Mafalda tinha uma farta cabeleira negra, repleta de
caracóis, atravessados pelos raios solares, que por entre eles brincavam. Os
seus olhos eram castanhos cor de mel, e reflectiam a ternura que lhe ia na alma
e uma curiosidade imensa pelo que a cercava.
Na varanda, que havia à volta da torre redonda onde vivia,
observava os campos e ouvia o chilrear dos passarinhos que a visitavam.
Conhecia os piares e entendia-os, tal o hábito que tinha de conversar com eles.
Traziam-lhe estes pequenos amigos notícias dos lugares mais distantes, daqueles
sítios que a sua vista não alcançava.
Um desejo de ir mais longe, de viajar, de conhecer o mundo
apoderou-se de Mafalda. Um dia foi visitada por um enorme condor e entre eles gerou-se
uma grande amizade. Este seu novo amigo, ao saber da vontade da menina em
conhecer novas paragens, ofereceu-se para a transportar.
Um belo dia, logo pela manhã, Mafalda instalou-se entre as
enormes asas do condor e partiram em direcção ao horizonte. Logo na primeira
aldeia, lá do alto, viram um jovem senhor que se encaminhava para o povoado,
com uma pequena mala na mão. De repente, deixaram de o ver. Perguntou ao condor
se o via e ele, passado algum tempo, descobriu-o no fundo de um buraco.
Passado um bocado, ouviram-se gritos de socorro provenientes
da cova onde caíra o senhor. Acorreram duas pessoas que, em vez de o auxiliarem,
se puseram a interrogá-lo:
-Anda alguém a apropriar-se do dinheiro e de objectos de
valor dos habitantes cá da aldeia…
E quando o homem, lá do fundo da cova, se preparava para
lhes responder, os aldeões interromperam-no:
-Está calado ladrão, vais ter o que mereces… - E, acto contínuo, começaram a
arremessar-lhe tudo o que tinham à mão, desde batatas a couves.
A gritaria atraiu os moradores da aldeia e as suas
respectivas famílias. Ninguém quis ficar sem intervir. Todos lançaram os
produtos agrícolas que tinham mais à mão, tendo os mais jovens transportado os
víveres necessários à reposição dos que se esgotavam.
Quando menos esperavam, o homem enclausurado, saiu pelos
seus próprios meios do buraco, trepando pela pilha de alimentos. Todo sujo, de
gravata à banda, com uma das hastes dos óculos partidos, com uma mala de couro
na mão, comandou, com uma voz tonitruante:
-Todos em fila! Primeiro as mulheres, depois os homens, e as
crianças em círculo à nossa volta!
O condor, reconheceu o professor da vila, embora ele
estivesse todo sujo.
Quando os agressores avançaram para o senhor, só o viram
abrir a mala, tirar uma régua e desancar os dois que tinham avançado para o
maltratarem. No chão ficaram os livros da escola.
Depressa os moradores se aperceberam de quem era o jovem e
que, a mal, só arranjariam umas boas reguadas.
A ave encostou a cabeça aos caracóis da Mafalda e disse-lhe:
-Nunca julgues ninguém de forma apressada!
Mafalda sorriu e retorquiu:
-Até porque posso apanhar umas belas e merecidas réguadas!
-Nem mais ! – confirmou
o condor, batendo as suas longas asas e dando por finda esta 1ª e emocionante viagem da sua passageira.
Jorge C. Chora
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