Sacudiu a crista e enfureceu-se com o descaramento e a falsidade dos colegas galináceos. Começaram por lhe dizer que era velho e não tinha as mesmas necessidades do que os outros. Deu-lhes uma bicada, cacarejou forte e feio. Foi pior a emenda do que o soneto. Uniram-se todos, reduziram-lhe a ração e acabaram por expulsá-lo. O tempo era de crise, não havia para todos, tivesse paciência.
-O que vou fazer agora? – perguntou.
-Tivesses pensado nisso antes! Já viveste o suficiente. Há que dar lugar aos outros! – gritaram-lhe os que ficaram no galinheiro, incluindo alguns bem mais velhos do que ele, que lhe deviam avultados favores, sendo os que mais incitavam a turba ululante.
Cacarejou em vão o brioso e velho galo:
-Se vocês estão assim, fortes e decididos, também a mim o devem!
E não teve outra solução senão a de se afastar e definhar à vista de todos, sem o auxílio de ninguém.
-Chega-te para lá. Dá lugar aos novos. Para que nós vivamos melhor, precisamos que desapareças.
-Morre depressa velho estupor. Só o simples facto de te vermos já nos faz mal ao espírito!
Desterraram-no para um sítio longínquo, fora da vista de todos. Dia sim, dia não, era destacado um dos mais novos para o cumprimento de uma missão: verificar se o velho ainda vivia.
À mesma hora, ecoava pelos montes a mesma notícia:
-Ainda vive!
- Oh! Não é possível… - resmungavam os jovens galos.
O tempo foi passando e os chefes do galinheiro foram reduzindo os grãos atribuídos à população, pese embora as reclamações veementes dos habitantes.
As expulsões foram-se sucedendo a um ritmo alucinante e as mortes dos galos mais novos foram acontecendo em catadupa.
Esqueceram-se do velho galo até que um dia, alguém se lembrou dele e mandou averiguar o que se passava.
-Ainda vive!
-Oh! Não é possível! – admiraram-se os sobreviventes.
-Qual será o segredo? – questionaram-se, cheios de curiosidade.
Decidiram enviar uma representação, com o objectivo de obter, a bem ou a mal, a solução para os seus problemas. Primeiro que escolhessem quem faria parte da embaixada, sucederam-se as discussões, os melindres e as rejeições. As escolhas foram feitas e refeitas inúmeras vezes.
Constituída finalmente a comitiva, quando lá chegaram, depararam-se com um velho, gordo e formoso galo, imóvel, deitado numa fofa cama.
Em silêncio aguardaram que o galo lhes dirigisse a palavra. Após longas horas de respeitosa espera, aproximaram-se, pé ante pé, chamaram-no e tornaram a chamá-lo.
Tinha acabado de morrer o raio do galo velho!
Jorge C. Chora
sábado, 5 de novembro de 2011
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Estimado guru bloguista e grande contador de estórias: faz-me a tua história lembrar uma outra, só que de uma galinha formosa, a quem têm sucedido análogas peripécias. Chama-se D. Democracia, e, por estas horas, também jaz imóvel no seu poleiro. A minha única dúvida é se ainda viverá, ou não. Até tenho medo de ir tentar enxotá-la, não vá uma forma hirta cair, rígida e morta, desse tal poleiro. O melhor mesmo é deixá-la estar, pois enquanto faz figura, ainda vai, também, valendo alguma coisa para quem ali a vê...
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