sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Briolanja e Curoto

Briolanja seguia, de olhos arregalados, mesmo atrás do menino um pouco mais velho do que ela. Detestava segui-lo porque o ambiente era malsão, envenenado e fedorento. A procissão seguia a passo de caracol. Ela apertava o nariz com toda a força. Cheirava mal que tresandava.

-Curoto…tu matas-me…-gritava , asfixiada e revoltada.

-O quê? – gritava ele, sem conseguir ouvir, abafado pelas Avé Marias.

E ela repetia, furiosa:

-Curoto,  tu matas-me…

-Queres bolachas?-  inquiria o Curoto – mergulhando a mão no bolso, retirando um monte de bolachas esfareladas.

E Briolanja, com o indicador dizia-lhe que não e agradecia-lhe:

-Obrigada Curoto, come tu…

Durante anos não escapou à mesma sina desgraçada. À medida que foi crescendo ia-lhe mandando indirectas, até que um dia lhe disse:

-Amanhã é a procissão. Vê lá se não comes couves e outras porcarias do género. Quem vai atrás de ti sou eu!

E foi aí que se fez luz no espírito de Curoto.

-Então estes anos todos chamaste-me cu roto?

-Sim, meu menino. Só não morri ainda porque aprendi a prender a respiração…

-Curoto sorriu-lhe:

-Briolanja,  minha querida amiga, eu também tenho sofrido do mesmo mal estes anos todos ! Só não disse nada, porque julguei que fosses tu!

-Se não era eu nem tu, quem era afinal?- espantou-se Briolanja.

Pois aí é que bate o ponto. Descobri agora que era o sacristão que ia à minha frente! Passo sim, passo não, virava-se para mim e dizia:

-Ai que alívio…obrigado Senhor por me manteres vivo…

Briolanja e Curoto aproximaram-se um do outro e cheiraram-se. Descobriram que tinham cheiro a flores: Ela cheirava a rosas e ele a alecrim.

Nunca mais passaram um sem o outro.

-Onde estás minha Briolanja?

-Aqui,  querido Curoto…

E no ar paira sempre um perfume a rosas e a alecrim.

Jorge C. Chora





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