Ursulina subia a rua do Carmo a passo lento, lentíssimo,
bamboleando as ancas com malícia e saber de experiência feita. Atrás de si, um
homem maduro, de olhos postos nas nádegas da caminhante, fingia-se incomodado
com a visão paradisíaca, fazendo lembrar Pina Manique, sempre à cata de
mulheres licenciosas que não estivessem matriculadas.
Tão embrenhado na sua tarefa se encontrava que não deu conta
de que a sua cabeça assumira o balancear da bela Ursulina.
O”Tainha”, assim se chamava o homem, conhecia o marido da
senhora. Era dono de barcos de pesca, afamado gabiru das noites de estúrdia
lisboeta, amante de mulheres de má fama e gastador inveterado. Fora seu
empregado e andara à pesca nos seus barcos. Todos sabiam, através dos seus
pescadores, que o patrão possuía um apêndice corporal de alto lá com ele, pois
estavam fartos de o ver, a bordo das embarcações, urinar para o Tejo e para o
mar.
“Tainha” seguia agora quase colado
a Ursulina e ninguém lhe tirava da cabeça que o seu avantajado marido deveria
ser o responsável pela lentidão da sua marcha. Suspirava o pescador pelos
tempos da inquisição em que a relação contranatura seria objecto de sevícias e
até conseguia ouvir os gritos do empresário.
Prosseguia Ursulina com muita
dificuldade a sua ascensão, após uma lauta feijoada, esforçando-se para reter
os gases quando, sem conseguir conter-se, explodiu. “Tainha”, quase colado, foi
apanhado pela explosão gasosa. Desmaiou e só acordou no hospital, ligado a uma
máquina de oxigénio. Ainda hoje não sabe o que lhe aconteceu.
Jorge C. Chora
Sem comentários:
Enviar um comentário