sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O segredo do senhor "von Kartoffel"

As gargalhadas sacudiam-lhe a jucunda barriga, os enormes peitos e a papada volumosa. De riso fácil e disposição alegre, o tintureiro Kartoffel fazia tudo com gosto e com uma arte e delicadeza irrepreensíveis.

A preparação dos químicos era um momento de verdadeiro espectáculo. As doses eram pesadas até ao miligrama, misturadas em frascos, provetas e vidrinhos. As preparações eram elevadas acima da cabeça e observadas à contra luz, olhadas como se quisesse vê-las à transparência. De seguida eram adicionadas nas tinas, em gestos suaves, harmoniosos, musicais. Quem via, julgava assistir a verdadeiros passos de ballet clássico, mesclado de enérgicas interferências de um bailado moderno, prenhe de inovação e colorido.

Aquelas poções, pese embora a roupagem quase mágica de que se revestiam, eram claras, matemáticas, rigorosas e tão simples que qualquer um podia copiá-las, registá-las,repeti-las.

Sempre que o tintureiro executava o seu trabalho, os proprietários da fábrica têxtil bebiam-lhe as porções, anotavam as quantidades, comparavam-nas com as anteriores.

Ágeis no cálculo, e de olho gordo nas poupanças que fariam se não tivessem de pagar o ordenado a “von Kartoffel”, despediram-no sem apelo:

-Von Kartoffel, agradecemos-lhe a sua contribuição na empresa, mas já não precisamos de si. Já sabemos todos os seus segredos e podemos poupar o seu salário.
O tintureiro sorriu e disse:

-Quando me tornarem a chamar, só aceitarei voltar com o dobro do ordenado…

Sonoras gargalhadas responderam ao desabafo do tintureiro.

-Que tonto…coitado…não tem onde cair morto… - comentaram após a saída do técnico.
Na manhã seguinte, reuniram-se os donos da fábrica. Nunca o mundo lhe sorrira como naquele momento.

Reproduzido todo o processo, sem esquecer as medidas, os pesos, as miscelâneas devidas e até os gestos, foram colhidos de surpresa: a tinta não deu os resultados esperados.

Discutindo o que podia ter corrido mal, chegaram à conclusão que não tinham mexido as tintas e os químicos com uma bengala como “von Kartoffel”costumava fazer. Utilizada a bengala de um dos sócios o resultado foi o mesmo.

Estavam as coisas neste pé, quando um dos melhores amigos do tintureiro, operário da fábrica, por ali passou e desatou a rir à gargalhada.

-De que te ris?

-É que o segredo de von Kartoffel residia na sua bengala…que era oca…

-E o que tem a ver isso com… -interrogaram-se dois dos três donos presentes.

Preparava-se para responder, quando o terceiro proprietário, caiu em si e exclamou:

-Ai que nos tramámos…a bengala tinha os químicos necessários para serem adicionados aos outros que nós conhecíamos…

Jorge C. Chora

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