sexta-feira, 21 de outubro de 2016

BEIRA DOS ANOS 5O/6O. IR AO CAMPO DE AVIAÇÃO,VER OS AVIÕES,ERA UM PASSEIO DOMINICAL

   

Ir ao campo de aviação (era assim que os moçambicanos designavam a ida ao aeroporto) era um programa de fim-de-semana. Julgo que isto era o que acontecia, um pouco por todo o território, nas cidades dotadas de aeroportos.

Na Beira, de há cinquenta/sessenta anos, esta actividade era frequente. O aeroporto distava uns bons quilómetros do centro da cidade e só para lá chegar isso já constituía uma pequena diversão.

Ver os aviões aterrarem e levantarem, entrar no edifício, passear nas varandas, sentir o cheiro dos combustíveis e ouvir o roncar dos motores era um programa em cheio.

Acontece que eu e o meu irmão enjoámos prematuramente esta volta dominical e eu vou explicar a razão de tal facto.

Quase todos os anos, nas férias grandes, apanhávamos o avião para LM, para irmos passar uma temporada a casa da nossa avó e para estarmos com os nossos primos. Éramos entregues às hospedeiras da Deta, cuja beleza e profissionalismo eram inexcedíveis. Nas primeiras vezes, ao entrarmos no avião, estranhávamos termos quase de trepar até alcançarmos os lugares, pois a inclinação dos Dakotas era tal que parecia estarmos a subir uma encosta.

As viagens decorriam em beleza, embalados pelos poços de ar e os avisos constantes de apertar os cintos e a barulheira dos motores. Quando chegávamos a LM, caso o nosso tio não estivesse à nossa espera, trazíamos escrita a morada e apanhávamos um táxi que nos levava, sempre em segurança, ao nosso destino, pese embora a pouca idade que tínhamos. Voámos em dakotas, friendships e boeings 737 à medida que a Deta se modernizava. Até aqui tudo bem.

O busílis da questão residia em conseguirmos apanhar o avião para LM e, no regresso, para a Beira. Como assim? É simples, pois só viajávamos se não houvesse passageiros pagantes. A companhia pertencia aos Caminhos de Ferro de Moçambique e os seus funcionários ou familiares só podiam usufruir de viagens se os passageiros normais não esgotassem todos os lugares.

Chegada a altura de férias, levantávamo-nos de madrugada, antes do nascer do sol e íamos para o aeroporto no dia aprazado. Não me recordo de nenhuma viagem que tivéssemos feito no dia marcado. À última hora surgia sempre um passageiro que comprara a passagem para tratar de assuntos imprevistos, ou de um funcionário em serviço que ia para a capital.

Regressávamos a casa tristonhos. Os empregados faziam-nos o lanche e eramos enviados para a “nossa praia” a todo o vapor. Se à primeira tinha graça, quando nos recambiavam quatro, cinco, seis e sete vezes, deixava de todo de tê-la.

Retornados à habitação, éramos recebidos com um sorriso e com um lanche já preparado de antemão, que nos estendiam sem perda de tempo, com ordem de marcha para as ondas da praia.

Não admira, que os passeios dominicais ao campo de aviação, não colhessem, da nossa parte, nem da parte paterna, muita simpatia.

Mal sabia eu que em adulto, passaria imenso tempo a ver aviões de todos os modelos, cores e feitios, aterrarem e levantarem nas inúmeras horas de espera, em trânsito, nas viagens aéreas que fiz.

E afinal, a mania de observar aviões, ir aos aeroportos e realizar as passeatas de domingo não existia só na Beira, mas também em Lisboa, no Porto e onde existissem aeroportos… Que o digam, ainda hoje os designados como “spotters”…

É pois, com um sorriso amarelo que ainda hoje vejo a minha mulher, sempre que ouve um ronco de um avião que passa por cima da nossa casa, ir ao site “flighradar24” para saber qual é o vôo, o tipo de avião, para onde vai…

Jorge C. Chora


1 comentário:

  1. Excelente querido primo... Um dos "lugares comuns" da(s) Infância(s) de há mais de 50 anos;
    Memórias que fazem (a) História(s).

    ResponderEliminar