quinta-feira, 18 de agosto de 2011

A camisola

Olhava-a de modo disfarçado, desviava os olhos para logo de seguida tornar a olhá-la. Estava sentado no banco do comboio bem à sua frente. Era um senhor de meia-idade, de ar distinto. Via-se que estava incomodado. Mexia-se, cruzava a perna, descruzava-a, parecia não ter posição. Entretanto ia desviando os olhos e olhando de modo nervoso a jovem senhora.

-A senhora desculpe-me…estava a evitar dizer-lhe mas não consigo …tem a camisola ao contrário… - disse-lhe o cavalheiro.

A jovem puxou a gola um bocado para a frente, observou-a e agradeceu:

-Tem toda a razão. Muito obrigada. – e, logo a seguir, recolheu o braço direito para o interior da camisola, seguindo-se o braço esquerdo, fazendo-a rodar no pescoço, corrigindo a sua posição e repondo correctamente a parte da frente e a detrás. Isto tudo sem mostrar sequer um milímetro de pele.

O cavalheiro arqueou as sobrancelhas e demonstrou o seu espanto:

-Que rapidez…que eficiência…se soubesse ter-lhe-ia dito mais cedo…não mostrou nada…quase que me arrependo de lhe ter feito o reparo…

A jovem sorriu timidamente e respondeu-lhe, sem qualquer inibição:

-Só daqui a dois meses é que valerá a pena, quando tiver mudado completamente e me chamar Madalena em vez de João.

-Pois olhe menina, para mim, já é Madalena… -respondeu-lhe o cavalheiro, de modo delicado, sem perder o pé.

-Então daqui a dois meses…não me esquecerei de trazer a camisola ao contrário - despediu-se a futura Madalena, ao apear-se na estação seguinte.

Jorge C. Chora

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