Na taberna, lá para as bandas de Alenquer, D. Alice, enquanto
servia um branco ou um tinto, ia-se descuidando com estrondo e sem rebuço.
Quem a conhecia não estranhava e acabava por nem dar por
isso, tamanho era a habituação ao estranho costume . Uma vez por outra,
aparecia um cliente, não habitual, que arqueava as sobrancelhas perante os gases
da proprietária.
Nessas ocasiões, D. Alice enchia-se de paciência e explicava:
-O Dr. Amaral, o meu médico, farta-se de me dizer para nunca
guardar o que não me faz falta. Como o tenho em grande conta, jamais me passou
pela cabeça desobedecer-lhe.
E sublinhava o esclarecimento com um traque gigante, que no
verão tinha o condão de afugentar as moscas que teimavam em entrar-lhe no
estabelecimento.
O Dr. Amaral era um santo para a população e gozava da fama
de acertar sempre, em relação às grávidas, se elas teriam um rapaz ou uma
rapariga. O exame era demorado. Palpava as barrigas de uma forma cuidadosa, muito
demorada e, por fim, vaticinava:
-É um rapaz!
Enquanto isto dizia, registava na ficha o contrário do que
tinha dito: rapariga.
Quando a criança nascia, caso fosse rapaz, estava tudo
certo. Se tivesse nascido uma rapariga, ele mostrava a ficha e esclarecia:
-Está aqui, preto no branco, que era uma rapariga!
Jorge C. Chora
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