sábado, 31 de agosto de 2019

O COPO DO SAPATEIRO



Colocou duas meias solas e os segundos pareceram-lhe minutos e estes assemelharam-se a horas: o tempo demorava a passar. A última hora de trabalho estava a ser insuportável.
Imaginou os compinchas, abancados na taberna a dessedentarem-se. Em quantas rodadas já iriam?  Pelo menos quatro, talvez mais, calculou.

A sua agitação ia crescendo. Agora estariam a fazer uma pausa e a comer uns nacos de pão, com umas lascas de presunto. O sapateiro, sem querer, babou-se. Maldita hora que não passava!

Pegou no relógio com receio de que ele se tivesse avariado. Alarme falso. Trabalhava e ouvia-se bem, após o cessar das marteladas nas meias solas, o tique-taque vagaroso dos segundos.

Mal soou a hora de saída, levantou-se e, numa correria desenfreada, dirigiu-se ao armário perto da porta e foi buscar um grande copo.

Ao chegar à taberna, gritou logo à entrada:

-Em que rodada vão?

Apurado o número, ordenou ao compadre taberneiro:

-Enche-o de modo a recuperar o atraso que tenho.

Ao acabarem o convívio, o sapateiro pediu ao compadre, que lhe guardasse o copo recuperador e procedesse, de futuro, como tinha feito, de modo a que ele não perdesse as rodadas.

A partir deste histórico dia, nunca mais o sapateiro se preocupou com o ritmo das horas, minutos e segundos do seu vagaroso relógio.

Jorge C. Chora
31/8/19

Sem comentários:

Enviar um comentário