segunda-feira, 19 de novembro de 2012

S. Analógico

Olham com cara de caso para o seu televisor. Não querem acreditar no que lhes está a acontecer. Levantam-se e abanam-no. Conversam um pouco com ele. De início com palavras meigas, porque a um velho e fiel amigo podem perdoar-se algumas falhas, principalmente devido ao facto de nunca, mas nunca, até à data, ter falhado.

Sentam-se à mesa de novo e de pescoço esticado, fitam-no lá no alto, alcandorado no suporte. Parece algo pré-histórico: saem-lhe fios por todo o lado, ligados a uma caixa preta, cheia de bananas multicolores que a ela se ligam, por meio de outro aparelhómetro. A encimar a televisão existe uma espécie de escaravelho unicórnio e luminoso, um dispositivo electrónico, do qual partem duas grandes antenas, assemelhando-se a um búfalo a quem alumiam o caminho. Resolvem esperar por ele, dar-lhe mais tempo a ver se recupera. Nada, por mais que se espere, ele não tuge nem muge. Desperta quando lhe dá na real gana, sem dar cavaco a ninguém: está em autogestão.

Toca a retirá-lo do suporte e a carregá-lo. Pesa que se farta e o tamanho torna-o difícil de acomodar. Vencidas as enormes escadas sem elevador, é transportado até ao técnico, bem mais velho do que o televisor.

-Homem …que traquitana me traz aí! Isso nem tem HDMI !

Começa a linguagem da supremacia tecnológica.

-O amigo não vê que isso ainda tem uma antena das antigas e com isso nada feito!

Encolhe-se o dono e explica-lhe que para além daquela já tem outra, com lanterna e tudo…e que o aparelho até funciona mas, quando quer e lhe apetece deixa de ter som e imagem…

Afadiga-se o técnico em testes e a sentença é lavrada:

-O aparelho está bom. A recepção é que é má. Isto já não se usa…isto é do tempo do analógico…nem tem HDMI !

Volta a carregá-la e a subir a pé com o trambolho às costas, a montá-la no mesmo sítio, a maldizer a quantidade de dinheiro gasto em adaptadores, antenas e caixas descodificadoras.

No fim de tudo pronto, liga-a, vêem durante uns minutos e quando já estão com a atenção presa, deixa de haver som e imagem. Em desespero de causa interroga a mulher:

-O que é que eu posso fazer mais?

-Acende um vela a S. Analógico…pode ser que nos valha…

Jorge C. Chora

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