terça-feira, 1 de novembro de 2011

Não há pachorra!

Reparava máquinas de lavar, mas já arranjara outro tipo de máquinas. Era um faz tudo, bastava que a oportunidade surgisse. O negócio estava fraco. Na semana anterior não tinha tido qualquer chamada de assistência caseira. Para cúmulo do azar, nem na oficina entrara uma máquina. Nem uma batedeira de cozinha!

Hoje, mal entrara na oficina, desatou a receber telefonemas. Uns eram para fazer reparações domiciliárias na localidade, outras nos confins do inferno. Disposto a recuperar o prejuízo da malfadada semana, decidiu começar pelas mais longínquas e depois aproximar-se à medida que fosse despachando o trabalho.

Depois de quase duas horas de viagem por caminhos de cabras, conseguiu chegar ao primeiro local. Mostraram-lhe a máquina avariada e iniciou os preparativos para a reparação. Retirou da maleta a ferramenta de que precisava em primeiro lugar, deslocou a máquina para uma posição em que pudesse trabalhar melhor e ligou-a. Não dava sinais de vida. Andou às voltas com o eventual problema eléctrico até que verificou que pura e simplesmente não havia electricidade: estava cortada. Já nem assistiu à discussão entre o marido recém-chegado e a esposa.

-Não há pachorra! – exclamou ao retirar-se.

Seguiu para a outra localidade, ainda mais inacessível do que a anterior. Quando lá chegou, antes de iniciar qualquer manobra, verificou se havia luz. Havia corrente mas a água não chegava à máquina. A torneira de passagem estava fechada. A senhora fechara-a e esquecera-se de a abrir. Perdera tempo e o que restava da sua paciência.

-Não há pachorra! – repetiu, profundamente aborrecido.

Regressou à oficina. Durante o percurso, irado, ia proferindo palavrões, tantos quantos nunca imaginara dizer até aquele momento da sua vida. Chegado ao destino, quando ia começar a trabalhar, telefona-lhe a mulher, pedindo-lhe, com urgência, que desse um pulo a casa pois a máquina de lavar não funcionava.

-Ó mulher, vê lá se não desligaste a luz por acaso!

-Não, não desliguei…

-E tens a água aberta?

-Sim.

A contragosto foi a casa. A primeira coisa em que reparou, ao pé do telefone, foi na conta da luz. Não estava paga. Havia outro envelope, ainda fechado, ao lado. Teve um pressentimento mau e abriu-a: era um aviso do corte da luz. Furioso, trovejou:

-Ó mulher, não me digas que não pagaste a luz! É sempre a mesma coisa! Era mesmo o que hoje me faltava!

-Então não foste tu que a ficaste de pagar? Tu não me digas… não há pachorra! É que não há mesmo pachorra…

Jorge C. Chora

1 comentário:

  1. Ai quantos rotos a protestar contra outros tantos mal-vestidos, e, na hora da verdade, acabam todos nus, ouvindo-se o riso escarninho de alguém que nem na contenda se meteu, porque esse, a sua conta da luz e a sua água, pagam-nas aqueles que, paradoxalmente, já nem dinheiro vão tendo para pagá-las, se é que, no meio disto tudo, me consegui fazer entender...

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