segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O amor interesseiro de Carlota

Carlota sacode-se e bamboleia-se ao ritmo do fado. Reside na estação fluvial do Terreiro do Paço e debica aqui e acolá o alimento de que necessita. Tem, no entanto, um canto certo onde José, vindo há um ror de anos de S. Antão, a acolhe no Campo das Cebolas.

Quando Carlota, uma gaivota de patas amarelas, quer comida mais fina, vai ter com José que com ela partilha um pitéu que ambos apreciam: peixe frito.

-Ora um pedaço para mim, outro para ti…-avalia José.

E Carlota apanha-o em pleno voo, deglutindo-o num ápice. Pousa logo a seguir e olha desconfiada para o amigo:

-Será que comeste dois pedaços e me deste só um?

É pequena, dançarina, e tem um terceiro atributo que a qualifica e é pouco comum estar associado aos dois primeiros: é velhaca. Carlota é excepção: pode com os três e não disfarça que se sente muito bem.

Nos dias em que há feijão com arroz, recusa tocar-lhes, diz que não é brasileira, levanta voo e expulsa tudo o que tem asas ou ousa esvoaçar na área da estação.

No dia em que José lhe serviu frango, ei-la que tornou, furiosa, após tê-lo bicado e o ter comido. Pairou sobre as cabeças que estavam no solo. José alertou:

-Cuidado que ela vai lançar a carga sobre nós.

E aos pés de José, caiu um osso da galinha que ela devorou. Um enorme cocó veio logo a seguir e só por milagre não o atingiu.

Carlota afastou-se, não sem antes ter ameaçado:

-Torna a dar-me galinha e vais ver…


Jorge C. Chora

Sem comentários:

Enviar um comentário