quinta-feira, 21 de julho de 2016

O CENTRO DE CULTURA E ARTE DA BEIRA HÁ CINQUENTA ANOS

                  
Ainda era pequeno quando os meus pais decidiram colocar-nos, a mim e ao meu irmão, a aprender desenho à vista, no Centro de Cultura e Arte da Beira.

O centro funcionava num casarão, à beira do campo de golfe e se a memória não me falha, na Ponta Gêa. Para além de várias salas, era dotada de grandes varandas fechadas, com redes nas janelas. Os cavaletes eram dispostos de modo a que cada aprendiz não constituísse um obstáculo visual e eramos distribuídos pela sala e pelo dito corredor/varanda. Cheirava a tintas e a líquido fixador. No centro, um pedestal onde o professor colocava o que devíamos desenhar.

Aprendemos a tirar medidas aos objectos, fechando um olho e, com o outro, de braço estendido,com um lápis na vertical e na horizontal, apontando para o objecto, definíamos as proporções e marcávamos os contornos e desenhávamos.

As aulas eram por volta das 17h30 e acabavam cerca de hora e meia depois. Nessa altura, quer eu, quer o meu irmão, estávamos esfomeados, já que naquela época jantávamos pelas 18/18h30, o mais tardar. Desenhávamos a carvão e apagávamos os desenhos com miolo de pão. Quando completávamos a obra utilizávamos o fixador, pulverizando a obra.

E o estômago a dar horas e nós a pensar que bem nos saberia ter ali o enorme pão com “jam” que deitávamos fora à socapa, quando nos levavam o lanche à praia, duas horas após sermos obrigados a comer o colossal “mata-bicho” à moçambicana, que enfartaria um elefante e deixaria K.O. um leão!
E a fome continuava a apertar e, como quem não queria a “coisa”, íamos ao miolo de pão, abocanhávamos um pedaço que não tivéssemos usado e depois outro e ainda outro, até que marchava, por vezes, o que estava sujo de carvão. A fome era negra! E acompanhados pelas notas musicais que nos chegavam das aulas de ballet, íamos devorando o pão que nos sabia infinitamente melhor que o caranguejo, o bife, a lagosta e o camarão, a que torcíamos o nariz em casa.

Os pais, esses sábios, tinham jantares sossegados, sem lamúrias do “não me apetece” “estou satisfeito” e “não há mais nada?”…

As minhas aulas continuaram pelas férias dentro até que um dia estiveram quase a ser interrompidas. Ao chegarmos a casa, a minha mãe mostrava sempre um grande interesse pelas obras-primas dos seus “artistas”. Um dia trouxe-lhe um desenho ao qual não achou graça nenhuma: eram uns seios descomunais.

-Oh! Jorge Alberto…o que é isto? Tu deves fazer os desenhos que o professor te manda! E olhava toda triste, mas de uma forma meiga, para o seu rebento desencaminhado.

-Ó mãe, foi o professor que colocou um busto no pedestal… -respondi-lhe.

Puxou-me para si, beijou-me e disse:

-Bom, assim está bem… mas deves estar mais atento…umas maminhas assim seriam um castigo de Deus!


Jorge C. Chora

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