quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

BILLIE

 

Após ter ficado paraplégico, Richard, um americano de origem palestiniana, resolveu retornar à terra de origem dos antepassados.

Acolheu-se em casa de uns primos ricos, única família que lhe restava, depois de ter perdido os seus familiares num acidente automóvel. Passava o dia numa minúscula varanda, que dava para uma pequena praça.

Entretinha-se vendo a miudagem local a jogar futebol e a comemorar, efusivamente, as fintas e os golos que iam marcando.

Diariamente por lá passava uma jovem, professora de inglês numa escola próxima, que por acaso era amiga da sua família, por ter tido um aluno que era neto dos seus primos.

Com ela partilhava o interesse por alguns escritores e pela música e por se entenderem em inglês.

Billie, assim se chamava a jovem, passava todos os dias pela praça a caminho da escola, exibindo um sorriso e não se coibia de dar uns chutos e fazer umas fintas. Alguns dos miúdos eram seus alunos.

Richard, na sua cadeira de rodas, instalado na varanda, acenava-lhe todos os dias, sempre que a via e ela retribuía-lhe os acenos.

Bom observador, Richard, reparou no sorriso cada dia mais feliz de Billie e nos seus passos, cada vez mais cautelosos. Ela casara-se com um colega, no ano anterior.

À medida que o tempo ia passando e a barriga lhe crescia, Richard, por sinais, apontando a sua barriga e mostrando-lhe os dedos, ficou a saber que ela ia ter nem mais nem menos do que trigémeos.

Bom, pensou Richard, segundo ficara a saber, o marido de Billie era filho de um financeiro e o futuro dos filhos estava assegurado.

Já quase no final do tempo, ela caminhava com dificuldade, tão grande era a sua barriga, em relação ao seu pequeno tamanho.

Naquele dia o sol brilhava e Richard, na sua varanda, esperava que Billie passasse, para lhe acenar e perguntar por gestos, levantando o polegar, como estava naquele dia. Escutava nos seus auscultadores o Hallelujah de Leonard Coehn, quando a terra tremeu e viu Billie desfeita e também os gaiatos que jogavam à bola, em pedaços.

Segundos depois, quando na música se repetia duas vezes o Halleluja, outra bomba caída do céu, matou -o  a si e à sua restante família.

Estava-se ainda no início da guerra.

Jorge C. Chora

   7/1/2024

 

Sem comentários:

Enviar um comentário