Arregalou os olhos ao ver entrar-lhe em casa, por debaixo da
porta, um líquido estranho que se espalhou pela passadeira. Espreitou pelo
óculo da porta e deparou com o velho e corpulento vizinho alemão, com o seu
doberman à trela, parado à sua entrada.
Esfregou os olhos, duvidando do que observava. Abriu devagar
a porta e mesmo assim não acreditou no que lá estava: um charco de urina e um
grande cócó.
Uma enorme fúria começou a apossar-se de si. Abeirou-se do
corrimão, espreitou para os andares que lhe ficavam em baixo e ouviu, alto e em
bom som o vizinho comentar com os outros inquilinos, que a emigrante fazia as
necessidades no patamar.
Falando alemão tão bem ou melhor do que o porcalhão, desceu
a correr as escadas até ao andar onde estavam, pôs-se em bicos dos pés e
gritou-lhe bem alto:
-Acha que a minha porta é a sua casa de banho para ir lá
fazer cócó e chichi?-E estendeu-lhe um pano, enquanto ordenava – Vá
imediatamente limpar o que sujou.
Apanhado em flagrante, gagejou:
-Não fui eu…foi o meu cão…
- Vou fingir que acredito…rápido …rápido -ordenou-lhe a
pequena portuguesa, apontando-lhe com o dedo a direcção da sua casa.
No dia seguinte, aqueles que até aí nem sequer a
cumprimentavam, à sua passagem, inclinavam a cabeça e saudavam-na:
- Guten morgen meine dame…
Claro que o desfecho desta situação não correspondeu à
realidade. A educadíssima portuguesa, teve não só de suportar a imundície
avelhacada deste vizinho pouco civilizado, como também limpar diariamente o
produto das suas investidas selvagens.
Casada com um cavalheiro alemão, tiveram de suportar esta
situação até que a vivenda de ambos
estivesse terminada.
Decorriam os anos 60, a portuguesa era professora do liceu e
adquirira a nacionalidade alemã.
Jorge C. Chora
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