quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Os parceiros

Entrou apressado na viatura e arrancou quase de imediato. Virou à esquerda e logo a seguir à direita, sem parar no stop. Acordou cheio de dores no hospital.

Depois de tratado foi internado num quarto, onde estava outro doente. Fitou o seu parceiro e cruzaram por breves instantes o olhar. Logo a seguir, o que já ocupava o quarto olhou para o tecto e assim ficou.

Não gostou o recém-chegado do mutismo a que se remeteu o parceiro. Reparou bem na figura. Tinha uma barba aparada de modo irrepreensível assim como o cabelo. No bolso do pijama tinha a letra “C” bordada e uma pequena cercadura composta de espigas que lhe pareciam representar espigas de trigo. No dedo anelar da mão esquerda podia ver-se um anel de curso cuja pedra não identificou. Um convencido, pensou. Era definitivamente um, sem a menor dúvida, e a primeira letra bordada no pijama, “C”, denunciava, com toda a certeza, o carácter do homem que ali estava: Um convencido.

À medida que as horas passavam, prometeu a si próprio não se rebaixar dirigindo a palavra a quem o ignorava daquele modo. Concentrou a sua atenção na janela do quarto, ao lado da cama do” Convencido”. Era preciso ter azar. Se ao menos ela estivesse ao seu lado podia distrair-se, ver o movimento exterior, sentar-se na cama e dar fé do que se ia passando lá fora…

À hora da visita entraram no quarto uma sorridente senhora, acompanhada de uma belíssima e não menos risonha adolescente. O companheiro de quarto levantou-se de um pulo, beijou a mulher e abraçou a filha. Começaram os três a gesticular em silêncio, iniciando uma conversa animada mas sem proferirem um só som.

Ao fim de algum tempo a adolescente dirigiu-se ao companheiro do pai e disse:

-O meus pais são surdos-mudos. Ele chama-se Carlos e tinha receio de o estar a incomodar. Ele tem pena de que desta janela, que só dá para um saguão, nada se veja, porque caso se visse algo, tinha-o convidado a sentar-se na sua cama e a partilhar o movimento e a paisagem.

Nesse preciso momento, a mãe da rapariga oferece-lhe uma fatia de bolo com um sorriso encantador e o companheiro pede-lhe, por gestos, que ele aceite.

Quarenta anos depois, é rara a semana em que não se encontram para jogarem uma partida de xadrez.

Jorge C. Chora

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