Ainda era pequeno quando os meus pais decidiram colocar-nos,
a mim e ao meu irmão, a aprender desenho à vista, no Centro de Cultura e Arte
da Beira.
O centro funcionava num casarão, à beira do campo de golfe e
se a memória não me falha, na Ponta Gêa. Para além de várias salas, era dotada
de grandes varandas fechadas, com redes nas janelas. Os cavaletes eram
dispostos de modo a que cada aprendiz não constituísse um obstáculo visual e
eramos distribuídos pela sala e pelo dito corredor/varanda. Cheirava a tintas e
a líquido fixador. No centro, um pedestal onde o professor colocava o que
devíamos desenhar.
Aprendemos a tirar medidas aos objectos, fechando um olho e,
com o outro, de braço estendido,com um lápis na vertical e na horizontal,
apontando para o objecto, definíamos as proporções e marcávamos os contornos e
desenhávamos.
As aulas eram por volta das 17h30 e acabavam cerca de hora e
meia depois. Nessa altura, quer eu, quer o meu irmão, estávamos esfomeados, já
que naquela época jantávamos pelas 18/18h30, o mais tardar. Desenhávamos a
carvão e apagávamos os desenhos com miolo de pão. Quando completávamos a obra
utilizávamos o fixador, pulverizando a obra.
E o estômago a dar horas e nós a pensar que bem nos saberia
ter ali o enorme pão com “jam” que deitávamos fora à socapa, quando nos levavam
o lanche à praia, duas horas após sermos obrigados a comer o colossal
“mata-bicho” à moçambicana, que enfartaria um elefante e deixaria K.O. um leão!
E a fome continuava a apertar e, como quem não queria a
“coisa”, íamos ao miolo de pão, abocanhávamos um pedaço que não tivéssemos
usado e depois outro e ainda outro, até que marchava, por vezes, o que estava
sujo de carvão. A fome era negra! E acompanhados pelas notas musicais que nos
chegavam das aulas de ballet, íamos devorando o pão que nos sabia infinitamente
melhor que o caranguejo, o bife, a lagosta e o camarão, a que torcíamos o nariz
em casa.
Os pais, esses sábios, tinham jantares sossegados, sem lamúrias
do “não me apetece” “estou satisfeito” e “não há mais nada?”…
As minhas aulas continuaram pelas férias dentro até que um
dia estiveram quase a ser interrompidas. Ao chegarmos a casa, a minha mãe
mostrava sempre um grande interesse pelas obras-primas dos seus “artistas”. Um
dia trouxe-lhe um desenho ao qual não achou graça nenhuma: eram uns seios
descomunais.
-Oh! Jorge Alberto…o que é isto? Tu deves fazer os desenhos
que o professor te manda! E olhava toda triste, mas de uma forma meiga, para o
seu rebento desencaminhado.
-Ó mãe, foi o professor que colocou um busto no pedestal…
-respondi-lhe.
Puxou-me para si, beijou-me e disse:
-Bom, assim está bem… mas deves estar mais atento…umas
maminhas assim seriam um castigo de Deus!
Jorge C. Chora
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