sexta-feira, 29 de junho de 2012

tan solo

Iam chegando a conta gotas. Saiam dos seus automóveis de modo lento. Afivelavam sorrisos, ajeitavam com um toque os vestidos e continuavam a sorrir.

Os flashes relampejavam e as fotografias eram tiradas em catadupa. Enquanto desfilavam sorriam. Sorriam sempre.

Entre as louras platinadas e as morenas extraordinárias, algumas ruivas, a que poucos ligavam, proprietárias de bolsas onde até os cêntimos escasseavam.” Se não fossem pobres não eram ruivas” dizia um entendido nas lides sociais a quem alguma ruiva recusara favores.

No meio da sala, uma modelo de outro mundo, também sorria. Os comentadores teciam elogios ao divino vestido, ao modo como ele caía, ao padrão, à qualidade inerente à etiqueta do afamado costureiro. Um dos comentadores louvou os sapatos da modelo. O requinte e a beleza dos mesmos, estavam de acordo com a “griffe” habitual. Nunca o criador concebera, pelo menos até agora, nenhuns fora do alto padrão a que habituara as suas refinadas consumidoras.”Um must” concordaram os críticos.

A modelo mexeu-se. Deu um pequeno passo e o seu longo vestido, arrastando pelo chão, ocultava-lhe os pés e as sandálias do chinês que estava a calçar, já velhas, as únicas que lhe valiam com a unha do pé encravada, que a afligia. E ela sorria.

Um cheiro a cera de igreja espalhou-se pela sala, ao acenderem umas velas.”Odor a santidade” afiançou o decano das notícias sociais. Entreolharam-se os enviados das revistas e acharam que o seu colega devia retirar-se por decrepitude e insanidade.

-Odor a santidade! Só se for ele o santo, coitado! – concordaram.

Ao lado, a modelo dos chinelos continuava a sorrir, enquanto à sua volta adejavam os profissionais, capazes de ver, apreciar e encantar-se com os seus belos sapatos:

-Dizem que ela tem,” tan solo”, 10 pares iguaizinhos aos que está a calçar! – concluiu Manolo, despertando a inveja de quem o julgava íntimo da beldade.

-Não me diga…e eu que tenho três semelhantes aos dela e achava que era uma extravagância… - disse uma bela morena, tapando com a mão esquerda, um pequeno buraco na meia, que vinha a aumentar de há uns tempos para cá.


Jorge C. Chora

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