A minha
caneta anda tão amuada que há muito se escondeu. Não sei bem o que se passou,
mas acho que tenho uma ideia.
Foi uma
trabalhadora incansável: trabalhava de manhã, à tarde e à noite.
Escrevia a
preto, pois recusava a tinta vermelha por achá-la penalizante. Já bastava assinalar
os erros, ter de colocar os dedos na ferida para depois serem trabalhados e
superados, sendo desnecessário agigantá-los a tinta vermelha. Escrevia também
relatórios, avaliações, mensagens, recados e histórias.
E de repente,
com a minha aposentadoria, passou unicamente a escrever crónicas, pequenas
histórias e poesia. A intensidade de trabalho diminuiu, mas não desapareceu,
embora a caneta se tivesse ressentido com a redução das tarefas. Com o tempo
viu-se um tanto ou quanto marginalizada pelo computador. O inimigo foi ficando
cada vez mais forte e ela, coitada, a ruborizar-se, a enfurecer-se, a pensar
escapulir. Aguentou as ofensas até onde pode, exatamente até à maldita
pandemia. Era usada fora de casa, nomeadamente nos cafés e com a epidemia, as
idas a esses espaços reduziram-se ao mínimo. Sentiu-se mal, bastante mal, por
deixar quase de ser utilizada. Um dia, sem eu perceber, resolveu alforriar-se
sem que eu lhe tivesse passado a respetiva carta.
São muitos
os dias em que me lembro dela, embora o computador, que a despreza, me segrede
amiúde:
- Deixa-a em
paz! Ela tem direito à reforma!
Estou em
crer que ela se tenha cansado de semelhante protagonismo e irreverência, e se
tenha escondido. Já me fartei de chamá-la, mas até hoje, ainda não se dignou a
responder-me. Sinto de novo a sua falta, pois com abertura dos cafés, necessito
dela para escrever nos guardanapos e tenho de o fazer com uma companheira sua,
mas não é a mesma coisa.
Resta-me a
saudade de uma velha companheira que acabou por me ser infiel!
Jorge C.
Chora
5/o1/2022
AGUARDO A RESPOSTA DA CANETA 👌🏽
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