quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

As asas de Ambrósio


Sempre que João telefonava a Ambrósio, para ver se recuperava o dinheiro que este lhe devia, a resposta era a mesma:

-Amigo João, estou bem longe…mais propriamente em Braga…quando regressar falamos…gostei de o ouvir – E desligava o telefone.

Um destes dias, João viu Ambrósio, numa cervejaria em Lisboa. Telefonou-lhe e Ambrósio fez-lhe o favor de atendê-lo:

-Amigo João, como vai? Não me esqueci de si…neste momento estou no centro de Albufeira…

-Ambrósio, meu amigo dilecto, vem mesmo a calhar, também estou em Albufeira e vou já ter consigo…

-Oh! Que pena…apanhou-me mesmo de saída…vemo-nos em Lisboa.

Colado ao vidro da cervejaria, João viu Ambrósio colocar o telemóvel no bolso do casaco e esboçar um sorriso de desdém. Entrou e dirigiu-se-lhe directamente:

-Com que então amigo Ambrósio, para quem há uns minutos ainda estava em Albufeira, conseguir chegar aqui, só pode ser um milagre…

-Pode crer João…ainda há poucos segundos guardei as asas ali, naquele saco, encostado à mesa…

João sentiu um calor subir-lhe às faces. Deu três passos, agarrou no saco, mas não teve tempo de mais nada. Foi violentamente agarrado por quatro homens que o sacudiram e lhe gritaram:

-Seu descarado… a roubar-nos debaixo do nosso nariz. Ora toma.

Depois de levar umas boas sacudidelas, deram-lhe a possibilidade de explicar o que se passara. Quando chegou à parte das asas, a cena repetiu-se:

-Ainda gozas, ora espera …-E tornaram a prodigalizar-lhe uns safanões.

 Ambrósio evaporou-se. Ninguém mais o viu. Hoje em dia, mal João entra num restaurante, cervejaria ou café onde o devedor costumava ir, ouve, sem ter perguntado nada a ninguém:

-O Ambrósio ainda aqui não aterrou!


Jorge C. Chora

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