quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O dedo de pau

Teve um acidente de carro e, por azar, ia tão agarrada ao cinto que acabou por ficar com o dedo polegar decepado. Guardou o pedaço religiosamente. A fé na reimplantação não a deixou desanimar. Quando chegou ao hospital apresentou duas coisas aos médicos: Um saco com a parte da polegar recolhida e um grande sorriso de esperança.

Examinado o corte e a parte separada do dedo, concluíram os profissionais que era impossível reimplantá-lo. Foi o princípio de um desgosto profundo, traumático e de uma revolta sem tamanho.

Regressada à sua terra e ao quotidiano, atrás do balcão da sua taberna, Beatriz olhava amiúde para o seu polegar incompleto. Tinha saudades da parte em falta. Subia-lhe um rubor às faces, um meio caminho entre uma apoplexia e um furor sem tamanho, pela incapacidade de aproveitarem o que guardara tão esperançosamente. Vinha-lhe à memória o momento, o maldito momento, em que o libelo, sem apelo nem agravo, a tinha sentenciado a ficar sem metade do seu querido, amado e imprescindível dedo.

No intervalo dos copos que aviava aos seus clientes, queixava-se amargamente da sua sorte, do membro perdido e que jamais poderia ser recuperado. Um desgosto inultrapassável.

Não havia vivalma, habitante local ou forasteiro, que não estivesse a par da sua grande queixa. Um belo dia decidiu passar ao ataque: Escrever ao ministro a pedir-lhe um dedo, nem que fosse um de pau.

Auscultou todo o mundo, procurando quem lhe escrevesse a dita carta, mas não conseguiu quem o fizesse. Um dia morreu. Morreu sem realizar o seu desejo: o de ter um dedo de pau.

Na vila ninguém a esqueceu e a vereação até lhe botou o nome numa rua. Tinha,certamente, qualidades humanas que aqui não se versaram e que a tornaram digna de memória.

Jorge C. Chora

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