O calor era tanto que derretia o alcatrão. Sentia, à medida que circulava, os pneus da sua viatura colarem-se à estrada. Não havia vivalma e rolava de modo descontraído pela longa recta à sua frente. Ligou o rádio e sorriu ao pensar que tinha começado as suas curtas férias. Juntara, cêntimo a cêntimo, o dinheiro para aqueles dias no Algarve. O desemprego não lhe deixava margem para mais e tinha de se contentar com o que tinha.
Ocupada com os seus pensamentos, viu umas centenas de metros à sua frente, uma autoridade a fazer-lhe sinal de paragem. Olhou pelo retrovisor a ver se havia alguém que viesse atrás de si. Nada viu. Tornou a olhar e certificou-se que a ordem era para si. Um auto-stop no meio do deserto? interrogou-se.
-Bom dia senhor agente…
-Bom dia minha senhora. Faça o favor de me mostrar os documentos da viatura e os seus por favor… – e enquanto falava, perfilava-se e fazia-lhe a continência.
Verificados os documentos, aberta a bagageira, mostrado o colete e o triângulo, inspeccionados os seguros e os certificados, a condutora, à torreira do sol, completamente encharcada em suor, suspirou e disse:
-Está tudo em ordem? Posso seguir a minha viagem?
-Só depois de pagar a multa…sabe que cometeu uma infracção grave!
-Multa? Infracção grave? De que é que está a falar senhor agente? - questionou-o, espantada, a condutora.
-Sabe a que velocidade vinha senhora condutora?
-Claro! A noventa, noventa e poucos…
-Confirmo. Vinha a noventa. Sabe que está numa localidade?
-Numa localidade? Só há uma casa…!
-Pois veja o sinal que ali está. – e apontou o malfadado sinal, que mal se via mas estava de facto lá.
Pagou trezentos euros de multa, inverteu a marcha e regressou a casa, sem férias e sem dinheiro. Uma raiva surda apoderou-se de si e desejou que todo o mal do mundo acontecesse ao homem. Nesse momento um pneu da sua viatura rebentou. Logo de seguida desabou uma chuva tropical.
No seu posto de vigília, molhado até ao tutano, o guarda resmungava:
-Num sítio onde não passa ninguém, ia lá perder a oportunidade de mostrar ao chefe que até no deserto cumpro a minha função!
E ia sacudindo as pernas a ver se conseguia livrar-se do verdadeiro oceano que lhe inundava as botas.
Jorge C. Chora
quarta-feira, 8 de junho de 2011
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