terça-feira, 24 de janeiro de 2017

UM JORNAL MUITO REPETITIVO



Lia o jornal de fio a pavio. Protegia-o como se de um tesouro se tratasse. De duas em duas horas relia-o, pois havia sempre uma ou outra notícia que lhe podia ter escapado.

Detestava os colegas que lhe observavam o jornal por cima do seu ombro e irritava-se solenemente, quando um lhe pedia os classificados, outro as páginas do desporto e ainda um terceiro, a parte dedicada à cultura.

Um belo dia entrou um novo colega e esse, batia todos os restantes nos seus pedidos:

-Já leu, não é! Empresta-mo?

O novato retinha o matutino o resto do dia. Como não tinha coragem de lhe dizer que não, passou tormentos, por ficar uma boa parte do tempo sem ele. Após muito pensar, lembrou-se de algo, com o objectivo de se livrar de tão incómodo hábito.

Quando o novato lhe cravava o jornal, ele estendia-lho de imediato, com um sorriso nos lábios, como se nada lhe custasse emprestá-lo.

Ao fim de um mês, os pedidos de empréstimo cessaram. O dono do matutino, como se estivesse muito surpreendido, questionou-o:

-Então…fartou-se de ler as notícias?

-Por incrível que pareça, foi isso mesmo que aconteceu! Pareciam-me sempre as do dia anterior!

Não fosse o diabo tecê-las e o novato tornar ao velho costume, o jornal já estava preparado para ser emprestado: a capa era a do jornal do próprio dia e o interior constituído pelo jornal do dia anterior.


Jorge C. Chora

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