quarta-feira, 5 de julho de 2023

A FADISTA

 

A FADISTA

A minutos de entrar para cantar, Elsa, sem notar, rompeu as suas meias de seda pura bordada.

Conteve as lágrimas, há meses que não atuava e claro está, não recebia.

Tinha sido o namorado que as ofertara, antes de ter fugido com outra.

Agora, ficara sem nada, nem meias nem namorado.

Encheu-se de coragem e foi cantar. O que vale é que estava depilada,

mas a sua brancura imaculada, não se coadunava com o xaile e roupa clara.

Na primeira mesa sentava-se um homem grande, de bigode farfalhudo,

e ar de poucos amigos. À medida que cantava, o rosto do homem iluminava-se e via-se à légua que de tudo gostava: da cantora e do que ela cantava.

Elsa reparou no gigante e achou-o invulgar e simpático.

Quando acabou a atuação, ele convidou-a a vir para a sua mesa, beijou-lhe a mão e como havia um mar de gente, entre eles e a mesa, levou-a ao colo como se fosse uma pena e disse-lhe:

-De ao pé de mim já não sai.

Elsa achou-lhe graça e não é que nunca mais saiu!

Todas as noites que quis, cantou. O grandalhão era sócio da casa de fados

e antes de cada atuação, com a condição de nunca mais usar meias de seda bordada, beijava as alvas pernas e os pés à mulher que amava e com quem casara.

Jorge C. Chora

5/7/2023

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