terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O amor de Cristeta

                                                                                                           
Veio do Sul, de uma aldeia piscatória, carregando consigo, como única bagagem, o estranho nome. De pés descalços, aos tropeções, mudando de companhia e sujeitando-se aos abusos dos mais fortes, chegou a Lisboa no início do Verão.

Conduziram-na ao cais da Ribeira e o mestre de uma fragata, ao vê-la, arregalou o olho e interrogou-a:

-Procuras trabalho?  Volta amanhã, pode ser que..

Voltou no dia seguinte. Alertada por uma velha varina, soube que a poriam a descarregar o peixe e que quando passasse na prancha que ligava a fragata ao cais, um pescador iria apalpá-la .Agradeceu e pediu-lhe emprestado um enorme chicharro. Mal ele lhe tentou levantar a saia, ela foi à algibeira, agarrou no peixe e deu-lhe com ele, em cheio, na cara.

No cais, Rodrigues, comerciante abastado da praça da capital, proprietário de diversos negócios, que acabara de chegar e vira a cena, fez sinal ao mestre, apontando-a e virando o indicador para si próprio.
Para bom entendedor meia palavra bastava.

-Como se chama a menina?- perguntou, já com todo o respeito, o mestre.

-Cristeta.

-E a menina quer então trabalhar? Pode começar agora, se o senhor Rodrigues assim quiser. Ele é o patrão.

Cristeta virou-se e viu Rodrigues. Agradou-lhe à primeira vista. Era um homem alto, de cabelos brancos, transbordando simpatia. Trajava casaca, em que sobressaia uma corrente de ouro que mergulhava no pequeno bolso esquerdo do colete. Apoiava-se numa bengala, adereço caro, a avaliar pelo cabo de marfim e pelos amarelos que o fixavam à ponteira.

Será meu, pensou Cristeta. Os olhos com que ele a olhou deram-lhe a certeza que ela lhe tinha agradado sobremaneira.

-Tem onde ficar?

-Não…

-Então vai lá para casa.

-Em que condição?

-Na que a Cristeta quiser.

E Cristeta foi e não tardou a apaixonar-se pelo Rodrigues. Quanto a ele, o amor nasceu assim que a viu.

-Cristeta, minha pequena sardinha… -  derretia-se Rodrigues.

-Rodrigues , meu adorado carapau…

A diferença de idades fez mossa. Cristeta estava sempre pronta para o amor e Rodrigues só em dia de festa. Mas ela amava o seu velho companheiro e todas as semanas, sem falta, organizava uma festa.
Quando Rodrigues chegava e lhe perguntava a razão de ser do evento, ela respondia:

-É dia de S. carapau!

E Rodrigues, com todas as forças e empenho de que era capaz, amava a sua adorada sardinha. Um dia, morreu em pleno esforço.

Cristeta passou a ser senhora dona e como senhora dona se comportou. Cumprido o luto, era raro o dia em que as empregadas não a ouviam murmurar:

-Que saudades do dia de S. carapau…

Jorge C. Chora




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