quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

DIÁLOGO MATINAL



Todas as manhãs, no café do bairro, primeiro entra a canadiana e só depois, muito depois, surge a respectiva dona. Trôpega, move-se com esforço. Estalam os ossos e quase sentimos as dores excruciantes que acompanham os passos que dá.

À medida que se locomove, mexe os lábios e não produz qualquer som. Optou por dizer palavras inaudíveis, queixas mudas: adivinham-se palavrões cabeludos, nada ofensivos porque não se ouvem, bastante comedidos porque nada proporcionais às enormes dores que tem.
Cumprimenta o senhor que se senta à mesa do canto do café:


-Bom dia …como passou a noite? - e faz um esgar, tocando nas pernas, na cabeça e no ombro.

Está lançada a conversa. Engatilha a história do que padeceu à noite.O cavalheiro vai assentindo com a cabeça e sorri. Não percebeu praticamente nada do que a senhora disse, embora saiba que ela se queixa das maleitas de que sofre. O monólogo tem certa duração: cerca de quinze minutos.

Aguenta de modo estóico o quarto de hora da praxe. O jornal aguarda a oportunidade de ser lido.
Na hora da despedida, a idosa senhora, sorri, quase feliz e confortada e despede-se:


-Amanhã também é dia! Cá nos encontraremos …tenha um bom dia.

-Bom dia minha senhora. Cá nos encontraremos…

E o jornal, cansado de esperar, quase se abre sozinho, esparramando-se por cima da chávena de café gelada.



Jorge C. Chora

7/2/2018

Sem comentários:

Enviar um comentário