segunda-feira, 12 de maio de 2014

Declarações invisíveis

                                                                                                               
Durante anos chegou à mesma hora e sentou-se no mesmo lugar. Permanecia muda e queda, olhando para a porta. Observava quem entrava.

Um dia trouxe um bloco de notas e passou a escrever, enquanto permanecia no local. Dedicava uns segundos de atenção a quem transpunha a porta, para logo retomar a escrita.

Passaram-se anos sem alterar a sua rotina diária.

O empregado tentou, por diversas vezes, ler o que ela escrevia. Nunca conseguiu. Logo que ele se aproximava ela tapava a folha.

Ao fim de uma década conseguiu espreitar e verificou que não havia sequer uma linha escrita. Não se conteve:

-Afinal a senhora não escreveu nada!

A senhora esboçou um sorriso, o primeiro ao fim de todos aqueles anos, e respondeu-lhe num tom de voz muito baixo e suave:

- Ainda não consegui frases suficientemente belas para passar a escrito…são declarações de amor…para um destinatário especial…

O funcionário piscou os olhos. Não percebeu patavina do que ouviu, mas não desistiu:
-E esse destinatário existe?

-Ainda não, espero que um dia ele transponha aquela porta…

-O amor não necessita de palavras… - concluiu o empregado.

A senhora suspendeu a respiração, fixou o olhar embevecido no senhor e declarou:

-Como nunca reparei em si! É a minha alma gémea…

Ninguém mais viu ou soube algo do funcionário. Há quem diga que se evaporou.

A senhora é que jamais desistiu de o ver. Todos os dias lá continua a ir, mas não leva o bloco. Na sua cabeça ecoa a frase do seu amado:”O amor não necessita de palavras”.

Jorge C. Chora


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