Ivana e Louise eram irmãs, sendo Louise, a minha avó e
Ivana a minha tia-avó. Estavam juntas todos os dias. À hora do lanche, pelas quatro
da tarde, mais pontual do que o Big-Ben, Ivana aparecia. Morava talvez a uns
duzentos metros.
Nos dias de muito vento, a deslocação era
problemática. A minha tia-avó era muito pequena e leve como uma pena. Cosia-se
de modo estratégico aos muros existentes entre a sua vivenda e a da sua irmã. Parava
quando a ventania era mais forte e avançava com precaução quando ela abrandava.
O certo é que chegava sempre, sem delongas nem desculpas, às quatro em ponto.
A minha avó era mais alta do que a irmã, mas tão magra
como ela, embora um tudo nada, menos leve.
Tia Ivana era um doce. Tudo estava bem para ela. Nunca
me lembro de a ter visto zangada ou dizer algo mais ríspido. Contou-me o meu
falecido pai, que ele e os(as) primos(as), quando eram muito jovens, adoravam
estar com a tia e almoçar em sua casa.
Enquanto ela cozinhava, iam passando pela cozinha e
tirando batatas fritas ou que lhes apetecia, a seu belo- prazer, sem que ela os
repreendesse uma vez que fosse. À hora da refeição, vinha para a mesa exactamente
o que tinha sobrado. Disciplinaram-se num ápice. Não ralhou, ameaçou ou gritou.
Era assim a minha tia-avó.
A minha avó era diferente. Para ela existiam regras e
irritava-se, se algo acontecia fora delas. Não havia mas nem meio mas. Ela
mandava e estava tudo dito. Havia horas para tudo. O meu avô era militar e ela
habituara-se a governar a casa desse modo, mesmo após o seu falecimento.
O seu ritual nocturno, antes de dormir,
impressionava-me. Arranjava as suas longas tranças com todo o cuidado, como se tivesse
de ir a qualquer lado. Colocava o pó de arroz e fazia o resto da toillete. A
primeira vez que a vi a preparar-se assim, perguntei-lhe porque o fazia e ela
respondeu-me:
-Se eu morrer, não dou trabalho a ninguém, para além
de saber como vou!
Na cozinha mandava ela e muito bem. Só de pensar nos seus
pitéus, cresce-me a água na boca. Havia um senão: sopapos para quem deixasse
comida no prato, principalmente para quem tinha tido mais olhos do que barriga
ou falasse sem autorização. Havia também, verdade se diga, distribuição de
belos chocolates pelos netos, com conta peso e medida. Descobrimos o
esconderijo e havia aquilo que designávamos com o assalto ao comboio: comíamos
muitos mais do que aqueles que ela tencionava dar-nos. Hoje suspeito que ela
sabia perfeitamente das nossas tropelias, mas fazia vista grossa.
Tempos que já lá vão, numa cidade onde a terra e as
acácias eram vermelhas!
Jorge C. Chora
23/7/18
Obrigado por me fazeres lembrar disto. Não eram só chocolates mas também caramelos da África do Sul numa lata Arte Nova
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