sábado, 7 de julho de 2012

Os lobos e os patos

Uma alcateia esfaimada tinha por hábito ir aos armazéns dos patos mudos, servir-se à vontade e deixá-los quase vazios. Habituara-se a viver à custa dos patos e a exigir-lhes que eles fossem de novo cheios, sem quaisquer contemplações, quer pelo esforço, quer pelo ritmo de trabalho a que os submetiam.

Um belo dia, a gula foi de tal modo desmesurada e engoliram tantas toneladas de alimentos e a uma velocidade tão alucinante, que acabaram por se engasgar e quase sufocaram. Aflitos, lembraram-se da história do
lobo e da cegonha, e vá de gritarem por socorro e de prometerem tornarem-se mais comedidos, caso os auxiliassem.

Os lobos alinharam-se ao longo de quilómetros, de bocas abertas, esperando ser salvos. Os patos, numa correria, procuraram salvá-los da asfixia, mergulhando os bicos nas suas gargantas para lhes retirarem o excesso de comida.

Acreditando nas promessas, a comunidade dos patos mudos não só os ajudou, como multiplicou os esforços para produzir mais, em menos tempo, para encher os armazéns, chegando a destacar alguns dos seus membros para melhor acomodarem os alimentos e assim aproveitaremos melhor os espaços disponíveis.

Livres da morte, os lobos, depressa se esqueceram das promessas. Passaram a comer e a exigir muito mais do que anteriormente.

Muito a custo, os patos mudos questionaram a alcateia sobre as promessas que lhes tinham sido feitas.

-E acham que nós não cumprimos? Pensem lá bem…não sejam ingratos… -resmungaram os lobos.
Os patos entreolharam-se. Algo lhes estava, decerto, a escapar…

-Então, o que nos dizem, senhores patos… -insistiram os lobos.

Os patos calaram-se. Por algum motivo eram mudos. Mais valia terem os bicos fechados do que debitarem um chorrilho de asneiras. Assim pensaram e assim fizeram.

A alcateia faminta depressa esqueceu o assunto, até que um dos patos mais sabidos, chegando-se ao pé de um dos lobos mais jovens o abordou como quem não quer a coisa:

-Olha lá jovem lobo…eu e alguns dos meus amigos fizemos uma aposta. Eu digo que vocês cumpriram a vossa palavra…quando nós vos salvámos…mas os meus amigos são de opinião contrária. Eles julgam que são mais espertos do que vocês.

O jovem lobo riu-se a bom rir. As suas gargalhadas ecoaram pelas redondezas e ele acabou por dizer:

-Quando tivemos as vossas cabeças nas nossas gargantas, podíamos ter-vos comido e não o fizemos. Afinal quem deve a vida a quem? Quem são os ingratos?

Calaram-se os patos. Não queriam acreditar no que ouviam. Só podia ser gozo.
Ainda nesse dia, a alcateia, insaciável, tornou a empanturrar-se de tal modo que se pôs a gritar por socorro…

E sabem que os patos voltaram a enfiar os bicos na garganta dos lobos,tantas vezes quantas foram necessárias?

Jorge C. Chora

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