João pouco
ou nunca sorria. Dizia sempre bom dia ou boa tarde e jamais boa noite, pois
ninguém tinha memória de o ter visto à noite.
Ninguém
sabia o que fazia, nem onde trabalhava. João era uma incógnita.
Também
ninguém o vira fazer mal a alguém ou maltratar fosse quem fosse. Trazia sempre
consigo uma viola, mas também ninguém o ouvira tocar.
Numa
quarta-feira, Manuela chegou alvoroçada ao café, onde por vezes se realizavam
espetáculos, com uma novidade:
- Querem
saber a melhor? Vi o João esta manhã, a dar o seu lanche a um pedinte, ao pé da
estação da C. P.
Ninguém
comentou a situação.
Nessa mesma
noite, houve um espetáculo. A meio apareceu João com a sua viola. Mal entrou, o
concerto parou: duas cordas tinham-se partido e o artista não tinha como as
substituir.
João subiu
ao palco e emprestou-lhe a sua viola. O artista agradeceu e verificou que ela
estava afinadíssima. O espetáculo continuou.
No fim, o
artista convidou João a vir ao palco e a tocar algo do seu agrado.
Instado várias
vezes a tocar, João acabou por ceder.
O que se
ouviu foram temas desconhecidos, muito aplaudidos.
Madalena
abria e fechava a boca. Ela era compositora e raramente ouvira temas tão bem
cantados, tocados e compostos.
- De quem
são essas canções?
- São
minhas…
- Onde é que
cantas?
- Só em
casa, para minha mãe ouvir.
- Como
assim?
- Ela só sossega quando as ouve. Ela sofre de demência...
Madalena deu a mão ao João, ajudou-o a descer do palco e
perguntou-lhe:
- Posso acompanhar-te a casa?
- Claro que sim.
A meio do caminho ofereceu os seus lábios ao João, que os
beijou com a delicadeza idêntica à das suas composições.
Passados alguns anos, ainda não regressou a sua casa e
senta-se ao lado da sua sogra, a ouvir João a cantar, deixando-o acabar, para
lhe oferecer os seus lábios.
Jorge C. Chora
7/7/2023
Sem comentários:
Enviar um comentário