quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O ARREPIO DO SANTINHO


Para santinho nem a aureola lhe faltava: a queda precoce de cabelo fazia-o assemelhar-se ao Stº. António. Quanto ao comportamento, era considerado exemplar quer no bairro quer na escola.

Ao acordar naquela manhã, ninguém diria tratar-se da mesma pessoa. Deu-lhe a louca, como diria a sua amiga Olga. Pura e simplesmente decidiu faltar às aulas, mas não podia permanecer em casa.

Vestiu-se, agarrou na pasta com os livros e foi apanhar o autocarro. A viagem ainda durava cerca de 30 minutos pois vivia numa localidade ainda distante da escola.

Cirandou pela cidade, ocupou o tempo a ver lojas e no café. Na hora de regressar, encaminhou-se para a paragem. Mal lá chegou viu um carro parar mesmo à sua frente.

-  Anda …   dou-te boleia. Hoje tenho de ir para o sítio onde moras…

João sentiu-se gelar. À sua frente tinha o professor a quem faltara às aulas.

- Vamos embora, não tenho o dia todo…

Ainda pensou dar uma desculpa e não aceitar a boleia. Desistiu da ideia. Tinha de saber o que ele diria aos seus pais. Eles até eram conhecidos…

Durante a viagem João observou de modo atento o professor. O que estaria ele a pensar? Aquele franzir da testa significaria o quê? Porque não lhe daria ele o raspanete que ele merecia?

A viagem foi um tormento. João já estava por tudo. Se o professor não dissesse aos pais nada, ele próprio confessaria a sua falta. Elaborou mentalmente o discurso de desculpas e a promessa de não voltar a cometer a falta.

Chegados ao destino, João ensaiou as suas desculpas:

- Sr. Professor peço-lhe desculpas…

- Desculpas, peço-te eu por não ter tido tempo de vos avisar que tinha de faltar…

João já não ouviu nem quis ouvir o resto.

- As suas melhoras…

E o professor ainda tentou dizer-lhe que não estava doente …

 

Jorge C. Chora

  28/10/2021

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