sábado, 25 de novembro de 2023

JÚLIA


À porta de casa, após ter perdido a mãe há um mês, Júlia recebeu duas cartas carimbadas e registadas: uma, a anunciar-lhe ter sido despedida e a outra a dar-lhe um pequeno prazo para abandonar a casa onde tinha nascido, em virtude de o contrato estar em nome da sua mãe, que falecera, ou caso contrário, a pagar o quadruplo da renda.

Saiu desvairada de casa, cirandou sem rumo por essa Lisboa, sem conseguir pensar em nada ou em qualquer solução.

À medida que se cruzava com pessoas ia dando os bons dias, ainda que por puro hábito. Ninguém lhe respondeu.

Num jardim povoado de gente, achou uma corda no chão, fez um laço corrediço, lançou-o a um tronco forte e à vista de todos enforcou-se.

Ninguém a demoveu ou sequer se moveu. Levantaram-se e foram-se embora, exceto uma velha peixeira que por ali passava. Correu a agarrá-la pela cintura, tentando suportar o seu peso para evitar que se enforcasse.

Gritou por ajuda pois, sozinha, não tinha forças para sustentar a jovem, mas sem auxílio não conseguiu aguentá-la por muito tempo e o enforcamento deu-se.

Rezou-lhe uma Avé Maria, ainda agarrada à cintura da jovem.

Uma lágrima de desespero e raiva escorreu-lhe pela cara, por não ter conseguido evitar aquele desfecho.

Pagou o funeral da jovem e na lápide mandou inscrever o seguinte dizer:

AQUI JAZ UMA JOVEM, QUE NINGUÉM QUIS AJUDAR.

OXALÁ NÃO VOS ACONTEÇA O QUE A ELA ACONTECEU.

Jorge C. Chora

25/11/2023

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