quarta-feira, 1 de junho de 2011

Visitas incómodas

Aos primeiros sons de passos, espreitava pelo óculo da sua casa. Caso a visita fosse indesejável, nomeadamente o senhorio, estalava os dedos e dois dos seus filhos, entre os que estivessem mais próximos, corriam à procura dos penicos e instalavam-se junto à entrada.

Ainda não tinham tocado à porta e já eles gemiam que nem uns desalmados, como se estivessem no auge do esforço requerido ao acto. Seguiam-se sons de alívio directamente proporcionais ao esforço dispendido, sincronizados com a lenta abertura da porta. Ainda esta não abrira e já cá de fora se ouviam rogos de desculpas:

-Peço mil perdões…voltarei numa outra altura…

-Se não for incómodo… - respondia sorridente o inquilino.

Passaram-se algumas semanas e a cena continuou a repetir-se. Meses depois o inquilino precisou de falar com o proprietário, devido a uma verdadeira catadupa de avarias.

Quando subia as escadas da casa do proprietário, ouviu uma verdadeira correria no interior da mesma. Ainda não tocara à campainha, quando uma onda sonora, em tudo semelhante à que os seus filhos faziam, o envolveu.
Suspendeu o gesto de tocar e preparava-se para se ir embora, quando a porta se abriu.

-Faça o favor de entrar … -convidou-o o proprietário.

-O inquilino ia morrendo com o cheiro pavoroso. De olhos arregalados, em vez de dois penicos viu dez e, contrariamente aos seus, estes transbordavam…

-Peço-lhe mil desculpas…a casa de banho da minha casa precisa de reparações, mas estou à espera que me paguem as rendas em atraso … - desculpou-se o proprietário com ar inocente.

-Escusava era de levar tão longe o ensinamento… - balbuciou o inquilino,asfixiado, apertando o nariz.

Jorge C. Chora

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