe no Campo das Cebolas.
Quando Carlota, uma gaivota de patas amarelas, quer comida
mais fina, vai ter com José que com ela partilha um pitéu que ambos apreciam:
peixe frito.
-Ora um pedaço para mim, outro para ti…-avalia José.
E Carlota apanha-o em pleno voo, deglutindo-o num ápice.
Pousa logo a seguir e olha desconfiada para o amigo:
-Será que comeste dois pedaços e me deste só um?
É pequena, dançarina, e tem um terceiro atributo que a
qualifica e é pouco comum estar associado aos dois primeiros: é velhaca.
Carlota é excepção: pode com os três e não disfarça que se sente muito bem.
Nos dias em que há feijão com arroz, recusa tocar-lhes, diz
que não é brasileira, levanta voo e expulsa tudo o que tem asas ou ousa
esvoaçar na área da estação.
No dia em que José lhe serviu frango, ei-la que tornou,
furiosa, após tê-lo bicado e o ter comido. Pairou sobre as cabeças que estavam no
solo. José alertou:
-Cuidado que ela vai lançar a carga sobre nós.
E aos pés de José, caiu um osso da galinha que ela devorou.
Um enorme cocó veio logo a seguir e só por milagre não o atingiu.
Carlota afastou-se, não sem antes ter ameaçado:
-Torna a dar-me galinha e vais ver…
Jorge C. Chora
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