segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O Flamejante

Chegou ao lugarejo envolto numa auréola de mistério. Ninguém fazia ideia de quem era o fulano, o que fazia, ou porque escolhera aquela terra para viver. Sentiam, no entanto, de modo vago, que havia qualquer coisa de familiar nele…

Alguns dos habitantes apressaram-se a construir-lhe uma fama de dotado, habilidoso, capaz de prodígios que eles próprios atestaram como tendo presenciado. Forjaram com o estranho uma partilha de intimidade, uma comunhão de interesses imaginária:

-Se vocês imaginassem quem ele é… claro que não sabem… - dizia um dos amigos, ficcionando uma proximidade, procurando elevar-se aos olhos dos conterrâneos.

-Claro que eles estão impossibilitados …nem sequer são seus amigos… - concluía outro dos aldeões.

Em tempo recorde, ninguém ficou excluído de pertencer ao círculo de íntimos de amigos do recém-chegado.

-Afinal como se chama o homem? - perguntou alguém.

-O que é que isso interessa? – repreenderam-no os restantes.

O tempo foi passando e os locais foram dando e reforçando as provas de apreço, ao que o estranho respondia com um breve franzir da testa. Desconhecendo o significado de tal comportamento, empenhavam-se ainda mais procurando satisfazê-lo em tudo o que estivesse ao alcance.

Ao fim de quinze dias, o forasteiro ofereceu os seus préstimos para atear a fogueira que daria início à festa da aldeia. À hora marcada, a população compareceu frente à câmara municipal e o amigo de todos também. Olhou em redor, esboçou um sorriso e pediu que segurassem uma pequena tocha, à distância de dois passos da pira de lenha. Avançou cerca de cinco metros e parou. Ficou imóvel durante um tempo, com as mãos colocadas em posição de oração.

Um silêncio pesado abateu-se sobre os presentes. O homem continuava hirto e concentrado. Quando a multidão menos esperava, levanta a perna esquerda, espera uns segundos que a flatulência faça efeito e…eis senão quando, bombardeia a tocha que lança o fogo ao madeiro. A chama era tão intensa que se propagou ao edifício camarário e ao casario em seu redor. Nada sobrou da aldeia. Foi aí que alguns dos presentes se lembraram de que num sítio próximo, um homem que ficou conhecido como o “Flamejante”, tinha feito a mesmíssima coisa.

Pior do que as chamas e as ruínas, só o fedor pavoroso, por incrível que pareça, ficou a pairar na localidade desde essa época.

O “Flamejante” continua a andar por aí.Por precaução, vá apertando o nariz…

Jorge C. Chora

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