À medida que ia anoitecendo, um cheiro pastoso, pesado, adocicado, foi-se libertando do jasmineiro. Gotas de suor escorriam-lhe da testa, por mais que a limpasse. Não se sentia bem e o cheiro fazia com que se sentisse pior. Um enjoo crescente foi-se apoderando de si. O calor e o cheiro tornaram-se insuportáveis. No verão era sempre assim. Quase uma agonia.
Esse Verão estava a ser o pior de todos. A agravar o seu mal-estar estava a visão que tivera ao ver a bela Sereia, era assim que designava a mulher que lhe surgia em sonhos, sentada numa esplanada da rua de Santo António, em pleno centro da cidade.
Tantas vezes sonhara com aquela mulher. A visão estava em definitivo remetida para o arquivo da imaginação, do delírio, do irreal, da máxima utopia. Foi num dia ensolarado que a viu. Reclinada na cadeira com o cotovelo esquerdo apoiado na mesa, com a cabeça inclinada para trás e os longos cabelos encaracolados caiando-lhe em cascata, reluzindo ao sol.
Extasiado, parou a observá-la. Nada, mas absolutamente nada lhe desagradava naquela mulher. Os olhos redondos e verdes, o bronzeado delicado, o modo como gesticulava, o riso contido, intercalado com um sorriso de outro mundo. Estava acompanhada por outra mulher, mas nem sequer reparou nela. De repente passou-lhe em frente um numeroso grupo de turistas. Quando acabaram de passar, o objecto da sua contemplação desaparecera.
Em pânico percorreu a rua de um topo a outro. Cortou pelas transversais e tornou ao mesmo local, um sem número de vezes. Esfumara-se.
A partir daí, o calor tornara-se mais feroz e o cheiro ainda pior. A sua visão, o seu sonho, esfarelaram-se perante os seus olhos sem dó nem piedade .Era atroz só de pensar, quanto mais sabendo que ela existia e desaparecera assim, sem mais nem menos da sua vida. Ficara sem saber rigorosamente nada dela.
Sabia que existia, que afinal o sonho era uma realidade palpável.
Naquele entardecer, sentado à varanda, nauseado pelo maldito calor e o fedorento perfume a jasmim, o coração parou de bater. Viu aproximar-se do muro do seu jardim, a Sereia, num passo elegante e rápido. Tremeu de emoção. Não perderia a oportunidade de entabular um diálogo, estabelecer um contacto, de iniciar uma relação que aprofundaria até ao âmago do seu ser.
Levantou-se da varanda e aproximou-se do lado esquerdo do muro, ao mesmo tempo que a Sereia, sem o ver, levantava de um modo suave a sua pequena saia à frente, agarrava no seu pénis e urinava no jasmineiro.
No dia seguinte o nosso sonhador mandou cortar o jasmineiro.
Jorge C. Chora
terça-feira, 1 de março de 2011
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Nem sempre as paixões são tudo...
ResponderEliminarAinda bem que anda muita coisa escondida, para bem da Mãe-Natureza, porque senão não tardava até termos o jasmineiro na lista das plantas em risco de extinção!...
ResponderEliminarAbraço, amigo Chora, aliás Guru Chora
Acontece que por vezes, quando vemos as coisas de mais perto, elas não são o que parecem.
ResponderEliminarMas quem mandou este marmanjo acreditar em sereias?
Ainda se fossem anjos poderíamos pôr a velha questão "de que sexo são os anjos?".
Mas sereias(!), já lá diziam os marinheiros gregos que são seres enganadores.